"O presidente desejou que na segunda metade do mandato de cinco anos houvesse mais concertação com os franceses, mas talvez seja difícil. Há atritos, muitas interpelações, há muitas preocupações", disse a porta-voz do governo Sibeth Ndiaye em entrevista à rádio France Inter. E sobre um tema que tem gerado muita discussão, a "extremamente ambiciosa" reforma das pensões, Ndiaye assegurou que o governo irá "até ao fim"..É neste precário equilíbrio entre reformas e contestação popular que se passaram dois anos e meio desde a entrada triunfante de Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu..O movimento dos coletes amarelos apanhou de surpresa o jovem dirigente que rompeu com François Hollande e fundou o seu próprio partido. A proposta de aumentar os preços dos combustíveis para financiar a transição ecológica revoltou largos setores da sociedade. Durante meio ano a capital francesa foi o palco mais visível dessa raiva, com várias das manifestações marcadas para os sábados a degenerarem em violência e em vandalismo..Um fator que aumentou ainda mais as tensões foi o recurso da polícia às controversas armas LBD. Estas, que disparam balas de borracha de 40 milímetros, causaram a perda de um olho a 22 manifestantes e a amputação de outros cinco, segundo o coletivo. Há ainda dez mortos a lamentar, resultado de atropelamentos relacionados com os cortes de estrada dos coletes amarelos..As manifestações só perderam gás quando Macron, que tinha 48% dos eleitores a querer a sua demissão, anunciou um debate nacional e um conjunto de medidas com um impacto de 15 mil milhões de euros, entre as quais uma diminuição da carga no IRS e o aumento em cem euros do salário mínimo. No final do debate, prometeu reformas na qualidade da democracia, casos do referendo de iniciativa partilhada, da integração de jovens no conselho económico, social e ambiental e de criar um conselho de ministros específico sobre a transição ecológica.."Temos de instaurar uma política justa. Este é o maior desafio doméstico. Para ser honesto, não é um mar de rosas. Eu falhei. Uma das origens dos coletes amarelos foi precisamente o facto de termos ido muito rápido no tema sem termos em consideração o impacto social. Estes é dos meus principais arrependimentos", disse em entrevista à Time. "De certa forma a crise dos coletes amarelos foi muito boa para mim. Porque me lembrou quem eu devo ser", concluiu..Manifestações à vista.Embora se preveja que a economia francesa cresça mais rapidamente do que a média da zona euro em 2020, a realidade é que a taxa de pobreza continua a subir, pelo que o presidente enfrenta outro inverno turbulento, tendo também em conta a aproximação das eleições municipais. Os planos de Macron para "tornar mais justo" e unificar o sistema de pensões vai ser contestado nas ruas. Os sindicatos apelaram aos trabalhadores dos caminhos-de-ferro, ao pessoal dos transportes públicos de Paris, aos camionistas e aos funcionários públicos para que façam greve no dia 5 de dezembro e, em alguns casos, posteriormente, ameaçando criar o caos nas vésperas do Natal. A estes trabalhadores, coletes amarelos e estudantes prometeram juntar-se.."As pessoas vão sair no dia 5 de dezembro. Pessoas como nós", disse Myrtill Devillers, reformado que já esteve nas ruas como colete amarelo. "É sempre a mesma pergunta: o que diabo fazem eles com o nosso dinheiro?", perguntou à Reuters..No dia em que chegou à metade do mandato, milhares de funcionários hospitalares saíram às ruas por todo o país a reclamar melhores condições. Emmanuel Macron deslocou-se a Epernay, no departamento do Marne (leste de Paris) para verificar o andamento das reformas. Numa reunião com as autoridades locais foi inteirar-se dos números sobre temas tão diversos como as renovações das habitações ao nível térmico, a abertura de unidades de saúde, o número de formandos, a escolarização das crianças com deficiência ou a cobertura de banda larga.."É uma espécie de acompanhamento contínuo para verificar como os impulsos dados em Paris são interpretados e aplicados a médio prazo", explica o Eliseu à AFP..O presidente quer mudar a imagem de elitista sem contacto com a realidade. Se 55% dos franceses estão de acordo com a mobilização dos coletes amarelos do ano passado, 71% acreditam que Emmanuel Macron não tenha compreendido melhor as dificuldades dos cidadãos comuns que se juntaram nos coletes amarelos..Aplacar a extrema-direita.A popularidade do presidente mantém-se negativa, com 43% de franceses a darem a sua aprovação. A sua rival nas eleições passadas - e muito provavelmente futuras -, Marine Le Pen, está a subir, tendo agora 36% de opiniões favoráveis..É no campo da direita e da extrema-direita que o chefe de Estado aposta. Para tentar suster o avanço de Le Pen, o governo de Édouard Philippe aprovou -e entrou em vigor no início de 2019 - uma nova lei de asilo, conhecida também como lei Collomb, que dificulta o procedimento ao encurtar os prazos e ao facilitar o repatriamento aos requerentes recusados..Além disso, Philippe apresentou há dias, numa comissão da especialidade,20 medidas para o seu plano de imigração. "Queremos voltar a ter o controlo da nossa política migratória", disse o chefe do executivo. Entre as medidas está o estabelecimento de quotas para favorecer pessoal qualificado. .Não será uma política arriscada, a de dar crédito à União Nacional de Marine Le Pen? "Há argumentos que rejeitam o programa da União Nacional sobre este assunto ao mesmo tempo que falam sobre as condições sob as quais um Estado tem o direito, porque é um dos atributos da soberania, de controlar quem entra no seu território. Creio que este é o caminho que o presidente da República escolheu", comentou Jean-Yves Camus, da Fundação Jean Jaurès, à RFI..Críticas à Aliança Atlântica.No campo das relações externas, Emmanuel Macron não esconde a sua ambição, seja no campo do combate às alterações climáticas, seja na reforma da União Europeia e na defesa, com a Iniciativa Europeia de Intervenção..Na semana passada, em entrevista à Economist, Macron entrou em choque com Washington e Ancara ao afirmar que a NATO está em "morte cerebral". "Veja o que está a acontecer. Temos parceiros juntos na mesma região do mundo e não temos qualquer tipo de coordenação de decisões estratégicas entre os Estados Unidos e os seus aliados da NATO. Nenhuma. Há uma ação agressiva sem coordenação por parte de outro aliado da NATO, a Turquia, numa área em que os nossos interesses estão em jogo. Não houve qualquer planeamento da NATO, nem qualquer coordenação", criticou..Na mesma entrevista, o homem que tem tentado ser o fiel da balança em questões como o Irão, a Ucrânia e a Líbia, defendeu uma nova aproximação à Rússia de Vladimir Putin. "É a nossa vizinhança, temos o direito à autonomia, não apenas em seguir as sanções norte-americanas, mas em repensar a relação estratégica com a Rússia, sem sermos minimamente ingénuos e permanecermos igualmente duros com o processo de Minsk e com o que se passa na Ucrânia. É evidente que temos de repensar a relação estratégica. O que propus é um exercício que consiste em afirmar como vemos o mundo, os riscos que partilhamos, os interesses comuns que podemos ter e como reconstruímos aquilo a que chamei uma arquitetura de confiança e segurança.".Na defesa das suas ideias não fugiu à polémica com o presidente norte-americano Donald Trump ou com o brasileiro Jair Bolsonaro aquando dos incêndios que atingiram a Amazónia..Fim da Françafrique?.No que respeita a África, Macron defendeu em Uagadugu, no ano passado, que "já não existe política africana de França", a chamada Françafrique. No entanto, o presidente tem um conselho para África e o esquema do franco CFA, que beneficia Paris, não foi posto em causa. Macron aposta em especial nas relações económicas, em especial em países não francófonos, como a Etiópia, Nigéria, ou o Gana, que já visitou, ou Angola e África do Sul, que visitará em maio..Mantém 4 mil militares na Operação Barkhane, iniciada em 2014 por François Hollande, no combate aos extremistas islâmicos, numa faixa que vai da Mauritânia ao Chade. Prova de que gosta de convidar pessoas desalinhadas, convidou a MNE ruandesa Louise Mushikiwabo para chefiar a Organização Internacional da Francofonia, que anos antes acusara Paris de cúmplice pelo genocídio dos tutsis; e convidou o escritor senegalês Felwine Sarr, que diz que a "França não renunciou ao imaginário imperial e colonial" para o projeto de restituição de bens culturais a África.