A construção de uma Europa unida como espaço de paz, liberdade, justiça e prosperidade sustentável foi o maior projeto político da geração a que pertenço. É impossível não confessar a imensa tristeza que me invade ao observar mês após mês, ano após ano, como se caminha para aquele grau de exaustão e fadiga que faz pressentir a dissolução final. O que une, hoje, a Europa é a mais elementar pulsão de vida, o instinto de autossobrevivência. Não dos seus governantes, mas dos seus mais humildes cidadãos. O tumultuoso Brexit mostra bem como é difícil, mesmo para um grande país com soberania monetária, descoser as malhas urdidas ao longo de tantas décadas. Agora imagine-se a tragédia que seria o colapso da união monetária para os 19 países que dela participam. A zona euro sofreria um empobrecimento e uma destruição de riqueza exponenciais, como se uma guerra invisível, sem mortos nem ruínas, nos tivesse atingido. Estamos nisto há dez anos. Os atos políticos levados a cabo desde 2008, nada mudaram na gravidade dos problemas, apenas adiaram o desfecho previsível. Existe uma alternativa minimalista ao colapso. Implicaria uma negociação realista baseada nos interesses materiais concretos dos Estados, como aqueles casais que coabitam, mesmo depois do divórcio, para nenhum deles ter de ir morar na rua. A prioridade seria uma mudança das regras absurdas do tratado orçamental, que transformam, por exemplo, os 2,8% da derrapagem orçamental francesa prevista para 2019 numa coisa esplêndida, e os 2,4% solicitados pelo governo de Roma num pecado mortal! Contudo, os mesmos patéticos dirigentes políticos dos grandes países europeus que economizaram nos atos potencialmente redentores do projeto europeu, não nos poupam à sua retórica. A evocação do primeiro centenário do fim da I Guerra Mundial ultrapassou os limites do aceitável.. A chanceler Merkel, pressentindo a noite em que está prestes a mergulhar, tem falado profusamente por todo o lado. Mas ninguém ultrapassou mais o razoável do que Macron. Numa entrevista à rádio Europe 1, o jovem presidente gaulês roçou a indecência ao afirmar que a Europa precisa de uma defesa própria para "nos protegermos em relação à China, à Rússia e mesmo aos EUA". Já sabíamos da síndrome gaullista de Macron, mas isto ultrapassa todas as marcas. Mesmo em relação à Rússia, o medo de Putin não deveria fazer esquecer que em 24 de junho de 1812 e em 22 de junho de 1941 foram, respetivamente, os exércitos francês e alemão a invadir a Rússia, e não o contrário..A referência ao perigo bélico dos EUA é insultuosa. Evoca a resposta que De Gaulle não deu em 1966 ao secretário de Estado Dean Rusk, quando este, por ordem de Lyndon Johnson, perguntou ao presidente francês se a retirada de França das tropas de Washington, devido à saída de Paris do dispositivo militar da NATO, incluía os 60 mil soldados norte-americanos enterrados no país, sacrificados por duas vezes para garantir a independência e liberdade francesas. A defesa comum, que Macron agora reclama, só não existe porque o Parlamento francês abortou em 1954 o projeto, fortemente apoiado pelos EUA, de uma Comunidade Europeia de Defesa. Desta vez, os tweets de Trump estão cobertos de razão. Só espero que Portugal tenha juízo para perceber que esta bizarra Europa de Macron e Merkel não é a causa nobre que arriscámos abraçar em 1986, antes se assemelhando a uma alucinada tentativa de restauração do império carolíngio..Professor universitário