Portugal de olhos em África a começar pelo vizinho Marrocos

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É já nesta semana em Bruxelas e coincidindo com a presidência semestral francesa da União Europeia que se realiza a sexta cimeira UE-África, excelente oportunidade para a cooperação entre dois continentes que no estreito de Gibraltar chegam a estar distantes apenas 13 quilómetros. Ora, se a geografia aproxima europeus e africanos, assim como a história, a economia surge como o principal inspirador das relações atuais. Enquanto a Europa tem a tecnologia e os meios financeiros que fazem falta a África, esta tem os recursos tanto naturais como humanos que escasseiam a norte do Mediterrâneo. E quando digo recursos humanos falo em vários sentidos, a começar pelos jovens que veem o norte como o eldorado e fazem falta como mão-de-obra a um continente em crise demográfica, mas também pela capacidade produtiva e pelos mercados que o sul tem e que justificam mais investimento; isto sobretudo numa altura em que o Ocidente se consciencializou da importância de não estar demasiado dependente da China, nestas últimas décadas tida como uma espécie de fábrica do mundo.

Portugal, que em 2007 acolheu em Lisboa a segunda cimeira Europa-África, bem gostaria de ter visto esta agora coincidir com a sua presidência da UE no primeiro semestre de 2021, embora o encontro virtual com a Índia no Porto tenha compensado de certa forma a nossa diplomacia e servido também a estratégia de procurar alternativas à tal relação excessiva com a China. Agora, a prioridade portuguesa deve ser marcar discretos pontos durante o encontro na capital belga, onde além dos líderes da UE e dos seus 27 países estarão presentes os dirigentes da União Africana e da meia centena de membros da organização, com exceção das juntas golpistas no Mali, Guiné-Conacri e Burkina Faso.

Pontos discretos que, ganhos, se somarão a projetos mais ou menos conhecidos que têm vindo a ser desenvolvidos com sucesso por Portugal, como o forte reforço da cooperação com Marrocos, prioridade para Lisboa e Rabat. Os países lusófonos continuarão, claro, a estar na primeira linha das nossas atenções, mas tal como Angola é uma aposta para França e Espanha (a visita a Luanda em 2021 do primeiro-ministro Pedro Sánchez não camuflou ambições), o nosso vizinho do sul constitui uma excelente porta de entrada em África para as empresas portuguesas, malgrado competidores mais bem instalados de longa data. Não só a estabilidade política é garantida pelo papel moderador do rei Mohammed VI, como a economia é das mais diversificadas de África: ainda há dias foi lançada a primeira pedra de uma fábrica de vacinas que tenciona dar autossuficiência a Marrocos além de servir de grande exportador para os países africanos, cuja fragilidade de abastecimento na matéria foi evidente durante a pandemia da covid-19.

Com Marrocos a galgar lugares na hierarquia dos nossos parceiros comerciais extra-UE durante o ano passado, tudo indica que a aproximação luso-marroquina está a correr bem. Outro sinal da colaboração mútua entre os dois governos (socialista por cá e agora reconfirmado nas urnas, liberal em Rabat desde as eleições de setembro de 2021) é o acordo para regular a entrada de trabalhadores marroquinos em Portugal, forma de combater a migração ilegal sem deixar de atender aos sonhos individuais e às necessidades da economia.

Não está sozinho Portugal nesta aposta em Marrocos, pois além de Espanha e de França, também vizinhos e com longo historial no país magrebino, a UE no seu conjunto acaba de prometer 1,6 mil milhões de euros em investimentos ao reino, com a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, a visitar Rabat e a ter encontros com o primeiro-ministro Aziz Akhannouch e o ministro dos Negócios Estrangeiros Nasser Bourita.

A ideia é apoiar a transição verde e digital publicamente assumida pelas autoridades e não faltarão oportunidades para as empresas portuguesas nesta parcela de África tão empreendedora e aqui tão próxima mas às vezes tão esquecida da opinião pública, tirando quando tragédias como a do pequeno Rayan, caído num poço no norte de Marrocos, atraem a comoção geral.

"Quando nós olhamos para o que acontece hoje num país como Marrocos, percebemos facilmente que não só há essa consciência da necessidade de abandonar as energias fósseis como há políticas específicas para alterar o padrão da política energética nacional e para retirar vantagens de recursos que o país também tem", afirmava, com conhecimento óbvio de causa, em finais de novembro, em Barcelona, o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva, numa entrevista ao DN à margem da reunião da União para o Mediterrâneo.

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