As últimas exortações apostólicas do papa Francisco, Evangelii gaudium, "anúncio do evangelho no mundo atual", e a carta encíclica Fratelli tutti, sobre a "fraternidade e amizade social", fazem recordar antecedentes e a importância da mensagem de Assis de João Paulo II, que nascera em 18 de maio de 1920, num ambiente de excecional orgulho nacional na frequentemente agredida Polónia, que nessa data não previa que mais uma vez o projeto soviético viria a submeter o país a 50 anos de imposição do estatuto de satélite, que apenas terminou com a queda do Muro de Berlim em 1989. No Concílio Vaticano II, o então cardial deixara marca do carisma que o levaria ao pontificado, convicto de que "a verdadeira paz consiste na amizade dos povos e não no equilíbrio de forças". Ao escolher o nome pessoal que o identificaria como papa, lembrou dois papas que mereceram a intervenção da Igreja para responder aos desafios do século, João XXIII e Paulo VI. Defendeu o poder dos que não têm poder, fez mais de centena e meia de viagens apostólicas em que Portugal foi incluído, e 14 encíclicas que ficaram como património de referência para os tempos que se avizinhavam: apelando à paz, lembrando as exclusões, exigindo justiça social, querendo que a sociedade da informação e do saber também seja de sabedoria dos valores, que a dignidade humana seja critério de contenção dos excessos do globalismo económico e um valor inviolável por todas as espécies de poderes..Um dia, D. Manuel Trindade Salgueiro, em Évora, afirmou que aquilo que mais devia desejar um bispo, ao despedir-se do mundo, era que dele dissessem que Cristo passou por aqui. Quando o Vaticano anunciou a morte do santo padre, em 2 de abril de 2005, fez recordar o conceito. No seu legado destaca-se a chamada nova mensagem de Assis. Acrescentou às intervenções de João XXIII e de Paulo VI o apelo dos povos vítimas à proteção dos poderes religiosas. Havia exemplos numerosos: quando a polícia sul-africana, em Isopo, ordenou a uma multidão de mulheres que obedecessem, elas "caíram de joelhos, e começaram a rezar": o cardeal Mindszenty, primaz da Hungria, deixou as memórias dos anos que passou preso, punido fisicamente cada dia, sem ceder, e, tendo sido libertado por uma revolução sem mais êxitos, passou anos longos refugiado na embaixada dos EUA, mas cada noite revelando a sua presença ao povo, fortalecendo a doutrina cristã da resistência; em Timor, a violência da invasão teve voz exterior do apelo vindo do sacerdócio; a constituição pastoral Gaudium et Spes (A Igreja no Mundo Moderno, 1965) de Paulo VI foi recordada como um dos maiores resultados do concílio; no ritual da soberania dos EUA, a invocação do nome de Deus é de regra sempre que as decisões implicam grave responsabilidade. Por tudo, a "nova evangelização", expressão usada por João Paulo II em Ravena em 1986, doutrinava os governos no sentido de retorno de todas as áreas culturais, de todas as crenças, aos valores essenciais da paz. Foi em outubro desse ano que realizou em Assis o encontro destinado a criar o consenso mundial das religiões a favor da paz. Mas a segunda intervenção em Assis, nos dias 9 e 10 de janeiro de 1993, é aquela que representa a mais elevada intervenção de João Paulo II, proclamando a doutrina da paz, tendo como causa evidente a situação do conflito entre os povos da antiga Jugoslávia. Participaram delegações de católicos de 32 países, da diocese de Banja Luka, de Sarajevo e Belgrado, anglicanos, metodistas, luteranos e representantes do hebraísmo e do islamismo. A intervenção da ordem de Assis na paz no norte de Moçambique merece ser registada à parte, incluindo um discurso a que assisti de Mário Soares nesta reunião. Mas é de destacar, neste século difícil, o empenhamento do papa Francisco com Assis, na data em que as inquietações mundiais são chamadas aos valores pela notável intervenção das suas duas exortações apostólicas. É de meditar que, na desorganização da ordem global, sejam tão frequentes as intervenções de crianças a assumir as pregações de um futuro indefinido. Foi a jovem Greta Thunberg a defender o Acordo de Paris sobre o ambiente, criticando severamente os responsáveis pela recusa de responsabilidade; foi a jovem neta de Luther King, falando severamente contra as violências da ordem estadual americana; e é em Assis que a intervenção do papa Francisco acompanha a consagração do muito jovem falecido Carlo Acutis, exemplo de santidade, quando a sua terceira encíclica condena visando formas do egoísmo e da perda de sentido social dos responsáveis adultos, invocando uma suposta defesa de interesses nacionais, mas não a paz e a justiça natural, para enfrentar a crise global em que se encontra o "mundo único" e "terra casa comum dos seres vivos" da utopia da ONU.
As últimas exortações apostólicas do papa Francisco, Evangelii gaudium, "anúncio do evangelho no mundo atual", e a carta encíclica Fratelli tutti, sobre a "fraternidade e amizade social", fazem recordar antecedentes e a importância da mensagem de Assis de João Paulo II, que nascera em 18 de maio de 1920, num ambiente de excecional orgulho nacional na frequentemente agredida Polónia, que nessa data não previa que mais uma vez o projeto soviético viria a submeter o país a 50 anos de imposição do estatuto de satélite, que apenas terminou com a queda do Muro de Berlim em 1989. No Concílio Vaticano II, o então cardial deixara marca do carisma que o levaria ao pontificado, convicto de que "a verdadeira paz consiste na amizade dos povos e não no equilíbrio de forças". Ao escolher o nome pessoal que o identificaria como papa, lembrou dois papas que mereceram a intervenção da Igreja para responder aos desafios do século, João XXIII e Paulo VI. Defendeu o poder dos que não têm poder, fez mais de centena e meia de viagens apostólicas em que Portugal foi incluído, e 14 encíclicas que ficaram como património de referência para os tempos que se avizinhavam: apelando à paz, lembrando as exclusões, exigindo justiça social, querendo que a sociedade da informação e do saber também seja de sabedoria dos valores, que a dignidade humana seja critério de contenção dos excessos do globalismo económico e um valor inviolável por todas as espécies de poderes..Um dia, D. Manuel Trindade Salgueiro, em Évora, afirmou que aquilo que mais devia desejar um bispo, ao despedir-se do mundo, era que dele dissessem que Cristo passou por aqui. Quando o Vaticano anunciou a morte do santo padre, em 2 de abril de 2005, fez recordar o conceito. No seu legado destaca-se a chamada nova mensagem de Assis. Acrescentou às intervenções de João XXIII e de Paulo VI o apelo dos povos vítimas à proteção dos poderes religiosas. Havia exemplos numerosos: quando a polícia sul-africana, em Isopo, ordenou a uma multidão de mulheres que obedecessem, elas "caíram de joelhos, e começaram a rezar": o cardeal Mindszenty, primaz da Hungria, deixou as memórias dos anos que passou preso, punido fisicamente cada dia, sem ceder, e, tendo sido libertado por uma revolução sem mais êxitos, passou anos longos refugiado na embaixada dos EUA, mas cada noite revelando a sua presença ao povo, fortalecendo a doutrina cristã da resistência; em Timor, a violência da invasão teve voz exterior do apelo vindo do sacerdócio; a constituição pastoral Gaudium et Spes (A Igreja no Mundo Moderno, 1965) de Paulo VI foi recordada como um dos maiores resultados do concílio; no ritual da soberania dos EUA, a invocação do nome de Deus é de regra sempre que as decisões implicam grave responsabilidade. Por tudo, a "nova evangelização", expressão usada por João Paulo II em Ravena em 1986, doutrinava os governos no sentido de retorno de todas as áreas culturais, de todas as crenças, aos valores essenciais da paz. Foi em outubro desse ano que realizou em Assis o encontro destinado a criar o consenso mundial das religiões a favor da paz. Mas a segunda intervenção em Assis, nos dias 9 e 10 de janeiro de 1993, é aquela que representa a mais elevada intervenção de João Paulo II, proclamando a doutrina da paz, tendo como causa evidente a situação do conflito entre os povos da antiga Jugoslávia. Participaram delegações de católicos de 32 países, da diocese de Banja Luka, de Sarajevo e Belgrado, anglicanos, metodistas, luteranos e representantes do hebraísmo e do islamismo. A intervenção da ordem de Assis na paz no norte de Moçambique merece ser registada à parte, incluindo um discurso a que assisti de Mário Soares nesta reunião. Mas é de destacar, neste século difícil, o empenhamento do papa Francisco com Assis, na data em que as inquietações mundiais são chamadas aos valores pela notável intervenção das suas duas exortações apostólicas. É de meditar que, na desorganização da ordem global, sejam tão frequentes as intervenções de crianças a assumir as pregações de um futuro indefinido. Foi a jovem Greta Thunberg a defender o Acordo de Paris sobre o ambiente, criticando severamente os responsáveis pela recusa de responsabilidade; foi a jovem neta de Luther King, falando severamente contra as violências da ordem estadual americana; e é em Assis que a intervenção do papa Francisco acompanha a consagração do muito jovem falecido Carlo Acutis, exemplo de santidade, quando a sua terceira encíclica condena visando formas do egoísmo e da perda de sentido social dos responsáveis adultos, invocando uma suposta defesa de interesses nacionais, mas não a paz e a justiça natural, para enfrentar a crise global em que se encontra o "mundo único" e "terra casa comum dos seres vivos" da utopia da ONU.