Duas vezes por ano, desde que não se realizem eleições de âmbito nacional, os cadernos eleitorais são limpos - um processo administrativo que passa por verificar se os eleitores com mais de 105 anos inscritos na Base de Dados do Recenseamento Eleitoral (BDRE) estão vivos. Neste ano, foram detetados quase dois mil eleitores com esta idade e já foi possível verificar que 26 fizeram prova de vida. O número até pode parecer surpreendente, mas é preciso lembrar que em Portugal existem mais de quatro mil centenários..Este é um procedimento imposto pela Lei do Recenseamento Eleitoral e que tem como objetivo eliminar dos cadernos todos os eleitores com mais de 105 anos que já tenham morrido - os denominados "eleitores fantasma" - e que não colide com a limpeza automática que é feita diariamente através da comunicação entre a base de Dados do Recenseamento Eleitoral e os serviços dos Registos e Notariado - todos os dias a Administração Eleitoral recebe uma média de 321 comunicações de óbitos em Portugal e no estrangeiro..No ano passado não houve esta atualização porque se realizaram dois atos eleitorais - europeias (maio) e legislativas (outubro). Esta - e a segunda atualização anual que se iniciará em julho - abrangerá assim dois anos e ditará os eleitores com mais de 105 anos que constarão dos cadernos nas presidenciais de janeiro de 2021..A necessidade de fazer esta verificação manual acontece, por um lado, porque ainda existem muitos bilhetes de identidade vitalícios mas também porque, sobretudo em 1975-1976 houve pessoas que se inscreveram nas comissões recenseadoras sem que tivessem documento de identificação, apresentando apenas assentos de nascimento. A falta desse documento impede que a Administração Eleitoral e os Registos e Notariado possam fazer uma uma identificação unívoca cada vez que há a comunicação de um óbito - explica Joaquim Morgado, secretário-geral adjunto da Administração Interna e para Administração Eleitoral..Como funciona o processo.Ao todo, a Administração Eleitoral encontrou registados 1925 eleitores com uma idade superior a 105 anos, inscritos em 764 freguesias do território nacional e em 54 postos consulares no estrangeiro. Depois de estes eleitores serem identificados, as juntas de freguesia onde estão recenseados são contactadas para se apurar se o eleitor ainda é vivo. Se a resposta for que o cidadão já morreu, então a Administração Eleitoral contacta os registos civis. Ainda assim, o nome não é imediatamente retirado dos cadernos - é feita uma segunda comunicação ao eleitor para que faça prova de vida. Se não houver resposta, o nome desaparece ao fim de 30 dias. O processo é "complicado" e não demora menos de cinco a seis meses até estar concluído.."Duas mil pessoas é um número grande, mas quando temos cerca de 11 milhões de inscritos, é residual. Este procedimento é um tratamento excecional dos cadernos, de forma a verificarmos que não temos pessoas ativas no recenseamento que já não deviam estar inscritas", afirma Joaquim Morgado..A expectativa da Administração Eleitoral é vir a receber a indicação de que muitas destas pessoas agora identificadas já morreram, para que os seus nomes sejam eliminados. "Mas temos casos positivos e, até à semana passada, havia mais de 20 pessoas notificadas que continuavam vivas. Se votam ou não, para nós é indiferente. Estando vivas podem continuar a exercer o seu direito de voto se o puderem e entenderem fazer", acrescenta..167 óbitos confirmados, 89 casos inconclusivos.Para chegarem na primeira semana de fevereiro à conclusão de que existem 26 eleitores vivos com mais de 105 anos, foram feitos mais de 800 contactos e, desses, 282 já tiveram resposta - 167 inscrições foram confirmadas como óbitos e 89 revelaram-se inconclusivas. O que quer dizer que não foi possível à comissão recenseadora apurar qual a situação do cidadão. Tanto estes últimos como os dados como mortos serão notificados individualmente com vista à sua suspensão na Base de Dados do Recenseamento Eleitoral..Em 20 anos de existência (1999-2019), a BDRE registou mais de 439 mil óbitos face aos do Instituto Nacional de Estatística (INE). Só em 1998 e 1999, com a centralização do recenseamento e a criação da BDRE, foram eliminados mais de 355 mil nomes de cidadãos que já tinham morrido e ainda surgiam nos cadernos como eleitores ativos..Esta limpeza administrativa dos cadernos eleitorais leva Joaquim Morgado a recusar os dados que são constantemente avançados e que apontam para a existência de mais de 700 mil eleitores-fantasma. "Há quem fale em 300 mil, 700 mil, um milhão, dois milhões... Não encontro fundamento para isso. Continuamos a analisar seriamente os resultados e daquilo que temos e podemos ver sobre as inscrições, não lhes posso chamar eleitores-fantasma. Estamos a falar nisto há 20 anos, desde que o processo é feito desde a base de dados do recenseamento e das comunicações automáticas entre o registo civil - todos os óbitos são registados diariamente, todos os tratamentos são feitos diariamente. Há um trabalho muito sério, que tem décadas, de expurgo do recenseamento.".Emigração versus abstenção.Se a existência de eleitores-fantasma nos cadernos eleitorais pode alterar os valores da abstenção nacional - fazendo que os números sejam mais elevados do que são na realidade, há outro fator que pesa: a emigração. Ou seja, os portugueses que vivem no estrangeiro mas se mantêm registados em território nacional..O recenseamento automático no estrangeiro, que acontece desde 2018, transferiu muitos eleitores para os cadernos da emigração, mas subsistem os casos de quem faz questão de se manter registado cá. "Não podemos fazer nada. É uma premissa que o cidadão tem de não querer alterar a sua morada. Altera o valor final, sim, mas temos de manter essas pessoas inscritas", explica Joaquim Morgado..Entre estas pessoas incluem-se a emigração recente, que tem expectativas de regressar a curto prazo e que, por exemplo, ainda têm empréstimos bancários à habitação e não querem alterar os contratos, ou por outras razões, como as fiscais. A estes eleitores é-lhes aconselhado que se desloquem a um consulado e votem como deslocados.."A transferência de nacionais para o estrangeiro é algo que é demográfico e é dinâmico - o próprio recenseamento é dinâmico. Se fizermos eleições de três em três meses o universo de eleitores varia de eleição para eleição e conforme o tipo eleição", diz..E exemplifica: se for para o Parlamento Europeu, há mais eleitores porque os cidadãos da União Europeia a viver em Portugal podem votar e estar inscritos, se for para a Assembleia da República, cidadãos de uns países podem votar e outros não. Por isso, frisa, é sempre importante olhar para os números do recenseamento que são tirados cerca de 60 dias antes de cada sufrágio.