Conselhos para que os miúdos não fiquem à beira de um ataque de nervos (nem os pais)
Depois de seis meses em casa, muitas rotinas terão desaparecido e os horários de comer e deitar ficaram desregulados. Como fazer para que voltem à rotina?
Como em qualquer início de ano, ajustando gradualmente os horários, com a consciência de que este ano pode ser um pouco mais desafiante pelo tempo que ficaram em casa e pela necessária adaptação à mudança, que poderá trazer um desequilíbrio inicial.
Por que é tão importante a rotina para uma boa saúde mental de crianças e adolescentes?
As rotinas são importantes porque trazem organização, e isso é crucial para a regulação emocional, comportamental, cognitiva, fisiológica, mas também é essencial que haja alguma flexibilidade e capacidade de adaptação. A realidade tem limites, mas também tem mudanças, e esta pandemia é prova disso, como tal temos de ter capacidade de nos adaptarmos e de reagirmos à adversidade.
O sono é também fundamental para o bem-estar psicológico dos miúdos. Quantas horas devem dormir por dia?
O sono é de extrema importância para o desenvolvimento e o bem-estar em geral, mas particularmente relevante para a regulação emocional e atencional. O número de horas de sono depende da idade da criança e do seu próprio ritmo, mas recomenda-se, por exemplo, que entre os 6 e os 12 anos se durma entre nove e 11 horas.
É mais importante o número de horas de sono ou a regularidade dos horários?
Na infância conta a quantidade e a qualidade, por isso é essencial o número de horas de sono, mas também a regularidade dos horários. Para algumas crianças, o facto de os pais estarem em teletrabalho poderá ser uma vantagem por permitir uma rotina menos acelerada e que roubava horas de sono às crianças por causa do tempo de deslocação. Algumas acordavam demasiado cedo e deitavam-se muito tarde, o que tem um impacto ao nível do comportamento, com maior agitação, irritabilidade, birras, mas também da concentração.
Destaquedestaque"As tecnologias permitiram manter o contacto social nestes últimos meses, agora é tempo de contrariar o carácter virtual das relações e o sedentarismo, pondo o corpo a mexer e aproveitando as oportunidades para contactos sociais protegidos."
Os telemóveis e os tablets passaram a ser uma extensão ainda maior dos nossos miúdos, que durante estes meses, além das aulas à distância, estiveram sempre ligados para comunicar com os amigos, ver filmes e jogar. Que limites é importante estabelecer?
Para impor limites às tecnologias é importante que o adulto esteja disponível para promover alternativas, o que não aconteceu durante este tempo porque a maioria dos pais estava em casa em teletrabalho, portanto indisponíveis, por isso tiveram mesmo de recorrer às tecnologias. À medida que às rotinas se vão restabelecendo e as crianças vão estando mais ocupadas, o recurso ao babysitting tecnológico será menos necessário e benéfico. Os limites serão idênticos aos que se usam quando diferenciamos o que se pode ou não fazer durante o período escolar e as férias. A Organização Mundial da Saúde recomenda um máximo de duas horas por dia de exposição sedentária aos ecrãs na idade escolar, e é importante que esta exposição não ocorra nas duas horas antes de deitar, uma vez que a luz interfere nos padrões e na qualidade do sono. Ecrãs à hora da refeição e na cama não são recomendáveis. O adulto é um importante modelo. Se estivermos sempre agarrados ao telemóvel, ao tablet ou à televisão, será difícil explicar à criança que isso não é bom.
Como encontrar um equilíbrio no uso das tecnologias, e até que ponto estas são uma ameaça, ou não, à saúde mental de crianças e adolescentes?
As tecnologias são um grande ganho na sociedade atual, a ameaça é o uso excessivo que lhes damos, portanto só será uma ameaça se não as soubermos usar. As tecnologias permitiram manter o contacto social nestes últimos meses, agora é tempo de contrariar o carácter virtual das relações e o sedentarismo, pondo o corpo a mexer e aproveitando as oportunidades para contactos sociais protegidos. O perigo das tecnologias é confinar-nos ao isolamento e ao sedentarismo.
Destaquedestaque"A vida não é isenta de riscos, nem podemos controlar tudo, portanto há que pesar os benefícios em relação aos riscos. Mas a maioria das crianças tem uma grande resiliência e uma enorme capacidade de adaptação, além de estarem desejosas do regresso à escola."
Como mitigar a ansiedade que muitos sentirão neste regresso às aulas?
Aceitando que é um ano diferente dos outros, com grande imprevisibilidade e desconhecimento, pelo que é natural que comporte mais ansiedade do que os regressos anteriores. Há que confiar na comunidade educativa e nas medidas da Direção-Geral da Saúde mesmo que algumas pareçam excessivas neste momento e possam vir a merecer um aligeiramento. A vida não é isenta de riscos, nem podemos controlar tudo, portanto há que pesar os benefícios em relação aos riscos. Mas a maioria das crianças tem uma grande resiliência e uma enorme capacidade de adaptação, além de estarem desejosas do regresso à escola, pelo que acho que estas características, aliadas à tranquilidade dos adultos, ajudarão a mitigar a ansiedade.
E como ajudar as crianças a lidar com o medo da pandemia, tão presente com todas as regras que têm de cumprir?
Como disse, de uma forma geral, as crianças são muito resilientes, os seus medos crianças são, na maioria, os medos dos pais, pelo que quanto mais tranquilo estiver o adulto, maior a tranquilidade que irá transmitir à criança. Isto não significa fazer de conta que está tudo bem e que o risco é nulo. É essencial haver partilha e comunicação, para que a criança se sinta também confortável para partilhar as suas inseguranças. É importante explicar-lhes que neste momento estas medidas são necessárias para nos protegermos, para evitarmos ficar doentes, mas que, além das regras, terão a oportunidade de aprender e de estar com os amigos. Deste modo aliviamos o peso dos riscos para recuperar o prazer dos benefícios.
Destaquedestaque"Creio que, a seu tempo, algumas medidas serão aligeiradas e que as escolas terão a criatividade para promoverem maior liberdade de corpo, pensamento e emoção. As crianças precisam de toque e de movimento."
Neste ano, a escola vai ser sobretudo um lugar de estudo, onde há pouco tempo para brincar e conviver. Além disso, as regras e as limitações impostas acarretam uma sobrecarga de responsabilidade nos miúdos. Que consequência poderá ter isto no seu bem-estar psicológico?
Julgo que estas medidas são uma forma cautelosa de o Governo iniciar uma etapa que vai ser uma prova de fogo. O seguro morreu de velho e mais vale prevenir do que remediar. Julgo que as regras e as limitações espelham estes dois provérbios porque o momento assim o exige, até porque não se sabe qual vai ser a evolução, sobretudo no inverno. Mas creio que, a seu tempo, algumas medidas serão aligeiradas e que as escolas terão a criatividade para contrariar este local de estudo e promover maior liberdade de corpo, pensamento e emoção. As crianças precisam de toque e de movimento, não há aprendizagem nem concentração se a criança estiver inibida do seu principal meio de expressão, por isso creio que algumas medidas serão aligeiradas.
É importante que, apesar da pandemia, mantenham as atividades extracurriculares que tinham antes, como desporto, música ou dança?
Se assegurarem condições que diminuam os riscos, sem dúvida. Há que compensar todo o sedentarismo e falta de estímulo que as crianças viveram nos últimos meses, o que não significa sobrecarregá-las com mil e uma atividades como acontecia em alguns casos. As crianças precisam de atividades dirigidas, mas também de brincar livremente.
Destaquedestaque"Coragem e confiança são os conselhos que daria aos pais neste ano letivo diferente."
A que sinais é que os pais devem estar atentos que denunciem stress, ansiedade ou que alguma coisa não está bem?
As crianças comunicam o seu mal-estar essencialmente através do comportamento e do funcionamento fisiológico. Por isso, birras, alterações do comportamento, sejam por maior isolamento, apatia ou agitação e agressividade, choro fácil, alterações do sono e de alimentação, ou queixas somáticas, costumam ser os sinais mais frequentes de que algo não está bem.
Como compensar?
Ouvir a criança e promover o diálogo. "Parece-me que há alguma coisa que não está bem, será que estás triste ou preocupado?" "Sabes, às vezes também não percebo muito bem o que está a acontecer e também tenho medo, mas há pessoas que estão a cuidar para que tudo corra o melhor possível." Comunicar os afetos é um empurrão para que a criança fale do que a incomoda. Se é algo que persiste, os pais devem procurar avaliação psicológica.
Que conselhos essenciais daria aos pais neste regresso às aulas?
Coragem e confiança!