O tratamento israelita que promete revolucionar o combate à covid-19
Nadir Arber vai avisando, durante a conversa, que "é preciso manter alguma humildade" enquanto se esperam ensaios clínicos adicionais, mas o entusiasmo é indisfarçável perante os primeiros resultados demonstrados pelo tratamento inovador criado pela equipa deste professor e médico israelita do hospital Ichilov, em Telavive.
Não se trata de "uma cura para a covid-19" nem de um substituto das "imprescindíveis vacinas", mas pode ser um passo essencial para "virar o jogo" nesta luta contra o vírus e baixar drasticamente a mortalidade nos casos mais graves da doença.
O entusiasmo com que a descoberta foi anunciada ao mundo baseia-se em números: até agora, na primeira fase de ensaios clínicos, 35 doentes (entre os 37 e os 77 anos) com sintomas moderados a graves de covid-19 foram tratados com o EXO-CD24, o medicamento criado pela equipa liderada por Nadir Arber. E "quase todos recuperaram entre três e cinco dias após o início do tratamento - exceto um, que recuperou mais tarde", refere o investigador israelita, numa conversa promovida por videoconferência com alguns órgãos de comunicação social de todo o mundo, entre os quais o DN.
O EXO-CD24 combina dois elementos com que a equipa já estava habituada a trabalhar há vários anos, no âmbito da investigação em cancro: a proteína CD24, que "permite regular a resposta do sistema imunitário"; e os exossomas, "nanovesículas excretadas pelas células e que vão estabelecer comunicação intercelular", diz Arber.
O que o EXO-CD24 faz é carregar esses exossomas com proteínas CD24 e encaminhá-los por via nasal (inalação de um spray, uma vez por dia, durante alguns minutos, ao longo de cinco dias) "diretamente ao centro da tempestade: os pulmões", explica Nadir Arber. Ali, essas proteínas vão poder combater aquela que está identificada como "a principal causa daqueles 5% a 7% de casos de covid-19 que evoluem para formas graves da doença". Ou seja, a chamada "tempestade de citoquinas, que ocorre quando o nosso sistema imunitário tem uma resposta excessiva e descontrolada, começando a atacar as células saudáveis".
Sónia Melo, investigadora em cancro no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto, conhece bem o papel e as potencialidades dos dois elementos combinados neste composto israelita. "A CD24 é uma molécula muito importante porque consegue controlar a resposta do sistema imunitário. Mas a grande inovação apresentada aqui é a forma como ela é administrada", refere ao DN, sobre o método de administração localizada criado pela equipa israelita.
E explica: "Uma coisa é a administração sistémica, por via intravenosa, ou oral, que pode espalhar-se por vários órgãos e provocar vários efeitos colaterais indesejados; outra coisa é uma administração in loco, que é o que acontece aqui. É quase uma aplicação tópica, é uma entrega direcionada ao local, neste caso os pulmões, através desses exossomas dados por via nasal." Assim, os exossomas são "uma espécie de estafetas" que vão entregar as proteínas CD24 diretamente "nos tecidos pulmonares atacados pela infeção, permitindo diminuir em muito a inflamação e a gravidade da reação".
Numa altura em que o mundo acompanha com grande expectativa a aplicação dos planos de vacinação, o desenvolvimento de medicamentos que possam tratar de forma eficaz os sintomas é uma outra via que "não deve ser descurada" no plano de combate à covid-19. "São um complemento importante às vacinas", nota Sónia Melo.
"A vacina ataca a fonte do problema; o tratamento ataca os sintomas. Não vai eliminar o vírus nem diminuir a sua capacidade replicativa, mas pode ser uma solução muito eficaz no tratamento da sintomatologia, no controlo da doença."
Nadir Arber também sublinha que a resposta ao novo coronavírus deve ser uma resposta integrada. Em Israel, o país do mundo mais avançado no plano de vacinação, as taxas de internamento e mortalidade têm decaído consideravelmente e a abertura da economia já tem horizonte próximo. "Temos cerca de metade da população já imunizada. As vacinas funcionam", diz.
Mas também relembra as incertezas quanto à duração e ao grau de eficácia dessa imunidade, dúvidas reforçadas pelo surgimento de novas variantes do vírus mais agressivas. E poder ter um "medicamento que atue nas inflamações mais severas" é um "trunfo que pode virar o jogo não só no combate contra a covid, como eventualmente noutras doenças respiratórias, infeções ou doenças autoimunes".
Para validar o entusiasmo em relação ao EXO-CD24 falta no entanto cumprir alguns passos, reconhece Nadir Arber. Como "passar para os ensaios de fase 2 e 3", com amostras mais alargadas de pacientes, e "integrar um grupo de placebo [doentes a quem é dada uma substância inerte]", para avaliar "com mais rigor a eficácia do tratamento".
O que não impede o mundo de olhar com redobrado interesse para os resultados já conhecidos. Isso e o facto de ser "um composto barato e fácil de produzir". "O interesse tem chegado praticamente de todo o mundo", reconhece o investigador israelita.
Texto originalmente publicado no DN a 18 de fevereiro de 2021