Cascais quer investir 6 milhões para recuperar forte de Salazar

Governo afinal não quer vender o edifício onde o ditador caiu da cadeira. Projeto camarário centra-se na promoção do mar e da língua nos próximos 50 anos.
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O forte de Salazar, onde a câmara de Cascais se propõe investir seis milhões de euros, foi colocado pelo Ministério da Defesa na lista de imóveis a alienar porque o atual protocolo de cedência àquela autarquia tem validade anual, explicou fonte oficial ao DN.

"Não colocámos o forte à venda", assegurou a mesma fonte do Ministério da Defesa, observando que a Lei de Infraestruturas Militares (LIM) publicada na sexta-feira em Diário da República prevê várias fórmulas de rentabilização do património do Estado já sem uso militar - como sejam o arrendamento, cedência ou permutas, entre outros exemplos.

Segundo o protocolo de cedência do Forte Velho de Santo António da Barra celebrado em 2018 pelo Ministério da Defesa com a autarquia, esta assumiu a responsabilidade de recuperar e preservar aquele local há muito degradado e ao abandono. Isso implicou realizar ações de desmatação, limpeza, segurança e dinamização do espaço, precisou o gabinete do ministro João Gomes Cravinho.

"Por se tratar de um protocolo anual, o imóvel está na Lei de Infraestruturas Militares", acrescentou a mesma fonte, sem poder explicar porque é que o forte foi cedido quando não estava na lista de património a alienar e, depois do acordo renovável com a autarquia, entrou para essa lista.

Imóveis já cedidos ao abrigo da anterior lei de infraestruturas militares deixaram de constar da Lei de Infraestruturas Militares (LIM) agora aprovada e apesar de terem contratos a termo certo - como é o caso do Forte de Santa Catarina, na Figueira da Foz, cedido por 45 anos há dois anos.

Acresce que o forte de Salazar foi desafetado do domínio público militar por um diploma publicado a 7 de julho de 2015 - três meses antes de publicada (13 de outubro) a lista de imóveis a alienar pelo Ministério da Defesa nos anos seguintes, altura em que já havia negociações entre a tutela e a Câmara Municipal de Cascais sobre o futuro do chamado prédio militar n.º 7 (PM7) naquele concelho.

Carlos Carreira confirmou ao DN que "começou a negociá-lo" com o então ministro da Defesa José Pedro Aguiar-Branco "pouco antes das eleições legislativas de 2015", realizadas a 4 de outubro. Isso viria a dar lugar à assinatura, ainda em 2015, de um protocolo que atribuía a gestão do forte à câmara por vários anos mas que, segundo o vereador socialista João Ruivo, acabou por não avançar devido a alegadas dívidas autárquicas ao Estado.

Protocolo suspenso

João Ruivo precisou ao DN que o protocolo em causa foi assinado com a autarquia social-democrata ainda pelo governo PSD/CDS, mas ficou suspenso por imposição das Finanças devido ao contencioso em torno do aumento das rendas - como a do Clube Naval de Cascais - decorrente da chamada "Lei Cristas".

A câmara recusou pagar esse aumento tão grande, indicou o vereador do PS, adiantando que existe também uma queixa dos socialistas junto da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) contra Carlos Carreiras por causa do destino a dar ao Forte de Salazar.

Ao contrário das propostas iniciais da Câmara de Cascais para o uso a dar ao forte, fechando-o ao público, e que passavam por transformá-lo na sede das Conferências do Estoril até acolher centros de investigação ligados ao mar, o PS sugeriu fazer ali um museu dedicado à língua portuguesa, contou João Ruivo.

"Criar um museu permite que os cidadãos possam usufruir do imóvel. Esse era o ponto de partida da proposta do PS" - que Carlos Carreiras recusou agendar para discussão, o que originou a referida queixa à Inspeção-Geral de Finanças, acrescentou o vereador socialista.

Protestos

Em Cascais, afirmou o presidente da autarquia ao DN, a inclusão do forte de Salazar na Lei de Infraestruturas Militares suscitou indignação, a começar nele próprio e passando por vários cidadãos e pelo Aliança.

Carlos Carreiras, numa mensagem entretanto publicada nas redes sociais, começou por colocar uma pergunta: "Com um acordo de cedência em vigor querem retirar-nos o forte?"

Em letras garrafais, acrescentou: "NÃO VAMOS DEIXAR. O FORTE É NOSSO." Por outro lado, a menos de um mês das eleições legislativas, o social-democrata Carlos Carreiras terminou essa mensagem com outras duas perguntas: "Já agora, onde anda a oposição em Cascais? Não dizem nada?"

No plano político, Carlos Carreiras disse ao DN ser "estranho não ter" havido reações dos principais partidos, embora "o silêncio" do PS - "por solidariedade com o governo" - fosse expectável. Mas, além do Aliança de Santana Lopes, "pelo menos os outros..." (leia-se PSD, em particular).

O autarca, que num primeiro momento pensou interpor uma providência cautelar para suspender uma eventual venda do forte no curto prazo, admitiu ao DN que a lei contempla outras soluções além da venda. Contudo, "pelo menos [o ministério] devia dizer" previamente à câmara que iria colocar o PM7 na LIM para evitar ser apanhado de surpresa.

Também "não faz sentido" o ministério ter incluído o forte na nova LIM, quando há um protocolo de cedência em vigor - e com cláusulas específicas para a sua possível renovação após 2020. "Daí a nossa reação" inicial, referiu Carlos Carreiras.

Projeto dedicado ao mar e à língua

"Quem conhece como estas coisas funcionam" sabe que politicamente pode haver alterações ao inicialmente previsto, ainda por cima quando a lei sobre descentralização de competências para as autarquias prevê a passagem, para as câmaras, do património público não usado durante um determinado número de anos, acrescentou o autarca.

O protocolo assinado em março de 2018, com o então secretário de Estado da Defesa Marcos Perestrello, permitiu recuperar o forte - tanto o edifício como os cerca de 20 mil metros quadrados de terreno envolvente - e abri-lo ao público a 25 de abril desse ano. O documento tinha validade de um ano e era "prorrogável por iguais períodos", tendo em conta o processo de rentabilização do imóvel no âmbito da LIM.

Segundo Carlos Carreiras, ficou também assente que o município, além de recuperar o forte e mantê-lo aberto ao público, teria de apresentar um projeto de utilização futura cujo volume de investimento permitisse "estimar o seu tempo de cedência por um prazo maior".

Isso foi feito "há uns meses e aguardamos que nos digam se aceitam ou não, ou se têm alguma sugestão" a acrescentar à proposta da autarquia que contempla um investimento de seis milhões de euros como contrapartida de utilização do forte de Salazar por 50 anos, explicou Carlos Carreiras.

Já rejeitada pelos serviços do Ministério da Cultura foi "a pretensão de cobrir o fosso" em torno do forte para "ganhar área expositiva", referiu ainda o autarca. Inalterado mantém-se o tema na base do projeto apresentado ao governo, acrescentou Carreiras: "O forte será dedicado ao mar e à língua, dois patrimónios desaproveitados."

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