Um adulto na sala

Nesta história, houve quem estivesse consciente das suas responsabilidades e mostrasse sentido de Estado, e não foi o primeiro-ministro nem nenhum dos nossos principais líderes políticos. Felizmente, havia um adulto na sala.
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Nada como um discurso contra os bancos para deixar um político português bem-visto pelo eleitorado. Não é que os portugueses não tenham boas razões para estar com todos os pés atrás com a rapaziada do setor financeiro, mas ver os mais importantes responsáveis políticos a embarcar na mais rasteira demagogia ou a propagar mentiras para ganhar popularidade à custa dessa desconfiança é de mais.

Sendo o assunto o BES/Novo Banco, é certo que fica tudo fora de controle. O episódio em causa é prova disso.
No fundo, a absurda crise política que rastejou durante uma semana para emergir coberta de lama na quarta-feira teve a sua origem e desenvolveu-se por causa dessa pulsão demagógica. O pior é que foi uma espécie de concurso Miss Populismo, que teve como participantes o primeiro-ministro, o Presidente da República e todos os líderes partidários.

Não há justificação rigorosamente nenhuma para os nossos principais dirigentes políticos desconhecerem as cláusulas do contrato de venda do Novo Banco, o Orçamento do Estado (onde vinha a transferência dos 850 milhões de euros e com nota explicativa e tudo), a validação da regularidade da operação pelo Fundo de Resolução e das auditorias e fiscalizações devidas e da inexistência de qualquer condição suspensiva do contrato a outra auditoria qualquer (sobretudo uma que audita a gestão de 2000 a 2018...). Mas acima de qualquer possibilidade muito remota de ignorância de tudo isto está António Costa.

A hipótese de não saber é tão grave que a hipótese do ímpeto demagógico chega a ser lisonjeira. Costa sabia, claro. Não estava no Conselho de Ministros em que tudo isto foi decidido? Mas o primeiro-ministro sabe mais. Sabe que a não transferência do dinheiro daria origem a um não cumprimento dos rácios de solvabilidade do banco e a um gigantesco problema no nosso sistema financeiro, a problemas com o BCE. Sabe também, melhor do que ninguém, que a conversa da possível não venda do Novo Banco ou da nacionalização são discursos de pura pantomineirice, próprios de delírios ideológicos e demagógicos do BE e do PCP, e que a serem levados a sério trariam ainda muito piores consequências para o bolso dos portugueses - já chegou o verdadeiro crime contra a comunidade que foi a resolução e que, não sendo assunto agora, convém não esquecer, como não devem ser esquecidos os seus promotores.
Só houve uma pessoa responsável neste processo: Mário Centeno.

Para meu espanto, assisti aos mais descabelados argumentos para desculpar António Costa e desmerecer Mário Centeno.

O ministro das Finanças teria ciúmes de Siza Vieira, queria sair do Governo para ir para o Banco de Portugal e estaria a forçar a saída, estava ressentido por não ter ido para o FMI, mas o mais extraordinário foi o de uma suposta falta de solidariedade institucional ou, de uma forma mais simples, desrespeito pelo chefe. Ou seja, Mário Centeno assistia a António Costa dizer algo que não estava certo, era responsabilizado por isso e devia assobiar para o lado. Como no caso concreto era uma mentira descabelada ou uma ignorância inexplicável (a história da auditoria que nada tinha que ver para este processo, recorde-se), o argumento seria "vamos todos mentir e quem não aldrabar será acusado de desrespeitar a hierarquia".

A popularidade de Centeno mesmo com cativações e a aborrecida mania de achar que se deve cumprir os contratos irrita muito boa gente dentro do PS e não só.

Rui Rio em vez de apontar a evidente falha do primeiro-ministro, a demagogia, o possível incompetente desconhecimento ou até a descoordenação, metralhou os pés e atirou-se a Centeno. O líder do PSD tem, e bem, insistido no rigor e na seriedade com que se tem de conduzir o país e agora aponta as baterias a Mário Centeno quando ele fez exatamente o que Rio apregoa.

António Costa percebeu o erro que cometeu e tentou lançar uma cortina de fumo: lançar a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa e anunciar o seu apoio. Já vi muitas tentativas de desviar as atenções de um disparate, mas lançar uma recandidatura de um Presidente da República, ainda mais não da sua área política, é a primeira vez.

Como a ocasião era, pelos vistos, propícia a atos pouco pensados, o Presidente da República pôs-se ao lado do primeiro-ministro e resolveu empurrar Centeno para fora do Governo. Não sei o que será pior: se interferir diretamente na composição do Governo se dizer que o dinheiro em causa deveria esperar por uma auditoria que não está relacionada com a transferência. Quer o Presidente dizer que um contrato devia ser suspenso por causa de uma auditoria sobre o período de 2000 a 2018, quando nada no contrato de venda a condiciona a isso?

No entretanto, soube-se de pedidos de desculpas a Centeno, a reafirmação da posição de Marcelo... uma lamentável confusão.

Este episódio deixa Centeno fragilizado, mas sobretudo mostra demasiada gente importante para o país mais preocupada com a popularidade do que com o rigor. Pior, confundiu-se política com politiquice e demagogia.

Nesta história, houve quem estivesse consciente das suas responsabilidades e mostrasse sentido de Estado, e não foi o primeiro-ministro nem nenhum dos nossos principais líderes políticos. Felizmente, havia um adulto na sala.

Eleições presidenciais

António Costa fechou o assunto presidenciais para o PS. Claro que existirão muitas vozes incomodadas e não faltarão distintos socialistas a criticar o primeiro-ministro, mas não há margem para recuo. Restará apenas saber se o PS apoiará mesmo Marcelo Rebelo de Sousa ou se não dará formalmente indicação de voto.

Não serei eu a criticar ninguém que decida votar no atual Presidente da República por uma razão muito simples: só algo absolutamente excecional me faria não votar em Marcelo Rebelo de Sousa, tem feito um excelente mandato - com erros normais, claro está. Mas a ausência de uma candidatura de esquerda moderada não traz nada de bom. Um candidato que albergue todo o centro deixa os extremos à solta. E se do lado esquerdo mais radical pouco há a temer, não se passa o mesmo na extrema-direita.

Menos piu-pius

É raro o político que, neste momento, prescinde do Twitter para comunicar diretamente com os cidadãos que o usam e sobretudo com a comunicação social - que reproduz os tweets sem perceber que está a pôr o seu próprio trabalho em causa. Se compreendo que partidos e personagens com falta de capacidade de fazer chegar as suas mensagens por outro meio o utilizem, não é aceitável que líderes com maiores responsabilidades o façam.

Mensagens com meia dúzia de palavras, sem contexto, sem enquadramento e, na esmagadora maioria das vezes, sem serem escritas por quem as assina só servem para tornar a comunicação primária e tremendista. Um tweet é, em português corrente, uma boca, um slogan. De boca em boca vai-se reduzindo a substância das propostas, de tweet em tweet deixa-se de debater para proclamar, de mensagem em mensagem diminui-se a qualidade do debate até que as propostas políticas não passem de ideias vagas que nada querem dizer.

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