O imposto Robles é detalhe

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Não sei como é que começou, mas a doutrina está fixada: os investidores imobiliários são uns bandidos e têm de ser castigados por esse nefando crime que é tentar ganhar dinheiro de forma legítima. Nada a dizer sobre quem abre uma padaria e vende pão ao preço que entende, mas já comprar um apartamento para depois o arrendar ou vender pela melhor oferta é que não pode acontecer.

Aliás, aguardo com muita expectativa a proposta do Bloco de Esquerda para que quem apareça numa padaria e diga que logo vê quando pode pagar ou que a partir de uma certa idade o pão seja pago em 2028 a preços de 2018 não tenha qualquer problema. Disparate? Claro que não. Não é o BE que quer limitar a possibilidade de despejos por falta de pagamento? Ou que propõe que os contratos se tornem vitalícios em função da idade do inquilino?

Mas, convenhamos, o que o BE anda a propor, sendo o imposto Robles (algo que foi de forma errada apelidada de taxa e não o é) apenas mais uma acha para a fogueira (somente somar impostos a impostos que já são demasiado altos), é mais um passo no que tem acontecido de há muitas dezenas de anos a esta parte: os particulares a fazer o que o Estado deve fazer. O verdadeiro esbulho que tem sido praticado aos proprietários (na sua larguíssima maioria, pequenos aforradores que viam na compra de uma casa para arrendamento um meio de poupança) na forma de congelamento de rendas e na lentidão dos despejos, só para dar dois exemplos. Pôs-se quem poupava ou queria investir a pagar políticas públicas que só cabiam ao Estado.

O facto é que os problemas graves nos preços das habitações nos centros das duas nossas grandes cidades não são só consequência do turismo e do crescimento do alojamento local que este criou, foram décadas e décadas de políticas erradas. Claro está que as motivações do BE são, ao menos, coerentes. Já sabemos que lucro e BE (para alguns do BE, bem entendido) não rimam. O BE quer uma sociedade em que o lucro, essa fonte de todos os males, seja extinto. Esse terrível conceito que está na base do período mais próspero e com maior distribuição de riqueza da nossa civilização. O que custa perceber é que quem acredita no capitalismo possa alinhar com essas posições, e, infelizmente, não é de agora e tem cabido a todos os partidos que não defendem o paraíso bloquista onde o lucro estará extinto.

Dir-me-ão que o mercado da habitação mexe com um aspeto fundamental da vida das pessoas. Sem dúvida. Há interferências do Estado, políticas públicas, que são necessárias, neste e noutros mercados. Por exemplo, tem de ser garantida uma estabilidade contratual maior do que na maioria dos contratos. Mas não só. Incentivos estatais ao aumento da oferta, na forma da redução de restrições à construção, na colocação direta de casas de habitação no mercado (basta ver o património imobiliário do Estado, das autarquias e de outras entidades ligadas públicas e perceber o que se podia fazer), no alargamento de zonas urbanizáveis. Como do lado da procura não pode deixar de existir a ajuda a pessoas em situações de carência na forma de diversos tipos de apoio.

Estamos todos preocupados com os preços no centro das nossas duas maiores cidades e com os efeitos perniciosos para a comunidade que estão a gerar. Não será preciso referi-los pela enésima vez.

O que não é razoável é tentar acabar com a vontade de as pessoas investirem em imobiliário, de criar bloqueios ao aumento da oferta, ou de se continuar a esbulhar os proprietários.

Querem destruir o mercado da habitação em Portugal? Fácil, entreguem a pasta ao BE. Querem que o parque habitacional se degrade e voltemos a ver barracas nas cidades? Ainda mais fácil, basta subscrever as propostas do BE.

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