Ursula von der Leyen: "O meu trabalho começa agora"
Apenas nove votos separaram os "sins" dos "nãos" no Parlamento Europeu. A nova presidente da Comissão Europeia enfrentará a câmara mais dividida de sempre.
Ursula von der Leyen garantiu nesta terça-feira a sua eleição para a presidência da Comissão Europeia. Mas tendo obtido a maior taxa de votos contra, num parlamento fragmentado, antecipam-se cinco anos de grande debate e confronto político.
"O meu trabalho começa agora", declarou a alemã, instantes depois de ser conhecido o resultado que lhe deu a vitória, por uma diferença de nove votos. Von der Leyen foi apoiada por 383 votos a favor. Mas teve 327 contra. Esta é a diferença, relativamente aos anteriores presidentes da Comissão Europeia.
Há cinco anos, Jean-Claude Juncker teve apenas 44 eurodeputados contra a sua eleição. Durão Barroso nem no segundo mandato enfrentou tanto confronto quando 117 deputados votaram contra. A diferença é ainda maior quando a comparação é feita com os escassos 23 parlamentares que se opuseram à eleição de Jacques Santer, em 1994.
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Ursula von der Leyen enfrentará a câmara mais dividida de sempre, mas ainda assim declarou-se "honrada e esmagada", agradecendo a "confiança" por terem votado nela. "A confiança que depositaram em mim é a confiança que depositam na Europa, e a confiança numa Europa forte e unida, de leste a oeste, de sul a norte", afirmou.
Na sua primeira declaração perante o Parlamento Europeu depois de ter sido eleita, desafiou os Estados membros a trabalharem por uma "Europa unida", dizendo que da parte dela não há tempo a perder.
A visão dos eurodeputados portugueses
O social-democrata Paulo Rangel, para quem a eleição por um voto "já seria uma grande vitória tendo em conta o panorama", afirmou: "Este resultado mostra também à nova presidente da Comissão que precisa de trabalhar com o Parlamento Europeu porque a margem que teve foi pequena e isso vai obrigá-la a ter em conta o Parlamento Europeu em cada passo que der."
Na mesma linha, o socialista Carlos Zorrinho acredita que "o resultado mostra que temos um Parlamento Europeu muito atento, que viabilizou uma candidata pró-europeia que incorporou nas suas prioridades um conjunto de apostas progressistas".
"E, a partir de agora, e porque temos consciência de que foram também os Socialistas & Democratas que permitiram esta eleição, vamos acompanhar de forma próxima como Von der Leyen vai traduzir no colégio de comissários, no programa da Comissão e na ação concreta, os compromissos que assumiu", disse.
Com 182 deputados, os conservadores do Partido Popular Europeu garantiram-lhe a maioria dos votos. Durante a tarde, os Socialistas & Democratas, com 154 deputados, e os liberais do grupo Renovar a Europa, com 108, também anunciaram o voto a favor de Ursula von der Leyen. Os verdes, com 75 deputados, anunciaram que votariam contra.
O voto foi secreto e o resultado indica que nem todos os deputados seguiram a tendência ou as orientações da família política em que estão inseridos. Os alemães do SPD disseram que votariam contra e um grupo de deputados socialistas franceses também se opuseram à eleição, apesar da indicação do grupo, apurou o DN.
Entre os conservadores do PPE chegou a haver hesitação, como aconteceu com Nuno Melo. O deputado do CDS entende que deveria ser mantido o processo do Spitzenkandidat. "Mas assim não sucedeu e portanto, assim sendo - o voto é secreto -, estou ainda numa fase de ponderação e logo se verá", disse o centrista antes da eleição em que acabou por "votar a favoravelmente", embora deixando o registo sobre a sua discordância em relação a algo que "pode matar o processo do Spitzenkandidat".
Nada convencida, Marisa Matias considera que o discurso para agradar a todos não agrada ao Bloco, pois acredita que "ou se está do lado do combate às alterações climáticas ou da não militarização, ou se defende o emprego ou se continua a atacar os direitos laborais, ou estamos do lado da defesa dos serviços públicos ou do lado da concorrência".
João Ferreira disse que a candidata que é "mais do mesmo" não contou com o voto do PCP, já que ela representa "as desigualdades entre países, as recomendações por países que mandam desregular o mercado de trabalho, que mandam privatizar empresas".
O deputado do PAN, Francisco Guerreiro, admitiu que "as metas climáticas são um pouco mais ambiciosas a nível de retórica, mas não concretiza", por isso a alemã não contou com o voto do único português que integra o grupo dos Verdes, pois "não fala em agropecuária, ainda não fala em modos de produção de alimentos mais ecológicos, não fala numa estratégia de prevenção dos solos, não fala de uma estratégia europeia para a ferrovia".
"Garantir a saúde do planeta"
No seu derradeiro discurso perante os deputados, durante a manhã, Von der Leyen expressou-se de forma enérgica, maioritariamente em inglês, tendo iniciado a declaração em francês e fazendo também algumas passagens em alemão.
Ursula comprometeu-se com uma série de objetivos, nomeadamente em relação às metas climáticas, dizendo que a maior responsabilidade das gerações atuais é "garantir a saúde do planeta".
"Quero que a Europa seja o primeiro continente no mundo climaticamente neutro em 2050", afirmou, considerando também que a meta climática não poderá ser alcançada a qualquer custo, pois "o que for bom para o nosso planeta terá também de ser bom para as nossas pessoas e para as nossas regiões".
Von der Leyen quer usar parte dos fundos de coesão para alcançar as metas climáticas, mas reconhece que estas verbas são insuficientes. "É por isso que vou propor um fundo de transição [climática] justa para apoiar os [países] mais afetados. Este é o método europeu. Somos ambiciosos, não deixamos ninguém para trás e damos perspetivas", disse.
O mesmo método deve ser assegurado para as pequenas e médias empresas, capazes de garantir emprego e dinamizar a espinha dorsal da economia europeia. "Elas só podem fazer isso se tiverem acesso a capital em todo o mercado único. Livremo-nos de todas as barreiras, vamos abrir a porta, completemos a União de Mercados de Capital. As nossas pequenas e médias empresas merecem", defendeu.
Falando para uma ala mais à esquerda, Ursula von der Leyen prometeu erradicar a pobreza na infância, através de uma "garantia infantil para ajudar a assegurar que cada uma das crianças na Europa, em risco de pobreza e exclusão social, tem acesso aos direitos mais básicos como cuidados de saúde e educação".
Von der Leyen prometeu ainda defender o Estado de direito com um mecanismo de sanção automática para quem puser em causa os valores democráticos. Além de prometer medidas concretas contra a violência contra as mulheres, nomeadamente a "criminalização em toda a Europa".
"Final feliz", disse Marcelo
Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa saudou a eleição de Ursula von der Leyen, considerando que o resultado alcançado no Parlamento acabou por ser um "final feliz", sendo "muito importante para o normal funcionamento das instituições europeias".
"Com este resultado, a presidente Ursula von der Leyen será finalmente a primeira mulher a ser eleita para dirigir os destinos da Comissão nos próximos cinco anos", destacou.
A falar em nome do governo português, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, considerou que os compromissos assumidos pela antiga ministra de Angela Merkel "vão todos no sentido certo".
"O governo regozija-se com o resultado da votação e a eleição por parte do Parlamento Europeu da personalidade proposta pelo Conselho Europeu para o exercício da presidência da Comissão Europeia", afirmou.