A semana foi de ansiedade para os britânicos em Portugal. De longe, viram o seu Parlamento rejeitar o plano de Theresa May para o Brexit, mas reconfirmá-la no cargo no dia seguinte. Ao mesmo tempo, receberam a garantia do governo português de que, aconteça o que acontecer, continuarão a ser bem -vindos em Portugal. Esta é a história de cinco ingleses no Algarve, onde vivem 60% dos 50 mil residentes do Reino Unido. Representam tudo aquilo por que a sua comunidade está a passar, do desgosto por deixarem a União Europeia às novas oportunidades de negócio que o Brexit lhes pode abrir.."Toda a gente sabe o que não quer mas ninguém parece saber o que quer".Paul Allen-LuckmanDiretor do The Portugal News.Pode ser da idade, admite, mas Paul já está farto dos avanços e recuos do Brexit. "Tenho 73 anos, posso dar-me ao luxo de não me querer ralar", diz agora no seu gabinete na redação em Lagoa, onde o jornal que dirige há 42 anos - o The Portugal News - ganha vida todas as semanas.."Por outro lado, sou jornalista, tenho de estar atento. E aquilo que vejo em Londres não é animador: toda a gente sabe o que não quer, mas ninguém parece saber o que quer. É uma coisa bastante irritante." Para ele e para os seus compatriotas..Segundo o último Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo do SEF, há 22 431 cidadãos do Reino Unido a residir em Portugal. Ao DN, a embaixada estima que o número real seja pelo menos o dobro - ou seja, 50 mil. Desses, 30 mil viverão no distrito de Faro..O News é de longe o maior jornal em língua inglesa do país e não é de estranhar que seja feito a partir do Algarve, a little Britain portuguesa. Paul Allen-Luckman fundou-o em 1977, quatro anos depois de chegar a Portugal. Tem uma tiragem de 15 mil exemplares, distribuídos por todo o país.."A nossa ideia sempre foi dar notícias locais aos estrangeiros que vivem cá." As histórias internacionais não cabem nestas páginas e por isso as notícias sobre o Brexit não teriam, à partida, lugar na publicação. "Neste caso tivemos de o fazer. Não em demasia, mas era uma preocupação demasiado grande para os nossos leitores para que o assunto fosse ignorado.".Ele, como a maioria dos britânicos em Portugal, não votou nas eleições para o Brexit. "Quem reside no estrangeiro há mais de 15 anos não pode participar em nenhum ato eleitoral, o que neste caso é particularmente injusto." Quem vive há menos tempo só consegue votar por correspondência ou procuração. Se tivesse havido escrutínio no Algarve, Paul não tem grandes dúvidas: "O Brexit perderia por vasta maioria.".Usa o título de um artigo do Times de Londres para explicar a saída da UE: Fog in the channel - Europe cut off (Nevoeiro no canal - a Europa foi cortada.) "Para os nostálgicos do Império, não fomos nós que nos separámos da Europa, antes cortámo-la." Ficou chocado com a decisão, mas agora só quer que as coisas se resolvam.."Temos o país nas mãos de um grupo de crianças, o que é lamentável. Acredito que tudo se resolverá à última hora. Mas é um alívio sentir que já estou há muito estabelecido num outro país, ainda por cima um país fantástico."."Quem ia ao médico a Londres tem medo de já não poder ir".Carol SpiresPresidente da Madrugada, ONG de apoio a pessoas em fim de vida.No centro da Luz, aldeia de Lagos, há uma organização chamada Madrugada que presta cuidados paliativos a pessoas em estado terminal. "Apesar de termos uma direção britânica e de 75% dos nossos pacientes serem britânicos, não trabalhamos exclusivamente para os britânicos", diz Carol Spires, 61 anos, presidente da instituição. Ainda assim, fala de um dos grandes pontos de preocupação da comunidade em Portugal: os cuidados de saúde.."Sabemos que o Serviço Nacional de Saúde tem qualidade, não é esse o problema." O problema é a sobrelotação, nomeadamente no Algarve. "Há muita gente que vai ao médico a Londres, a Manchester ou a Liverpool, mas vive aqui. E com o Brexit pura e simplesmente não sabe se vai poder continuar a fazê-lo.".O assunto é ainda mais grave para os cidadãos que a Madrugada apoia. São doentes para quem os médicos esgotaram as soluções e a associação tenta oferecer-lhes o maior conforto possível nos últimos dias de vida. Ou aos seus familiares, que precisam de aprender a lidar com a perspetiva do fim. "O maior medo destas pessoas é o desconhecido. Mesmo para os que acompanham as notícias, tentamos que não saibam nada do Brexit. É uma inquietação, isso só os prejudica.".A Madrugada tem 90 voluntários, não tem qualquer vínculo político ou religioso, fornece cuidados recrutando enfermeiros, médicos e psicólogos. "Toda essa ajuda é gratuita para os utentes. O nosso financiamento depende de donativos e das vendas de duas lojas de roupa em segunda mão que temos no Algarve." Em média, acompanham cada pessoa durante três a quatro semanas, 24 horas por dia. Desde 2009, prestaram ajuda em 136 casos..De há dois anos para cá, diz, chega cada vez mais gente idosa - decidem vir aqui passar os últimos dias. Acredita que o Brexit está a fazer aumentar este número, ninguém quer passar os derradeiros anos na confusão. Só não sabe se esta gente terá lugar nos hospitais portugueses: "O que nós oferecemos gratuitamente está, também por isso, a tornar-se um negócio promissor no Algarve."."Sou contra o Brexit mas foi a melhor coisa que aconteceu à nossa escola".Mike FarrerReitor da Nobel International School.Chegou ao Algarve uns meses antes da consulta pública ao Brexit, e a primeira coisa em que reparou foi que os alunos ingleses tinham posições extremadas por causa da saída da União Europeia - a favor e contra. "Às vezes até violentas. Era um retrato daquilo que acontecia no Reino Unido, na verdade.".Então, para contrariar tudo isso, Mike Farrer decidiu fazer debates informais sobre o assunto nos períodos extracurriculares. Os professores monitorizam as conversas, ajudam a informar e a esclarecer. Aquilo que diz não ter acontecido no Reino Unido - uma campanha que informasse as pessoas dos verdadeiros efeitos de uma saída da União Europeia - aplicou ele aos seus alunos..O reitor da Nobel International School do Algarve tem a seu cargo 830 estudantes de 46 nacionalidades, divididos por duas instalações - uma em Lagoa, outra em Lagos..Há aulas desde o pré-escolar até ao 12.º ano, uma parte da escola segue o currículo português, a outra o sistema de Cambridge. "Somos a maior escola internacional não só do Algarve como do sul de Portugal. De longe.".Entre os 450 estrangeiros que aqui têm aulas, 222 têm nacionalidade britânica - quase metade. E é por eles que agora Mike sente maior preocupação. "Vamos poder estudar em universidades europeias?" é uma das perguntas que mais ouve. E, a essa, ele não sabe ainda responder. "Este impasse deixa toda a gente nervosa. Não concordo com o Brexit, nunca votaria a favor dele. Mas, se é para acontecer, então que se resolva de uma vez por todas.".Uma das maiores surpresas que teve foi perceber que a saída do Reino Unido da UE está a traduzir-se em novas admissões. "Nos últimos seis meses tivemos um grande crescimento no número de alunos de nacionalidade britânica. Há famílias jovens que não querem viver nesta Inglaterra e estão a mudar-se para fora." Isso, diz ele, é um balão de oxigénio. "Habituámo-nos à ideia de que esta era a terra para onde se vinha passar a reforma. E agora está a chegar gente nova, com filhos pequenos." Pessoas que trabalham e investem. "Foi a melhor coisa que aconteceu à nossa escola", conclui Mike.."Enquanto não houver uma decisão ninguém vai querer investir".Robert EdwardsAgente imobiliário.Pode explicar-se a chegada de ingleses ao Algarve em várias vagas, e Robert Edwards, 53 anos, assistiu a todas. Estabeleceu-se definitivamente em Albufeira em 1988, mas desde o final dos anos 1960, miúdo, que viajava para cá. "O meu avô mudou-se para Portugal quando ainda eu ainda era uma criança de colo e eu passava aqui as férias todas.".Nos primeiros anos vinham as celebridades, depois da Revolução dos Cravos começaram a chegar as famílias de classe média. "O meu avô, quando veio para cá, abriu a primeira agência imobiliária de Albufeira. Na altura era apenas uma aldeia, hoje é a cidade apertada que conhecemos.".A agência chama-se Cerro Novo e é especializada em grandes propriedades - uns poucos apartamentos, mas sobretudo quintas em zonas mais isoladas. "Quase metade da clientela é britânica. Quando o Reino Unido votou pelo Brexit, em junho de 2016, tivemos um aumento muito significativo de gente que vinha das ilhas para aqui comprar propriedades.".Robert viaja meia dúzia de vezes por ano para o seu país, vai a feiras de imobiliário apresentar as suas casas e sentia que havia muitos cidadãos que queriam estabelecer-se na Europa. "Não faltava gente a vender as suas casas em Inglaterra para comprar propriedades noutros países. Portugal é atrativo e tem o tratado mais antigo do mundo connosco. Nessa altura estávamos a vender às centenas.".Há uns meses, no entanto, tudo parou. No último ano, aliás, o Cerro Novo não colocou no mercado mais de 55 propriedades. "E isso tem uma relação direta com a indefinição sobre o futuro. Este limbo de não sabermos se saímos a bem, se saímos a mal ou se fazemos um novo referendo e ficamos na UE, leva a que ninguém arrisque tomar decisões. E de uma coisa estou certo: enquanto não houver uma decisão sobre o Brexit, ninguém vai querer investir.".Robert está aliviado de viver fora, acha que o Brexit é muito pior para quem está no Reino Unido do que para os milhares que já saíram. Mas prejudica toda a gente. "A imagem que eu tenho é de um troço de uma ponte que ruiu, de um comboio que continua a aproximar-se e está cada vez mais perto do abismo."."Com a libra fraca, já não compensa à minha geração vir para Portugal".James CaveFundador do Algarve Digital Nomads."Está tudo a mudar-se para a Tailândia", diz James Cave, 32 anos. Trabalha em publicidade digital e há dois anos fundou o Algarve Digital Nomads, uma página de Facebook para pessoas como ele - com empregos tecnológicos e que trabalham em qualquer parte do mundo..A conversa, no entanto, decorre no bairro da Graça, em Lisboa, e há um bom motivo para isso acontecer. "É que as empresas com que trabalho pagam-me em libras, e a desvalorização da moeda face ao euro desde que o Brexit ganhou faz que seja virtualmente impossível manter o mesmo estilo de vida quando se recebe das empresas britânicas.".É por isso que se mudou para Lisboa. Ao ver-se encurralado, decidiu criar um blogue para estrangeiros que vivem no país, o Portugalist. Agora consegue patrocínios com empresas locais, que pagam em euros. Ele preferia o Algarve, aliás, tem lá os pais a viver. Mas é em Lisboa que está a ação - e os patrocinadores.."Nos primeiros posts no blogue escrevi essencialmente sobre bolos." Quando um estrangeiro entra numa pastelaria, não conhece nada do que está exposto numa montra, e ele traçou o perfil a mais de 30 espécimes da nacional-doçaria. "De há uns meses para cá, no entanto, falo essencialmente sobre o Brexit. Pedem-me ajuda para perceber o que está a acontecer e eu tento ajudar.".James diz que a nova geração digital entusiasmou-se com Portugal nos últimos anos, mas pelo menos para os britânicos isso está a mudar. "Recebemos dinheiro do país de origem e, quando a libra estava forte, isso chegava - agora já não. Já não compensa à minha geração vir para Portugal. Muita gente que conheço está a mudar-se para o Sudeste Asiático. Também há boa cobertura de internet e a vida é bem mais barata.".James é metade inglês e metade irlandês, não são tanto as questões de mobilidade que o preocupam. "Aquilo que me deixa danado é a possibilidade de haver um backstop que permita fechar a fronteira da Irlanda com a Irlanda do Norte. A paz na ilha ainda é frágil, é um bebé." E demora menos de nada a destruir.