Contramão. Mais de cem acidentes nas autoestradas já neste ano
O tráfego tem vindo a aumentar desde que a crise económica deu sinais de abrandamento. E a sinistralidade rodoviária também. No caso específico da condução em contramão, já se registaram até agora 126 acidentes na rede de estradas das 24 concessionárias que integram a APCAP - Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Autoestradas ou Pontes com Portagens - e que gerem um universo de 3580 km. No ano passado, foram registados 96 acidentes, mas o secretário-geral da APCAP, Rui Manteigas, salvaguarda que "só no final do ano será possível fazer o balanço comparativo entre os dois últimos anos".
No entanto, este número será maior, bem maior, se tivermos em conta não só as autoestradas, mas todo o universo da rede rodoviária do país que é muito superior aos 3580 quilómetros geridos pela APCAP. O DN solicitou à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) os mesmos dados, para ter uma noção do que acontece na rede total rodoviária do país, mas ainda não há informação relativa a 2019.
No entanto, e de acordo com os dados fornecidos pela ANSR referentes a um período de cinco anos, entre 2014 e 2018, ficamos a saber que foram registadas em todas as estradas do país, e não só em autoestradas, 5567 autos por condução em sentido contrário. Sabe-se ainda que dos condutores intervenientes em acidentes com vítimas e respetivas lesões, resultaram 25 vítimas mortais, 61 feridos graves, 499 feridos leves e que 299 saíram ilesos.
A GNR a quem cabe o patrulhamento das autoestradas disse ao DN não dispor da informação sobre o número de situações de condução em contramão nas AE e do número de acidentes que provocaram, já que este tipo de ocorrência não aparece diferenciado nas estatísticas. "A prática de condução em contramão na AE constitui um ilícito que configura a prática de crime de condução perigosa, previsto no art.º 291 do Código da Estrada. Como tal não é possível proceder ao tratamento informático desta infração de uma forma isolada", respondeu ao DN o Comando da GNR.
O número avançado pelas 24 concessionárias da APCAP já sobre este ano, de 126 acidentes, pode parecer reduzido, tendo em conta o total de acidentes registados até novembro nas estradas portuguesas, mais de 122 mil, mas, para técnicos e peritos no setor rodoviário, "não é". Até porque a grande maioria das situações de condução de contramão nas AE e em outras vias rápidas tem como resultado acidentes com vítimas mortais e feridos graves.
De acordo com os dados da ANSR, em cinco anos, houve 25 vítimas mortais. Desde 2014 que o número de situações ultrapassa o milhar. Em 2014, no período logo a seguir à crise, foram registadas em todas as estradas do país 954 ocorrências, em 2015 foram 1189, em 2016 atingiram as 1200, e desde aí têm vindo a diminuir ligeiramente. Em 2017, houve 1137 ocorrências e, em 2018, contabilizaram-se 1087. Ao todo, 5567 situações de contramão em muitos milhares de quilómetros de rede rodoviária.
As campanhas de sensibilização têm ajudado, a sinalização também, garantem os técnicos, mas ainda há muito a fazer para atenuar a situação. Até porque se sabe que o perfil do condutor que incorre neste tipo de infração respeita à faixa etária de mais idade. O que "não é de estranhar. Hoje vive-se muitos anos e há muito mais gente a conduzir com mais idade", dizem-nos. "A formação que estas pessoas fizeram está já desadequada e os reflexos já não são os mesmos também", especificou ao DN o secretário-geral da APCAP, Rui Manteigas.
Por isto, a APCAP tem vindo a defender ser importante dar mais formação aos condutores com mais idade. "Não é obrigá-los a terem de fazer novos exames, mas, sim, serem obrigados a fazer mais formação a partir dos 70 anos, nos momentos em que precisam de revalidar a carta de condução."
Ou seja, para esta associação não chega a validação da carta de condução apenas pela avaliação de critérios médicos, tem de haver formação para adequar a condução aos novos veículos e até às estradas.
Hoje o principal problema das situações de contramão registadas nas AE têm que ver com o facto de os condutores decidirem fazer inversão de marcha, numa via rápida e só com um sentido, e não cumprir as regras do Código da Estrada que impõem seguir até à saída mais próxima e aí procurar outra forma de chegar ao destino. "A razão principal para as situações de contramão, já não é a entrada pelo sentido errado. A sinalização tem ajudado muito nesse sentido. A maioria das situações têm que ver com o facto de o condutor em plena autoestrada decidir fazer inversão de marcha e outras manobras perigosas", explica Rui Manteigas.
O presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), José Miguel Trigoso, defendia há dias ao DN ser importante haver dados estatísticos que fossem trabalhados para se perceber o comportamento destas pessoas, o que as leva a ter este tipo de atitude na condução? Precisam de mais formação? Precisam de apoio para controlarem os seus comportamentos? Só assim, referia, será possível melhorar e atenuar os efeitos da sinistralidade. "O Estado sabe quem são os condutores envolvidos com vítimas, mas desconhece quem são os que estão envolvidos em vários acidentes - o que pode ser o caso de algumas situações de contramão, e era preciso saber quem são estes condutores", alerta.
Haver mais formação parece ser uma das condições que reúne o consenso entre as entidades do setor rodoviário, mas pode não resolver tudo. "O tráfego funciona ao ritmo da economia. É um dos seus indicadores, quando a economia está em alta o tráfego também cresce. O que quer dizer que a sinistralidade também pode aumentar. É isso que tem vindo a acontecer." Há mais carros nas estradas e muitos deles com mais potência e um sem-número de tecnologias que, muitas vezes, os próprios condutores não sabem como a usar. O que, também, "pode constituir um perigo para a condução".
Os dados da APCAP revelam que, nos primeiros nove meses deste ano, a circulação rodoviária registou um aumento de 4% relativamente ao ano de 2018, que, por sua vez, já tinha aumentado 5%, comparativamente a 2017. Mas até final do ano este crescimento pode atingir mesmo os 5%.
Ao DN, Rui Manteigas sublinhou que o aumento de 4% se deve ao facto de a Brisa ter registado uma redução de 1% nos meses do pico do verão. "Só por isto é que ainda não atingiu os 5%, mas o crescimento não deve estar muito longe disto." Se esta quebra pode ter que ver com a redução de tráfego junto das AE urbanas, devido à descida do preço dos passes sociais, o técnico da APCAP diz não ser possível fazer tal associação. "Seria preciso um estudo aprofundado e com outras variáveis para se perceber se há uma relação de causa e efeito", afirmou.
Mas, para alertar, prevenir as mortes nas estradas, o Ministério da Administração Interna avança nesta quarta-feira com mais uma campanha de sensibilização para o Natal - "O melhor presente é estar presente" - e que irá decorrer até ao dia 5 de janeiro de 2020.
Esta campanha de sensibilização tem como objetivo alertar toda a sociedade para "a adoção de comportamentos seguros". O excesso de velocidade e as decisões tomadas em cima da hora que podem levar a uma condução perigosa têm de ser evitadas, porque todas colocam em perigo não só os próprios que as cometem mas também os outros que circulam com eles na estrada.
A campanha "o melhor presente é estar presente" conta com a participação de 36 entidades, algumas da sociedade civil que aceitaram participar, e será composta por spots para televisão e rádio, bem como por imagem gráfica para ser divulgada em redes de multibanco, imprensa, redes sociais, múpis, cartazes, autocolantes, flyers, etc.
Outra campanha deverá avançar em breve. Esta com a assinatura da Brisa e sobretudo dirigida ao uso da tecnologia durante a condução, desde os telemóveis ao GPS no tablier dos carros, que já foram identificados como indicadores de desconcentração da condução.
Portugal continua a ser dos países da União Europeia com uma das taxas de sinistralidade mais elevadas. Neste momento, o rácio já é de mais de 60 mortos por milhão de habitante. Para técnicos, peritos e entidades "é preciso mudar o paradigma. É preciso apostar na formação adequada e em mais formação. É preciso saber quais são os condutores que mais acidentes registam e acompanhá-los. É preciso educar para evitar as situações de contramão e outras decisões que vão contra as regras do Código da Estrada", defenderam ao DN. Só assim se poderá atenuar os acidentes, os mortos e os feridos nas estradas.
Os dados mais recentes na página da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), referentes até novembro deste ano, revelam a ocorrência de 122 322 acidentes - mais de dois mil em relação ao total do ano de 2018, que já se somam 435 vítimas mortais, contra 456 em todo o ano de 2018, e que os feridos graves também já ultrapassaram os registados de todo o ano passado - 2048, em 11 meses, para 1941, em 12 meses.
Dados atualizados às 11:00 de 17-12-2019