Debates quinzenais: Costa e Rio quase a acabarem com a invenção de Seguro
"Conclusão da discussão e votação indiciárias dos Projetos de Regimento e das propostas de alteração apresentadas relativamente às matérias em apreciação na 3.ª fase de revisão."
É isto que determina, para quinta-feira, a agenda do grupo de trabalho que, na comissão de Assuntos Constitucionais, está a discutir um processo de revisão geral do Regimento da Assembleia da República.
O que deverá estar em causa numa dessas votações "indiciárias" - ou seja, carecendo depois de serem confirmadas em plenário - é o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro (PM). Quem avançou com a ideia foi o PSD; o PS alinha, embora formalmente não a tenha proposto; e o resto dos partidos protestam, argumentando que o "bloco central" (coligação PS+PSD) está assim a diminuir o escrutínio parlamentar ao chefe do Governo.
O que falta saber é a solução que surgirá no lugar dos debates quinzenais. O PSD quer, no essencial, que estes debates com presença obrigatória do PM passem a ser mensais.
Há dias, numa entrevista à Lusa, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, confirmou como o Governo e o PS estão alinhados com o PSD: "Eu não partilho da ideia de que é absolutamente necessário o primeiro-ministro estar todos os quinze dias no Parlamento para que a fiscalização do Parlamento seja eficaz. Algumas das matérias que são discutidas nesses debates quinzenais até seriam mais produtivas, pelo seu detalhe, se fossem discutidas com ministros das várias tutelas setoriais."
Tudo aponta, portanto, para que as votações no plenário desta alteração regimental se façam a muito curto prazo (nos próximos dias), querendo isso dizer que na próxima sessão legislativa já não deverão ser agendados debates quinzenais.
Para o atual chefe do Governo será uma boa notícia. Muito antes de ser primeiro-ministro, já Costa vociferava que esta "uma das invenções mais estúpidas que a Assembleia da República fez nos últimos anos".
Estas considerações foram feitas em 2013, ainda Costa não era nem líder do PS nem primeiro-ministro. No seu entender, os debates quinzenais foram "coreografados para serem um duelo entre matadores" e quem faz essas coreografias é "ou o primeiro-ministro" que "mata o interpelante líder da oposição, ou o interpelante líder da oposição - ou algum dos outros líderes - mata o primeiro-ministro".
Isto só serve, acrescentava então, para a "deterioração cada vez mais acentuada das relações entre os principais locutores [políticos]" porque se "tornou um duelo e esse duelo é fatal". "A democracia e os consensos não se conseguem com duelos" e "quando a principal exposição das diferenças políticas tem o objetivo de matar o adversário, isto tem consequências": são "um fator que condiciona a possibilidade da eficácia da consensualização política".
Costa dizia então não se recordar de quem tinha inventado os debates quinzenais ("não sei quem foi mas as ideias são estúpidas independentemente de quem as tem"). Mas lembrava-se certamente - tinha sido, em 2007, António José Seguro, que em 2013 liderava o PS e que no ano seguinte veria a sua liderança ser posta em causa pelo próprio Costa.
Seguro inventou o debate quinzenal argumentando que iria melhorar o escrutínio do Parlamento sobre o Governo, dando assim mais direitos à oposição. A proposta de revisão do regimento que apresentou - sendo então José Sócrates primeiro-ministro - enquadrava-se, no seu entender, num percurso de progressivo reforço dos direitos das oposições que se tinha iniciado em 2003.
Nesse ano, a presença obrigatória do primeiro-ministro no plenário da AR para responder a perguntas dos deputados passou a ser mensal. Até lá era, no essencial, muito escassa: debates do Orçamento do Estado, moções de censura ou de confiança, debates do programa de Governo, os debates anuais do Estado da Nação (criados em 1993, sendo Cavaco Silva primeiro-ministro).
Já fora da política, depois de derrotado por Costa no PS em 2014, Seguro defenderia a sua obra política em 2016, num livro, editado pela Quetzal, intitulado "A Reforma do Parlamento Português, o Controlo Político do Governo".
O que também está em causa nos atuais trabalhos de revisão do Regimento da AR é ainda uma outra proposta do PSD visando diminuir de três para duas a realização semanal de reuniões do plenário parlamentar.
A proposta foi discutida esta terça-feira e mereceu criticas dor PCP, CDS, PAN e IL, sendo também recebida com reservas pelo PS - que no entanto admite "flexibilizar" a organização dos trabalhos.
Atualmente, o plenário reúne-se às quartas, quintas e sextas-feiras, e apenas o PSD quer introduzir uma alteração a este formato, determinando que "por regra" as reuniões plenárias passariam apenas para as quartas e sextas, exceto quando se realizassem debates com o Governo ou outros especiais, que ficariam marcados para quinta-feira. Caso contrário, essa tarde estaria reservada ao trabalho das comissões.