Governo dividido concede acordo do brexit a Theresa May

Primeira-ministra britânica passou uma etapa para chegar a um acordo para a saída da União Europeia. Mas May tem pela frente a dura tarefa de convencer os deputados.
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Theresa May defendeu reiteradamente que mais valia não se chegar a acordo do que ter um mau acordo. Mas na quarta-feira, após mais de cinco horas de reunião e de "apaixonada discussão" sobre o princípio de acordo com a equipa governamental, a primeira-ministra deixou escapar uma outra hipótese: a de não haver brexit. "As alternativas são sairmos sem acordo ou sem brexit", afirmou.

A discussão foi "longa, pormenorizada e apaixonada", a ponto de os assessores terem chegado a informar os meios de comunicação de que não iria haver declaração final, para poucos minutos depois se desdizerem.

"As escolhas eram difíceis, em especial quanto ao mecanismo de salvaguarda da Irlanda do Norte. Mas a decisão coletiva do governo é que deve concordar com o princípio de acordo de retirada e com a declaração política", disse na breve mensagem que dirigiu aos jornalistas. "Este é um passo decisivo que nos permite seguir em frente e concluir o acordo", disse ainda, antes de voltar para o interior do número 10 de Downing Street e continuar a maratona de reuniões e telefonemas.

A primeira pessoa que recebeu foi Arlene Foster. A líder do partido unionista da Irlanda do Norte (DUP) tem sido inflexível quanto à possibilidade de haver um estatuto diferente para a Irlanda do Norte e para o resto do Reino Unido.

"Como unionistas não podemos apoiar um acordo que fragmente o Reino Unido", afirmou Foster antes da audiência com May.

É graças ao DUP que os conservadores mantêm uma maioria absoluta no Parlamento.

No mercado único até 2021. Ou até mais tarde

O principal obstáculo ao princípio de acordo estava na solução para impedir o regresso de uma fronteira física entre a província britânica da Irlanda do Norte e a vizinha República da Irlanda. Na prática, o que o acordo prevê é a continuidade de tudo como antes no mercado único e na união aduaneira durante um período de transição especial que termina no dia 31 de dezembro de 2020.

Durante este período, contudo, o Reino Unido deixa de ter voz nas decisões europeias.

Esse período, prevê o acordo de 585 páginas, poderá ser objeto de uma extensão, indica o artigo 3.º do protocolo sobre a Irlanda e Irlanda do Norte, desde que pedido pelo Reino Unido antes de 1 julho de 2020. O acordo não especifica por quanto mais tempo o Reino Unido pode manter-se na união aduaneira e no mercado único.

A chefe do governo recebeu também o líder da oposição Jeremy Corbyn, que horas antes tinha demolido a estratégia e o acordo proposto pela liderança conservadora.

Por fim, falou com a chefe do governo escocês por telefone, mas a conversa não terá corrido bem. Nicola Sturgeon já tinha feito saber a sua irritação pelo facto de não ter sido ouvida antes e defende que o seu país devia ter o mesmo tratamento que a Irlanda do Norte. Após o telefonema informou no Twitter que May tentou dizer que "os interesses 'particulares' foram protegidos". No entanto, respondeu, "não existe uma única menção à Escócia no acordo, o qual não tem em conta os interesses escoceses e coloca a Escócia em desvantagem competitiva grave".

Theresa May vai dirigir-se nesta quinta-feira à Câmara dos Comuns para voltar a falar sobre o princípio de acordo com a UE, em resultado de um pedido dos partidos da oposição.

Na Câmara dos Comuns, May vai enfrentar a ira de todos os campos: dos conservadores da linha dura, que não admitem que o acordo preveja a continuação da união aduaneira, ainda que temporária, dos trabalhistas, e do maior partido da Escócia, o SNP de Nicola Sturgeon.

Ao referir-se à possibilidade de "não haver brexit", May abrirá ainda mais o flanco para os defensores de um segundo referendo, presentes em quase todas as bancadas parlamentares. No caso dos liberais-democratas, é o caso do próprio líder, Vince Cable. "Após a declaração de Theresa May, a mudança essencial é que a primeira-ministra e o governo admitiram pela primeira vez que a escolha para o país não é só entre este mau acordo e não haver acordo. Além disso, não haver brexit é uma hipótese bem real", escreveu.

Mais de um terço em desacordo

Na noite anterior Theresa May recebeu cada um dos ministros para tentar garantir o apoio de todos. No entanto, segundo o editor do Daily Telegraph Christopher Hope, 11 dos 29 ministros e secretários mostraram-se contra o acordo.

A adesão do governo ao princípio de acordo era ponto prévio para permitir a organização de uma cimeira extraordinária de líderes europeus para validar o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia.

Esta cimeira pode realizar-se no domingo, 25 de novembro, confirmou o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, na quarta-feira.

Mas ainda há mais passos a dar. Os parlamentos europeu e britânico terão de ratificar o acordo antes da data de saída do Reino Unido da União Europeia em 29 de março de 2019.

Parlamento tem palavra final

E é no Parlamento britânico que está a chave para o desenlace do brexit.

Os partidários do brexit no partido de Theresa May não querem que o Reino Unido se mantenha na união aduaneira e no mercado comum e poderão pedir um voto de censura na quinta-feira, adiantou a editora de Política da BBC Laura Kuenssberg, citando fontes do Partido Conservador.

"Com este acordo, permaneceremos na união aduaneira, permaneceremos de facto no mercado único", lamentou Boris Johnson na BBC.

Mesmo que os brexiteers não reúnam um número suficiente de votos para avançar com a moção, poderão formar um grupo suficientemente grande para impedir que o acordo seja aprovado na Câmara dos Comuns. Nesse cenário, May não teria condições para continuar à frente dos destinos do país e o cenário de não haver acordo voltaria a ser o mais plausível.

Bruxelas vê "progressos decisivos"

"Este acordo representa uma etapa determinante para concluir as negociações", disse o negociador chefe da UE para o brexit, Michel Barnier, menos de uma hora depois de Theresa May, em Bruxelas. Com o calhamaço de 585 páginas na mão, detalhou que tinha 185 artigos, três protocolos e vários anexos.

O francês garantiu que o acordo salvaguarda todos os aspetos relativos à cidadania, bem como à propriedade intelectual e aos produtos de origem protegida.

"Esta noite considero que fizemos progressos decisivos", concluiu.

Jornais críticos

Os jornais britânicos não acolheram de braços abertos o aparente sucesso de Theresa May. "O plano do brexit de May: um governo dividido, um partido dividido e uma nação dividida", titulou em manchete o Guardian.

O Daily Telegraph limitou-se a citar a governante: "Vêm aí dias difíceis". Já o The Times faz um trocadilho com os papéis, ao escrever em manchete "May passa papel de parede nas fendas".

Menos dado a subtilezas, o tabloide The Sun conclui, também em jogo de palavras, que os britânicos não estão no brexit mas no brexshit (mistura de brexit com merda).

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