"Fotografar dá a mesma sensação de ser caçador, só que não se mata"
Começou a despertar para a natureza em miúdo, quando caçava com fisgas no Alentejo. Mas foram os golfinhos que o deram a conhecer na fotografia. E é atrás de uma lente que tem corrido meio mundo, a captar imagens de todo o tipo de bichos: chimpanzés, pinguins, hipopótamos, tartarugas... e a fauna do estuário do Sado. Ou não tivesse nascido em Setúbal.
Com as fotos das tartarugas que vão desovar à ilha de Poilão, no arquipélago dos Bijagós, Pedro Narra arrecadou o terceiro prémio na categoria SOS Espécies Ameaçadas - Fotorreportagem na 5.ª edição do concurso Nature Images Awards 2015 - uma série de fotografias sobre o trabalho de conservação das tartarugas-verdes naquele arquipélago da Guiné-Bissau.
Mas há muito mais para contar sobre este autodidata de 44 anos, que ainda jovem colheu lá fora a ideia de criar uma empresa de observação de golfinhos. E assim nasceu a Vertigem Azul, que o levou a conhecer um a um cada roaz-corvineiro do Sado. Há a história de como o estágio em Gestão Hoteleira na Nova Zelândia lhe trocou as voltas ao destino, há história do vulcão do Fogo, há a história da primeira viagem à Guiné que ganhou num concurso e do acidente de viação que teve por lá...
Quando e porque é que começou a fotografar?
Foi sempre uma paixão. Comecei a fotografar profissionalmente depois de ter a Vertigem Azul e gostava de ter um livro sobre os golfinhos do Sado - o que veio a realizar-se em 2007. Antes disso, passava as férias escolares na Amareleja, no Alentejo, com muito calor e com muito frio nas férias do Natal, mas onde montava armadilhas, tinha as fisgas e a pressão de ar. E onde conheci a natureza na sua base mais selvagem.
Começou aí a olhar para a natureza...
Primeiro como caçador recoletor, a montar armadilhas, a montar redes, a fazer o que qualquer miúdo faz no Alentejo. Com a pressão de ar dava uns tiros na passarada. Mais tarde, fui trabalhar um verão em Troia para poder comprar uma máquina fotográfica, porque era um gosto que tinha. Mas sempre na vertente da natureza, da vida selvagem. Depois fiz a escola de hotelaria e quando estava na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto deram-me oportunidade de escolher o estágio e eu escolhi a Nova Zelândia.
Escolheu a Nova Zelândia mais a pensar na fotografia do que na gestão hoteleira?
Não, escolhi pelo país em si, pelo povo maori, os guerreiros, uma curiosidade que eu tinha. Aceitaram-me também nas ilhas da Papua-Nova Guiné, mas sem ordenado, e no hotel da Nova Zelândia, em Rotorua, davam-me todas as benesses, pagavam-me ordenado, tinha alojamento... No fim do estágio pedi para me darem uns dias de férias. Já tinha pensado não regressar à escola e ir para outro sítio do Pacífico... E eles disseram OK, podes ir de férias e quando chegares vamos ver o que podemos fazer na cadeia Sheraton. Telefonei para a escola a dizer quais eram as minhas intenções - fui o primeiro aluno da Escola de Hotelaria do Porto a não completar o curso! - e fui viajar pela Nova Zelândia toda, à boleia. Só paguei o bilhete da travessia de ferry da ilha do norte para o sul. Abriu-se a cabeça toda. E vi pela primeira vez uma empresa de observação de golfinhos.
E pensou fazer o mesmo em Setúbal...
Houve ali um lamiré: nós temos isto à porta de casa, é uma oportunidade de negócio. Quando regressei ao hotel a Rotorua tinha duas propostas de trabalho para a Austrália. Escolhi a cidade mais pequena, Townsville, próxima da barreira de coral, o que me abriu outras perspetivas do que era o turismo de natureza.
A pensar no turismo, não na fotografia?
Com 16 anos tinha trabalhado em Troia e com o dinheiro que ganhei comprei uma Minolta, que levei para a Nova Zelândia e para a Austrália, mas era uma fotografia muito básica. Quando cá cheguei, o curso já estava a decorrer e a escola não me aceitou de volta. Ainda fui fazer um curso de atividades náuticas - havia muito dinheiro da comunidade europeia - e havia a possibilidade de um estágio na Escócia. E esse estágio realizou-se. Mais uma abertura, porque era num centro de atividades náuticas em Combray, onde fazíamos cursos de canoagem, vela, windsurf, barcos a motor. Aqui, sim, já a pensar no negócio e em abrir a empresa com a minha sócia, a Maria João. Em 1998, fundámos a Vertigem Azul.
Na fotografia, os golfinhos foram o início de tudo?
A primeira foto que vendi profissionalmente foi de golfinhos. Foi para a Região de Turismo da Costa Azul, para fazerem uma proteção de para-sol para os carros. Não me lembro quanto pagaram, mas nunca cedi imagens a nível gratuito, por uma questão de princípio.
E porque é que se dedicas à fotografia de natureza, nomeadamente à fauna do estuário do Sado?
Não só à fauna do estuário. Os grandes projetos que tenho feito têm sido a nível nacional, porque dá um grande gozo. Fotografar dá a mesma sensação de ser caçador, só que não se mata, e tenho de estar muito mais perto do que se estivesse com uma espingarda. Posso matar um pardal a 100/200 metros, mas para o fotografar tenho de estar a 10/15 metros. Tenho de arranjar estratagemas na cabeça e depois no campo para me camuflar, para estar mais perto dos animais.
Uma das coisas que sempre me fez confusão é como é que conseguem distinguir os golfinhos, como é que dão um nome a cada um...
Costumo dizer que é como o professor com uma turma nova no primeiro dia de escola, primeiro não os conhece, depois vai aprendendo os nomes. Os golfinhos distinguem-se pelas barbatanas, depois alguns têm particularidades, como manchas. Sabemos que aquele golfinho é a Serrote, o Raiz vê-se ao longe porque já é muito velho, a pele é esbranquiçada... Se passarmos muito tempo com eles, vamos ver que há diferenças.
Acaba por criar relação com esses bichos?
Não há contacto porque estão no meio aquático e é proibido nadar com eles ou alimentá-los. Não é a mesma coisa que com os animais terrestres. Se calhar, conhecemo-nos mutuamente, mas cada um nas suas vidas.
Tem agora patente a exposição Estuário.
Em 2007, fiz o livro Os Golfinhos do Sado em coautoria com a Maria João e quando estava a acabar - estou simultaneamente em dois projetos - comecei o projeto Estuário. Demorou sete anos a realizar. Na altura, ainda vivia em Troia e para mim era mais prático começar a fotografar o estuário do que outro sítio qualquer. Saía de casa e passados 10/15 minutos tinha sempre um elemento para começar a fotografar.
Surgiam-lhe à frente...
Primeiro foi complicado, porque queria fotografar tudo e quem quer fotografar tudo não faz nada. À medida que o tempo foi passando, comecei a estruturar por espécies, por temas, por estações, para me poder organizar. O que não conseguia deixava para o próximo ano, mas já tinha o trabalho de casa feito.
Esta exposição, mais do que mostrar a beleza do estuário, pretende alertar consciências para as ameaças dos ecossistemas.
Neste momento, está em curso um dos maiores atentados que o rio Sado pode ter sofrido, que são as dragagens. Muitas pessoas não percebem a importância do estuário nem sabem a quantidade de biodiversidade que aqui existe. Passam ao lado das coisas sem as ver.
Ainda não despertaram para a ameaça? O que é que se pode fazer?
Os tribunais deviam funcionar. Há uma providência cautelar, mas há muitas que foram recusadas. Deviam estar mais atentos ao que se está a passar, aos estudos de impacto ambiental. Considero que a Agência Portuguesa do Ambiente é um acessório ao serviço do Estado. A autarquia também teve um papel muito determinante na aceitação do projeto das dragagens, o que não se compreende. Os políticos fazem da natureza uma bandeira. Em Portugal estão com medo porque o PAN está a crescer, atiram palavras como bandeiras azuis, defesa do ambiente, mas, nas grandes questões do ambiente, os poderes e a economia passam à frente de tudo. As pessoas ainda não perceberam que é o ambiente a verdadeira economia.
Isso é da parte das instituições. E o cidadão comum, o que pode fazer?
Isto pode chocar muita gente, mas acho que as pessoas têm de ser mais enérgicas. Devem manifestar-se de uma forma mais aguerrida do que uma simples manifestação. Porque, hoje em dia, para os políticos uma manifestação é uma brincadeira.
Defende ações mais musculadas, como algumas do Green Peace?
Ações mais musculadas. E temos de lá estar todos. Não quero ser um mártir nesta guerra, esta é uma luta que é de todos. O cancro é de todos, não é só de um ou dois. Vêm com aquela coisa "são os ambientalistas", mas isso é um rótulo que a comunicação social e os políticos usam para determinar um certo grupo, porque ambientalistas somos todos. Não sou ambientalista, sou uma pessoa preocupada com o ambiente, sobretudo na região onde vivo. Com um estudo sério, isto nunca poderia avançar. Esta zona já deveria estar classificada como rede Natura 2000 e só não está para os projetos irem para a frente.
As dragagens podem mesmo afastar os golfinhos?
Não se sabe. E, como ninguém sabe, não se mexe. Há metais pesados que estão no fundo do rio de anos e anos da indústria e dos esgotos da celulose e da cidade, está tudo lá em baixo. Ninguém sabe o que poderá acontecer. Temos uma das maiores pradarias marinhas. Isto é um estuário, uma zona de grande biodiversidade onde as espécies se alimentam e vêm reproduzir-se. Devia ser das zonas mais protegidas. Outra coisa que não faz sentido é que foram investidos milhões de euros no porto de Sines e ao mesmo tempo quer-se continuar este projeto. Quando há um porto de águas profundas a meia dúzia de milhas porque é que se vai rebentar com uma região que estava a crescer turisticamente saudável?
E se correr mal?
Se um navio tiver aqui um derrame, quantos anos Setúbal vai levar a desenvolver-se? 10/15 anos, como foi com o Prestige? E a restauração? As pessoas pensam que somos só que estamos contra porque temos a empresa de observação de golfinhos. Não, as pessoas da restauração não estão mobilizadas e ainda não perceberem o impacto que isto pode ter se der para o torto. E, nesse caso, é a restauração, a pesca, o imobiliário, é tudo. São postos de trabalho que acabam e pessoas que ficam no desemprego. E depois de quem é a responsabilidade? Se os políticos dissessem 'OK, não há problema' e depois assumissem criminalmente... Não é assumir politicamente, como na queda da ponte de Entre-os-Rios. Tem de haver mais, porque é fácil para um político sair e depois ir para outro cargo. Tem de haver responsabilidades criminais, porque são pessoas, famílias inteiras, que ficam sem trabalho. Se os tribunais garantissem que "sim, senhor, assinam os estudos de impacto ambiental, mas se correr mal são responsabilizados", deixavam-nos a todos com garantias.
Voltando à fotografia. Como é o processo para fotografar, por exemplo, um pássaro. Já disse que se camuflava...
Depende do tipo de fotografia e da espécie. Se forem aves aquáticas, tenho abrigos aquáticos, uma tenda, onde estou com o corpo meio dentro de água, e depois vou dando às barbatanas e a tenda vai-se movendo. O material fotográfico está assente na parte que flutua.
Isso exige muita paciência, muito investimento.
Há dias em que não consigo fazer nada, em que não tenho sorte. Noutros faço, mas não é a fotografia que eu queria, ou porque a luz não está boa ou porque houve um comportamento que acho que não está bom. E tenho de regressar. Foi por isso que este trabalho demorou sete anos.
E como é que define as espécies que vai fotografar? Alguém o ajuda com as espécies ou faz o trabalho de casa sozinho?
Sou eu que faço o trabalho. Neste projeto, queria fotografar as espécies mais emblemáticas do estuário. Sabia que existem 200 e tal espécies, mas era impossível fotografá-las todas, nem era esse o objetivo. Queria fotografar aquelas que me despertam mais curiosidade, ao nível da beleza e do comportamento. Estudo o comportamento, sei que vão estar em açudes, em acasalamento... Às vezes, tenho de falar com agricultores ou biólogos para saber onde estão os animais. Se calhar, 50 ou 60 por cento do trabalho foi sem máquina, fui para o campo de binóculos. Tenho depois de arranjar estratagemas, abrigos, camuflagens, disparadores automáticos...
E já tem quase um curso de biologia.
Há comportamentos que o fotógrafo consegue captar e que são muito importantes para a ciência. O biólogo tem um trabalho que é o estudo, nós, a fotografia, e as duas complementam-se.
Sempre com uma mensagem de consciência ecológica?
E também artística. Porque não fotografo só para dizer que tenho esta ave, também quero transmitir beleza artística.
Quando é que começou a publicar na National Geographic?
O primeiro artigo também foi sobre os golfinhos do Sado, em 2000-2001. Sou agenciado em Londres por uma agência de imagens.
E o que é o projeto "Selvagem"?
Esse projeto é sobre plantas, mas ainda não está totalmente desenvolvido. É sobre plantas do estuário do Sado, da Arrábida e é mais artístico, não tão de vida selvagem. São plantas que às vezes andam ao pé de nós, nos passeios, entre as pedras. Dei-lhes o destaque, a beleza, que achei que lhes devia dar. A base é para ser um livro e uma exposição que gostava de fazer de maneira diferente do que fiz até agora.
Primeiro foi o curso que o levou por esse mundo fora. E a fotografia levou-o a África, à Ásia, à Antártida.
Às vezes, vou de férias e faço um misto de lazer e trabalho, não para projetos que tenho em mente, mas que servem para o banco de imagens da agência. Quase sempre escolho destinos de natureza.
Mas o projeto que lhe deu o prémio não foi uma viagem turística.
Não, nessa altura já estava quase a acabar o projeto Estuário e já tinha feito o dos golfinhos. Não me apetecia fazer mais nada em Portugal, não me ocorria nada. E a Guiné é uma história muito interessante, porque fui lá a primeira vez há cerca de 18 anos. Já tinha a Vertigem. Antes disso, tinha umas amigas cujos pais iam à Guiné com frequência e ouvia-as sempre falar dos Bijagós. Eu também gosto muito de povos e os bijagós ficaram-me na cabeça. E havia as tartarugas, "vimos as tartarugas!". Aquilo ficou-me sempre na cabeça! Até que numa feira de turismo de Lisboa, num concurso de tômbolas, saiu-me uma viagem à Guiné.
Sorte...
É o destino. Fui com mais duas pessoas para tentar ver as tartarugas, fomos de piroga para os Bijagós. Conhecemos lá o diretor do parque e fomos a umas ilhas onde não conheciam brancos e os miúdos mexiam-nos na pele e nos pelos dos braços. Foi uma coisa do outro mundo! Tentámos ir à ilha das tartarugas, que é uma ilha sagrada para os bijagós, Pilão, tivemos autorização, mas já estávamos fora da época das tartarugas... Montámos o acampamento, passámos lá a noite, de manhã vimos um rato mas não vimos a tartaruga. Viemos para o continente, não tínhamos nada para fazer e soubemos que havia uns chimpanzés no sul, próximo da Guiné-Conacri, e convencemos a levarem-nos com um motorista a Cantanhez. No regresso, o motorista deixou-se dormir e tivemos um acidente brutal. Uma pessoa ficou em estado um pouco grave, foi operada, eu fiz uns cortes na perna, na cabeça... O percurso até chegar a Bissau ainda demorou umas sete horas, mas fomos bem tratados.
Acabou aí a viagem...
Passados dois dias vínhamos para Portugal. Aquilo ficou-me sempre na cabeça. Quando estava a finalizar o trabalho Estuário, comecei a pensar onde vou, onde é que não vou e disse 'vou às tartarugas a Poilão'. Contactei o instituto de conservação da natureza da Guiné, que me deu o apoio logístico, mas depois apercebi-me de que havia muito mais do que tartarugas. Nesse ano, voltei outra vez. Fui várias vezes. E à medida que ia trabalhando ia apresentado fotos à National Geographic, que ainda publicou dois trabalhos sobre a Guiné.
Ao todo, quanto tempo esteve na Guiné?
Desde 2015 que ando a fotografar a Guiné. Fui lá duas, três vezes por ano. Acompanhei o processo todo das tartarugas, a desova, o nascimento, a morte...
Como é que se adaptou à rotina delas?
A primeira vez que lá fui foi violento, porque não estava habituado ao calor e pensava que a água não chegava. Nunca bebo muita água, mas nos primeiros dias bebi imensa. A ilha é desabitada e temos de levar todos os nossos víveres. Bebia quatro/cinco litros por dia, mas depois o corpo habituou-se e ainda me sobraram duas ou três garrafas de água. As tartarugas vêm à noite e passava noites inteiras a acompanhá-las.
Duro mas único...
Experiências únicas porque cheguei a ir na época da transição para apanhar tudo - as tartarugas a irem à praia e as pequeninas que já tinham nascido das que tinham desovado havia dois meses. Fiz isso tudo. Fui ver as grandes concentrações, que é uma altura em que chega a haver 1200 tartarugas numa extensão de 1,5 km de praia. Tinha de me desviar para elas passarem, tinha de levantar a tenda para as pequeninas passarem para irem para o mar. Na Guiné há a maior concentração de tartarugas-verdes a desovar de toda a África Ocidental e a segunda maior do planeta.
Pode registar com a máquina mas a sensação...
A máquina não regista tudo. São experiências únicas. Eu não dormia com os meus colegas porque montava a tenda na praia para de manhã fotografar os abutres das palmeiras a comerem as pequeninas que não tinham conseguido chegar ao mar. Mal o sol nascia, os abutres preparavam-se para comer as tartarugas bebés.
E depois vem o prémio, que é o coroar desse empenho.
Foi na categoria de conservação das espécies e sobre os programas que o governo está a fazer para a preservação das espécies. As ilhas são sagradas e os bijagós eram um povo animista, mas agora essa cultura está a desaparecer, já entraram outras culturas e religiões. Ao aperceber-me dessa transformação, nas últimas duas vezes que lá fui não fotografei a natureza mas fotografei as pessoas. Porque está mais em vias de extinção a cultura e as práticas bijagós do que a natureza.
Nestas viagens todas, o que mais o marcou: os bichos ou as pessoas?
Quando viajo para fotografar vou para os bichos. Depois encontro sempre pessoas interessantes, da mesma área, investigadores e pessoas locais.
Nalguns casos, indígenas?
Ou não. Hoje em dia, já não há esse conceito, o indígena está a acabar. Em qualquer lado, os miúdos têm um telemóvel, uma camisa do Benfica ou do Real Madrid. Mesmo nos bijagós. O mundo está descoberto. Não sei se uma tribo ou outra no meio da Amazónia que ainda não foi descoberta, o resto somos todos iguais.
A Amazónia não faz parte dos seus projetos?
Não, gostava mais de ir ao Pantanal. Porque tem mais ou menos a mesma quantidade de biodiversidade e não é floresta tropical, que é muito mais aberta e mais difícil de fotografar.
E fotografar animais já lhe suscitou situações caricatas?
Tenho algumas memórias muito bonitas. Mas há uma que não vou esquecer, que é com os gorilas-das-montanhas, no Ruanda. Já lá fui duas vezes, e também ao Uganda, para fotografar os gorilas. E uma vez estava à frente do meu grupo e sabia que não havia humanos à minha frente ou atrás, o guia tinha-me metido um bocadinho à parte - as regras lá são muito restritas, não se pode estar mais de meia hora com os animais, não se pode aproximar mais de sete metros dos animais...
São santuários...
São parque naturais, mas muito organizados. Quando se fala no Ruanda, as pessoas só pensam na guerra, no genocídio. Não, não! Muito mais limpo do que Portugal. O presidente da República, uma vez por mês vai a uma região para participar na limpeza das ruas e sensibilizar as populações. Ele teve um papel muito importante na reconciliação entre os tutsis e os hutus. É seguríssimo, sai à noite.
Mas estava a contar sobre a ida ao parque natural...
Estava a fotografar e senti alguém a tocar-me no braço. Pensei que fosse o guia a dizer "já chega de fotografar" e não liguei. E era um gorila juvenil a tocar-me. E desse toque não me vou esquecer. São iguais a nós, partilham 99 por cento do nosso ADN. Esse momento foi único. Ficámos a olhar um para o outro e depois ele foi-se embora, mas o olhar dos bichos é espetacular.
E sustos?
Se apanhei, não me lembro. Na Guiné, do que mais tenho medo é das cobras, porque as espécies que existem são muito venenosas. Muitas vezes, quando montava abrigos, ao tirar a palha encontrava algumas cobras. Tinha sempre o cuidado de limpar a zona à volta e bater com os ramos para fazer movimento e os bichos não se aproximarem. Sei que uma picada daquele bicho era o fim do projeto e o fim da vida.
Fotografou pessoas na Guiné, mas não vai fotografar mais pessoas?
Não, não tenho nenhum projeto. Mesmo na Tailândia, vi as mulheres com os colares e achei aquilo um jardim zoológico de humanos, que não tenho prazer nenhum em fotografar. Na Guiné fotografei, mas com a intenção de voltar aos tempos antigos. Levei um estúdio e dizia para se vestirem como há 20, 30 anos, com as saias, com o peito à mostra... Foi coordenado com outras organizações. Acho que não tenho jeito para fotografar pessoas.
Quando vai para essas viagens há uma série de organizações envolvidas?
Umas vezes sim, outras vezes não. Por exemplo, um trabalho espetacular que fiz e depois foi publicado na National Geographic foi a erupção do vulcão do Fogo, em Cabo Verde. Nunca tinha visto um vulcão. Estava em casa, num fim de semana, e vi a notícia da erupção. Falei com uns biólogos e investigadores para perceber se podia durar ou não, diziam-me que era imprevisível. E há um dia em que decido: amanhã vou. Fiz a mala e em dez minutos estava pronto para ir.
Outra experiência espetacular.
Assisti a uma coisa única. Já tínhamos fotografado o vulcão ao longe com uma equipa que estava coordenar e a meter antenas para medir a atividade sísmica da terra, mas faltava-me estar mais perto. Dois dias antes de me vir embora falei com Zé António, que trabalhava no Ministério do Ambiente, e perguntei-lhe se não havia oportunidade de irmos ver mais de perto. E fomos antes de o sol nascer. Começámos a caminhar, a caminhar, até onde pudemos... O rio de lava estava a um metro de nós. Vimos o rio de lava a correr, pensámos que o vulcão ia comer a aldeia e percebemos que era o fim... E assim foi. Andámos uma hora para o carro, mais duas horas para voltar. Quando chegámos já a lava estava a chegar à aldeia, que estava a ser evacuada. Passadas 24 horas, as aldeias ficaram soterradas com a lava. Fomos os únicos a ir à frente da lava, nem os investigadores. Nós vimos aquilo!
Elege alguma das fotos que tirou?
Não. Fico sempre cansado quando estou a preparar o fim do projeto - a seleção das imagens, voltar a selecionar, a paginar, e voltar a paginar e ver provas... E às vezes fico cansado. Quero acabar e passar para outro. É claro que tenho orgulho no que fiz.
E o que é que lhe falta fotografar?
Gostava muito de ir ao Ártico ver os narvais e as belugas, mamíferos marinhos, gostava muito de ir à Antártida do lado da Nova Zelândia para ver os pinguins-imperadores, gostava de ver os ursos-polares, que acho que vai ser a próxima espécie em vias de extinção, porque está condenada pelo aquecimento global. Gostava de ver tudo, claro. Gostava de fazer a grande migração dos gnus de África, da travessia do Masai Mara.