Macron contra Le Pen também é sobre nós

Publicado a
Atualizado a

Enganam-se aqueles que, fascinados com a pujança das potências que falam inglês, com a emergência da China e da Índia ou com a força da Alemanha, veem a França com uma nação decadente, a viver dos resquícios de um passado brilhante. O país que vai a votos dia 24 de abril para escolher um presidente para os próximos cinco anos é, na realidade, uma potência incontornável na Europa e, a agenda de política externa que o vencedor dessa segunda volta adotar, terá enorme impacto mesmo além das fronteiras do velho continente. Não é indiferente que seja reeleito Emmanuel Macron ou finalmente Marine Le Pen atinja o Palácio do Eliseu.

Falemos só um pouco do gigante que ainda é a França de hoje: é a segunda economia da União Europeia e a sétima a nível global; e só Estados Unidos, China e Japão têm mais empresas entre as 500 maiores do mundo. Está entre os dez países que mais gastam em defesa; e é uma potência nuclear, a única entre os 27 membros da União Europeia. Membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, é um dos cinco com direito de veto; e a sua língua é uma das seis oficiais da organização, além de ser idioma oficial em 29 países. Em termos de prémios Nobel - e aqui estamos em números que se acumulam ao longo de mais de um século - só fica atrás de Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. E no ranking de Xangai sobre as melhores universidades do planeta, consegue colocar 3 entre as 50 melhores, uma zona da tabela em que só 12 não são de países de língua inglesa.

Macron, que veio de um governo socialista e soube aproveitar a crise da esquerda para impor o seu projeto político pessoal situado mais ao centro, representa a continuidade, uma França comprometida com a União Europeia, disponível para uma parceria com a Alemanha no âmbito dos 27, e sólida no compromisso com a NATO, leia-se aliança com os Estados Unidos e o Reino Unido.

Le Pen, por seu lado, mesmo procurando atenuar o legado de extrema-direita que recebeu do seu pai (Jean-Marie, que em 2002 foi a uma segunda volta das presidenciais), representa a rutura, sobretudo no modo como pretende impor o soberanismo (leia-se nacionalismo) ao funcionamento da União Europeia, uma realidade pior ainda do que o Frexit (saída, imitando o Reino Unido), que durante muito tempo defendeu. Também a sua falta de envolvimento com a NATO, ao ponto de querer de novo sair do comando conjunto, e a forma como hostiliza a Alemanha por contraponto às sugestões de parceria com a Rússia, implica uma alteração profunda em relação ao modelo atual, e isto numa momento em que o ocidente apoia a Ucrânia invadida pelas tropas russas.

O favoritismo ainda recai sobre Macron, o mais votado na primeira volta, a 10 de abril. Mas nada garante que se repita a vitória fácil de 2017, quando frente à mesma adversária obteve na segunda volta dois terços dos votos. São sobretudo causas internas francesas a explicação para o sucesso crescente de Le Pen e dos seus ideais extremistas, mas a acontecer uma vitória sua seria um abalo sentido bem além da França. Estejamos atentos, pois não é só a guerra na Ucrânia que nos pode afetar a todos no futuro próximo. Também esta eleição francesa nos afeta, e muito, até porque pode ter implicações no próprio desfecho do conflito entre russos e ucranianos, mas sobretudo no choque entre ocidente e Rússia, já para não falar do que será a Europa quando tiver de lidar com o resto do mundo, a começar pela China.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt