Durante séculos, e a contar da Idade Média, os Habsburgo foram uma das famílias mais poderosas da Europa. Reinaram no Sacro Império Romano-germânico e, quando este foi desfeito por Napoleão, passaram a ser imperadores da Áustria, então uma entidade vastíssima que incluía territórios que hoje pertencem a uma dezena de países. Na fase final, tiveram de aceitar que Budapeste mandasse tanto como Viena, tal era a força da Hungria, e os dois últimos imperadores foram oficialmente austro-húngaros na designação..Ora, foram dois historiadores especializados na história do extinto império, um austríaco e outro húngaro, que vieram a Portugal recordar a figura de Carlos, o último Habsburgo a reinar e que acabou por morrer no exílio, na Madeira, a 1 de abril de 1922, fez agora cem anos. Também, em conversa com o DN, homenagearam, e muito, o filho deste, Otto, que morreu quase centenário em 2011, e foi um entusiasta da União Europeia, na qual, dizem Andreas Gottsmann e Gergely Fejérdy, via o legado da monarquia dos Habsburgo. Num século de extremos, como foi o XX, Otto manteve as distâncias tanto do nazismo como do comunismo..Em 2018, quando se celebraram cem anos sobre o fim da Primeira Guerra Mundial, foram muitas as embaixadas europeias em Portugal que recordaram a data como um momento histórico a festejar. Afinal, do fim de quatro impérios, vários países renasceram ou libertaram-se, fosse a Finlândia, que ainda em 1917 proclamou a independência em relação à Rússia, fossem a República Checa e a Eslováquia, ambas orgulhosas herdeiras da Checoslováquia criada na época, ou a Roménia, que obteve a unidade graças a territórios que tinham sido dos Habsburgo e dos Romanov. Mas nem Áustria nem Hungria deram sinais de ver em 1918 uma data memorável, pelo menos por boa razão..Em Versalhes, quando se refizeram as fronteiras da Europa a partir dos impérios centrais derrotados, nem sempre o critério de emancipação dos povos foi seguido. Aos austríacos de língua alemã, por exemplo, não foi permitido integrarem a Alemanha, da qual em 1871 tinham ficado de fora por pertencerem a um império multinacional e pela má vontade da Prússia. E os húngaros até hoje veem como uma tragédia o Tratado de Trianon (nome de um pequeno palácio nos jardins de Versalhes) que deixou boa parte da sua população fora das fronteiras do território que lhes foi permitido ter..A Segunda Guerra Mundial e depois a Guerra Fria vieram em muitos casos ainda complicar mais a geografia da Europa Central e de Leste, e guerras como a da Jugoslávia, também a do Nagorno-Karabakh e agora um pouco esta na Ucrânia, têm raízes remotas nos acontecimentos de 1918 e décadas seguintes. Por ter testemunhado o fim do império familiar, por acreditar na possibilidade de coexistência de gente de língua e cultura distintas, por ter visto os horrores de duas guerras mundiais, por abominar os extremismos, Otto tornou-se um europeísta convicto e os longos anos no Parlamento de Estrasburgo deram-lhe oportunidade de defender as suas ideias. Poliglota (chegou a responder em latim a um comunista italiano que discursou nessa língua), sabia fazer chegar a sua mensagem a muitas audiências e a sua imagem de aristocrata octogenário a debater com eurodeputados com idade para serem netos certamente davam-lhe a credibilidade dos anciães..A Segunda Guerra Mundial terminou há 77 anos e vão desaparecendo as gerações que conheceram os seus horrores, ainda maiores do que os de 1914-1918. Recordo-me de quando acabaram as notícias de veteranos da Primeira Guerra Mundial a morrer (o último terá sido em 2011, com 110 anos) e agora vamos rapidamente a caminho da mesma realidade em relação à outra grande guerra do século XX. E se não aprendemos com a tragédia jugoslava que nenhuma paz é eterna, nem na Europa, que pelo menos a invasão russa da Ucrânia nos alerte do tanto mal que se pode evitar se aprendermos com a história para ela não se repetir tanto..Diretor adjunto do Diário de Notícias