O populismo identitário


O tema da coincidência entre Nação-Estado foi intencionalmente considerado um princípio da organização mundial quando o presidente Wilson conseguiu a sua inclusão no estatuto da Sociedade das Nações (SdN), no fim da guerra de 1914-1918, organismo em que depois os EUA decidiram não entrar. Acontece que nação é um termo que, exprimindo de regra, em primeiro lugar, uma definição cultural (costumes, tradições, valores), tem vocação para possuir um território e uma soberania, mas o princípio da SdN não impediu a existência, hoje extinta, da unidade checoslovaca, nem que, atualmente, o Brexit advirta que um eventual problema futuro para o Reino Unido está no facto de não ser um Estado-Nação, e identidades políticas, provavelmente duas ou mais nações, suas componentes, são europeístas.

Embora, como evidenciou Lord John Acton (1834-1502), a regra a que chegou foi que é o Estado que forma a Nação, e não o contrário, é difícil encontrar uma nação que não tenha uma origem étnica múltipla, ainda que algumas tenham como que pretendido uma identidade originária, invocando uma etnia nobilitante. Talvez não seja de excluir este facto das causas de relevância dos mitos raciais, que a UNESCO assumiu combater, mas que agora reaparecem na problemática das migrações descontroladas que atingem a Europa.

Antes da tragédia da prática nazi contra o povo judaico, já a França, pátria da Declaração Europeia dos Direitos Humanos, que distingue as suas origens invocando os gauleses, teve em Gobineau (1816-1862) o pai do ressuscitado novo racismo. E é este novo racismo que começa fortemente a participar na problemática que fez enfrentar muitos governos europeus com o conflito entre os seus deveres humanitários e o seu dever de segurança, e também com o risco de a soma de minorias acolhidas afetar a maioria caracterizante da nação.

Um sentimento que leva a recordar o lastimoso caso de Dreyfus, por vezes lembrado para compreender as leis raciais de Vichy, que parecem ter mais relação com a ocupação militar pelo inimigo do que com o sentimento nacional. Mas o que atualmente avulta é que o próprio populismo que alastra, de acordo com as conclusões divulgadas por Rephaél Ligier, mas sobretudo por Marc Ferro, inclui um "populismo identitário" que não pode passar despercebido, e que, na sua análise, é sobretudo visível e assumido pela mudança da composição da população francesa.

Os atentados que, tendo o primeiro grande alarme no ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque, se multiplicaram em Bruxelas, Paris, Berlim, Moscovo, Madrid, servem de detonador do defensivo renascimento dos mitos raciais, com o efeito discriminador da experiência histórica, na qual os judeus mais sofreram, agora encaminhando para desenvolver o sentimento de ódio que contraria gravemente a possibilidade de implantar o paradigma essencial do ideário da ONU a respeito da "Terra casa comum dos homens", levando Marion Marechal - Le Pen a lamentar "le passage de la France du statut de fille ainée de l"Eglise a celui de petite-nièce de l"islam".

De facto já não se trata apenas do populismo que grassou pelo antes chamado Terceiro Mundo, objeto da política de descolonização, que tinha fundamentos evidentes na política da generalidade dos governos extrativos coloniais dominantes. Agora, avultam a conjugação do globalismo que diminui o particularismo relevante das fronteiras das antigas soberanias, a memória do nacionalismo radical como agente desafiado pela cooperação de que a União Europeia é exemplo em crise, a qual alimenta a reação preocupante de líderes como Viktor Orbán, tudo provocando um enquadramento inquietante dos movimentos migratórios no terrorismo que projeta no todo a identificação dos muçulmanos perigosos, pelo que os emigrantes tendem a ser considerados invasores que ameaçam as identidades nacionais.

Aqui surge a busca da definição do "verdadeiro povo" que baseia a distinção entre ele e os outros, de tal modo que o passado apoio ao "multiculturalismo" está a fraquejar perante o conceito de indesejável aplicável aos emigrantes. O Ocidente perde, quanto a eles, o seu sentimento e desejo de importância reconhecida pelo resto do mundo, quando ao mesmo tempo sofre o Brexit do Reino Unido, e mal consegue identificar e compreender o eleitorado e o comportamento do presidente dos EUA. Mas sobretudo quando, sem política definida, deixa proliferar as "colónias interiores", com descuido dos direitos humanos. Tais colónias interiores lembram as velhas ordenações que se mantiveram vigentes até ao liberalismo, identificando ciganos e moiros, e também a história tormentosa dos cristãos novos, que assim procuravam ocultar a sua perigosa fidelidade à religião que mantinham. No período que vivemos, as colónias interiores tendem a responder à discriminação pela revolta.

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