Polémica, alianças e equilíbrios. Candidatos à sucessão de Juncker debatem em Bruxelas
Os seis candidatos à presidência da Comissão Europeia encontram-se nesta quarta-feira para um derradeiro frente-a-frente, antes das eleições europeias. O debate terá lugar às 21.00 de Lisboa na sala do hemiciclo, nas instalações de Bruxelas, do Parlamento Europeu. Aproveitando a ideia ensaiada em 2014, o hemiciclo será transformado num estúdio de televisão e o debate será transmitido para toda a Europa.
Tal como aconteceu em Portugal, também o debate europeu será precedido por uma mensagem inicial de um minuto, para cada um dos candidatos. A ordem foi decidida por sorteio, cabendo a Nico Cué, da Esquerda Europeia, abrir as hostes. Aos 62 anos, o político belga, nascido em Espanha, é considerado pela imprensa do seu país como "um dos mais influentes sindicalistas da Bélgica e da Europa". Com a intervenção de Nico Cué, o arranque do debate deverá ser logo fortemente marcado pelas questões ambientais, já que o homem que aos 20 anos começou a trabalhar numa empresa metalúrgica de Liege é um defensor da descarbonização da economia.
Segue-se Ska Keller, que volta a ser a cabeça-de-lista de o Partido Os Verdes, tal como tinha acontecido em 2014. A política alemã tem partilhado ao longo de anos a liderança do partido europeu com o francês Joseph Bové. Franciska Maria Keller, que é defensora de políticas "ambientalmente responsáveis", surge nesta campanha a acenar a bandeira da igualdade de género e lembrando que "nunca houve uma mulher presidente da Comissão Europeia".
O terceiro interveniente é um eurocético. O eurodeputado checo Jan Zahradil, que representa a Aliança dos Conservadores e Reformistas na Europa na corrida à presidência da Comissão, vai opor-se ao federalismo europeu, alegando que "a União Europeia não é um Estado" e a Comissão Europeia também "não é um governo".
De acordo com um sorteio realizado em abril, os candidatos que potencialmente podem reunir consenso, entre as maiores famílias políticas do Parlamento Europeu, ficaram para o fim na sequência das intervenções.
Assim, segue-se a atual comissária da Concorrência, a dinamarquesa Margrethe Vestager, que concorre à presidência da Comissão como cabeça-de-lista da Aliança dos Liberais e Democratas. Vestager tem sido uma líder destemida dentro da Comissão Europeia, assumindo batalhas contra gigantes dos negócios. Google, Apple, Gazprom têm sido apenas alguns dos seus alvos. Se chegar a líder do executivo de Bruxelas promete "combate às alterações climáticas", além de colocar como objetivo "tornar mais verde a política agrícola comum".
O candidato do Partido Popular Europeu e atual eurodeputado, Manfred Weber, é o penúltimo a entrar em cena. Também ele deverá apostar nas políticas ambientais como uma bandeira da sua campanha. Disse, recentemente, numa entrevista ao jornal alemão Bild am Sonntag, que é importante travar "muito rapidamente uma luta contra o lixo nos mares em todo o mundo", se assim não for, "a próxima geração terá imensos problemas".
O candidato do Partido Socialista Europeu, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, encerra as intervenções iniciais. O holandês que esteve no passado fim de semana em Mangualde, num jantar-comício com Pedro Marques e António Costa. Uma das ambições de Timmermans é a criação de "um salário mínimo em todos os Estados membros da União Europeia que seria de cerca de 60% do salário médio".
Há um homem que não está no debate desta noite, mas várias fontes ouvidas em Bruxelas pelo DN afirmaram que é "o único" com potencial para vir a liderar o executivo comunitário. Referem-se a Michel Barnier, um nome que "muitos" gostariam de ver no Berlaymont, já que "ele daria um bom presidente", comentou uma das fontes.
Em 2014, Barnier esteve na corrida interna para a nomeação de um candidato do Partido Popular Europeu. Mas a escolha acabou por recair sobre Jean-Claude Juncker, num congresso em Dublin, na Irlanda, o qual viria a tornar-se presidente da Comissão Europeia, com a vitória nas eleições europeias de há cinco anos.
Quando a questão lhe foi colocada, Barnier disse que preferia concentrar-se nas discussões do Brexit, que lidera desde 2017. Há quem afirme que os sucessivos adiamentos da saída do Reino Unido da União Europeia - primeiro prevista para 29 de maio, depois para 12 de abril e agora apontada a 31 de outubro - inviabilizam qualquer ambição do político francês relativamente à liderança da Comissão Europeia.
Em 2014, com a nomeação de Jean-Claude Juncker para a presidência do executivo, depois de encabeçar a lista do partido vencedor das europeias, ficou a impressão de que o processo de seleção, lançado na sequência de uma ideia do anterior presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz, vingaria.
Desta vez, porém, o Conselho Europeu não quer abdicar de "um poder que lhe é reconhecido pelos tratados" como consideram líderes europeus, entre eles o primeiro-ministro português, António Costa.
"É um poder do Conselho escolher um candidato. Obviamente tem de ter em conta a composição do Parlamento, para depois não escolher um candidato que não recolha a maioria no Parlamento Europeu", afirmou Costa no final de uma cimeira, em que o Conselho Europeu teve pela primeira vez o tema na agenda oficial, para se posicionar relativamente a uma discussão que se tornou polémica.
O DN questionou o primeiro-ministro se é possível o sucessor de Jean-Claude Juncker não ser um dos nomes propostos nas listas, para as próximas eleições europeias, de candidatos à presidência da Comissão. A resposta é que "no limite, pode não ser".
A posição manifestada por António Costa reflete a intensão do Conselho Europeu e contraria o Parlamento. Os eurodeputados prometem bloquear qualquer nome proposto pelo Conselho Europeu que não saia das listas candidatas às eleições de 2019. Mas António Costa assume que não será esse o modelo que vai ser seguido, devendo a escolha "seguir aquilo que dizem os tratados. E, assim, será "o Conselho [que] propõe ao Parlamento Europeu um candidato a presidente da Comissão, tendo em conta os resultados das eleições" e não o contrário.
A alteração do acordo-quadro sobre as relações interinstitucionais, aprovada por uma larga maioria de eurodeputados, no início de fevereiro de 2018, procurou formalizar a introdução de um cabeça-de-lista - o chamado spitzenkandidat -, como aconteceu em 2014 com a nomeação do presidente Juncker. Mas, mesmo o próprio presidente do Parlamento Europeu não foi demonstrando uma determinação tão evidente, para manter o conceito do chamado spitzenkandidat. Donald Tusk defende que seja "enviada uma mensagem muito clara aos cidadãos europeus, dizendo-lhes que são eles quem decidem - com os Estados membros é certo -, e com a confiança do Parlamento Europeu".
O próprio presidente Jean-Claude Juncker assumiu que "a posição da Comissão é neutra", embora admita que o nome escolhido "talvez" não possa sair "diretamente" da lista mais votada. Dois destacados eurodeputados portugueses, de diferentes partidos políticos, também expressaram a sua posição ao DN, ainda quando o procedimento estava em fase de discussão. Carlos Zorrinho (PS) e Paulo Rangel (PSD) apoiam um papel "determinante" do Parlamento na escolha do líder do executivo comunitário. Nem um nem outro afirma que tem de ser o líder de uma das listas.
Na mais recente Cimeira Europeia, realizada há menos de uma semana, em Sibiu, na Roménia, os chefes de Estado e de governo dos 28 começaram a debruçar-se mais afincadamente sobre o tema. Vários líderes encontraram-se à margem da cimeira, já a pensar nas alianças necessárias para ajudar a definir os cargos de poder em Bruxelas.
O primeiro-ministro português, António Costa, por exemplo, esteve reunido com o homólogo holandês, o liberal Mark Rutte, com o também liberal chefe do governo belga, Charles Michel, e com o presidente francês, Emmanuel Macron, o qual também tem feito tentativas de aproximação aos liberais.
Dentro deste grupo de dirigentes, Macron, por exemplo, considera que "não pode acontecer que um partido decida sozinho" quem será o líder do executivo comunitário. O presidente francês, que tem sido um opositor ao candidato do Partido Popular Europeu, ironizou recentemente, questionando se "alguém saberá que o PPE nomeou Weber como candidato, num dia chuvoso, em Helsínquia".
António Costa, por sua vez, acredita que "há um nome consensual" entre aqueles que acredita virem a constituir a futura maioria, referindo-se a Frans Timmermans, que é o candidato do PSE, a família política europeia da qual faz parte o Partido Socialista.
A escolha do presidente da Comissão Europeia terá de obedecer ainda a outros fatores que é preciso ponderar e, como referiu o presidente do Conselho Europeu quando convocou uma cimeira para 28 de maio, imediatamente após as eleições europeias, a partir de agora é preciso encontrar "equilíbrio geográfico e demográfico, de modo a que grandes e pequenos países estejam representados nas posições mais altas", bem como "equilíbrio de género e político".
"Claro que seria bom se conseguíssemos consenso em todas estas decisões, mas temos de ser realistas, e não hesitarei em colocar as decisões a votos se o consenso se revelar difícil de alcançar", garantiu, Tusk, tendo em conta que ainda estão por definir, já neste ano, as presidências do Parlamento Europeu, do Conselho Europeu, ou os cargos de alto representante da UE para a Política Externa e a presidência do Banco Central Europeu.
O Tratado de Lisboa estabelece que os resultados das eleições europeias "têm de ser tidos em conta quando o Conselho Europeu propõe ao Parlamento Europeu o seu candidato a presidente da Comissão, depois de efetuadas as consultas adequadas", esclarece oficialmente a Comissão Europeia, referindo-se a declarações anexas ao tratado.
"O Conselho, deliberando por maioria qualificada e de comum acordo com o presidente da Comissão designado, aprova a lista das outras personalidades que tenciona nomear membros da Comissão, estabelecida em conformidade com as propostas apresentadas por cada Estado membro", estipulam os documentos.
"O presidente e os demais membros da Comissão, incluindo o alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, são colegialmente sujeitos a um voto de aprovação do Parlamento e, em seguida, nomeados pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada", pode ler-se, ficando entendido que é necessário uma dupla maioria entre o Parlamento e o Conselho.
O debate será transmitido em direto pela União Europeia de Radiodifusão, que é mais conhecida por Eurovisão. O Europe by Satellite, EbS, também será responsável pela distribuição do debate que será traduzido em simultâneo nas 23 línguas oficiais da União Europeia. As empresas europeias de rádio, teledifusão e online recebem gratuitamente o sinal, podendo distribuí-lo aos seus utilizadores.