Idlib: 900 mil sírios fogem da batalha pelo último reduto rebelde

O número de deslocados é avançado pelas Nações Unidas, que lembra que a maioria são mulheres e crianças que enfrentam temperaturas negativas, os campos a abarrotar e a fronteira com a Turquia fechada.
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A batalha pelo controlo do último reduto dos rebeldes sírios no norte do país está a causar uma crise humanitária sem precedentes, com 900 mil pessoas a serem obrigadas a fugir dos combates desde o início de dezembro, segundo as Nações Unidas. Russos e turcos, que combatem em lados diferentes na guerra civil na Síria, estão reunidos em Moscovo à procura de uma forma de pôr fim à escalada da violência, com Ancara a ameaçar com uma ofensiva completa.

"A crise no noroeste da Síria alcançou um novo nível terrível", disse nesta segunda-feira o responsável pelos Assuntos Humanitários e pela Ajuda de Emergência das Nações Unidas, Mark Lowcock. Os deslocados são na sua maioria mulheres e crianças que estão "traumatizadas e são forçadas a dormir ao relento em temperaturas negativas porque os campos estão cheios. As mães queimam plástico para manter os filhos quentes. Os bebés e as crianças pequenas estão a morrer por causa do frio", denunciou.

As forças governamentais de Bashar al-Assad, apoiadas pelos russos e pelos iranianos, têm vindo a conquistar terreno controlado pelos rebeldes e pelos aliados turcos, graças aos ataques aéreos que deixam as cidades vazias antes da chegada dos veículos blindados e das tropas. O objetivo era controlar a autoestrada M5, que liga Aleppo a Damasco e atravessa a província de Idlib, e afastar definitivamente os últimos rebeldes.

O presidente sírio reiterou que "a batalha pela libertação da província de Aleppo e Idlib continua, independentemente do ar quente vindo do norte", referindo-se às ameaças da Turquia. Os turcos, que mantêm a fronteira fechada, têm algumas forças no terreno em confronto com o exército sírio, mas o presidente Recep Tayyip Erdogan ameaça com uma intervenção militar total caso a ofensiva do governo sírio não acabe.

Em pleno inverno, as populações enfrentam as temperaturas negativas à procura de um local seguro, convergindo primeiro para a cidade de Idlib mas, à medida que a linha da frente se aproxima, procurando refúgio junto à fronteira com a Turquia e nos campos de deslocados que já estão a abarrotar. A Turquia, que já acolhe 3,5 milhões de refugiados sírios, fechou a fronteira e não autoriza a entrada de mais ninguém.

Trump critica "atrocidades"

A comunidade internacional apela ao fim dos combates, sem sucesso. O presidente norte-americano, Donald Trump, pediu aos russos que deixem de apoiar as "atrocidades" do regime sírio e mostrou preocupação com a situação em Idlib, agradecendo ao presidente turco, num telefonema no sábado, pelo seu esforço para "prevenir uma catástrofe humanitária" em Idlib.

Depois de ter quase perdido a guerra - que já vai para o nono ano e causou 500 mil mortos -, Assad recuperou o controlo da maioria do país com o apoio das forças iranianas e, a partir de 2015, da aviação russa. Damasco só não controla parte da região de Idlib, reduto dos últimos rebeldes que têm o apoio da Turquia, além de uma parte do nordeste, que está nas mãos de uma administração curda (que não se opõe a Assad, mas quer independência).

Além disso, Ancara controla um corredor no noroeste, próximo da fronteira, alegando que quer travar a influência dos curdos - que considera terroristas. E há ainda uma zona no sul, em redor da base aérea de Al-Tanf, controlada pelos norte-americanos, que é considerada "zona de desconflito".

Um acordo assinado em setembro de 2018 entre a Rússia, o Irão e a Turquia travou o avanço do regime de Assad em Idlib até à primavera passada. Os turcos, que apoiam muitos dos grupos que se opõem ao presidente sírio, tinham prometido separar os opositores que apoiam os islamitas ligados à Al-Qaeda. Se conseguissem afastá-los das bases russas, Moscovo prometia manter Damasco sob rédea firme. Mas o acordo falhou em abril de 2019 e desde então já houve várias tentativas de cessar-fogo, sem sucesso.

Damasco alega que foi agora forçada a agir de forma mais decisiva porque a milícia extremista Hayat Tahrir al-Sham, que esteve ligada à Al-Qaeda, estava a controlar uma vasta zona da região. No seu ponto de vista, a ofensiva destina-se a erradicar os "terroristas", mas o problema é que muitos dos alvos que têm atacado são civis.

Nesta segunda-feira, em Moscovo, turcos e russos começaram a negociar com o objetivo de contribuir para o fim da escalada das tensões na região de Idlib. "Todos os factos estão na mesa. Os representantes militares tanto da Federação Russa como da Turquia, que estão no terreno na Síria, na província de Idlib, examinam as mudanças na situação em contacto constante uns com os outros", disse o chefe da diplomacia russa, Sergey Lavrov, em Munique.

De um milhão para três milhões de habitantes

Nas últimas semanas, os combates intensificaram-se, apesar da condenação internacional, criando uma nova catástrofe humanitária na Síria. Idlib, conquistada em 2015 pelos rebeldes, tornou-se o destino de muitos sírios que procuravam fugir do avanço das forças do regime no resto do país. A região tinha cerca de um milhão de habitantes antes da guerra e chegou a ter mais de três milhões.

Desde 1 de dezembro, segundo as Nações Unidas, 900 mil pessoas (a grande maioria delas mulheres e crianças) tiveram de fugir de casa. Destes, cem mil só na semana passada. Mas, diante do avanço das forças de Assad, os refugiados fogem na direção da fronteira turca, que está fechada.

Neste inverno, têm de enfrentar temperaturas abaixo de zero. "Posso apenas dizer que a situação deles é realmente dramática. Pode imaginar o que é com estas temperaturas geladas, a situação para as famílias, para aquelas mães que tentam alimentar os filhos e os filhos que precisam de andar e estar sempre em movimento", disse a porta-voz do Programa Alimentar Mundial, Elisabeth Byrs.

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