Donos de alojamento local contestam agravamento das tarifas da água

A EPAL vai passar a cobrar o alojamento local como se fosse comércio. Os proprietários estão indignados e argumentam que as regras em vigor em Lisboa consideram o AL "compatível" com o uso para habitação.
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A conta nunca passava dos 35 euros. Por isso quando recebeu a última fatura da água do alojamento local (AL) que explora em São Vicente, em Lisboa, Margarida ficou surpreendida com os 99 euros que estavam a ser cobrados pela EPAL. No esclarecimento, a empresa que gere o abastecimento da água na capital explicou que está a atualizar as tarifas do alojamento local. Em vez de consumo doméstico, vai passar a ser cobrado como comércio ou indústria. O valor é quase três vezes mais alto.

No Facebook, as queixas são às dezenas e provêm de todo o país. "Começou com a Tavira Verde, que foi a primeira a mudar o tarifário. A Águas do Porto também já aplica a tarifa comercial", explica ao Dinheiro Vivo Carla Costa Reis, que criou o grupo Alojamento Local - Esclarecimentos. Ela própria é dona de uma casa em Lisboa que arrenda a turistas. A EPAL mudou-lhe a tarifa no início de 2017. Carla Reis Costa contestou e a empresa devolveu-lhe o dinheiro. "O Plano Diretor Municipal (PDM) de Lisboa é muito claro e define o uso habitacional para o alojamento local. O uso que é dado à água no AL não é para rega, não é de lavagem de carros. É o uso para tomar banho, para beber ou para cozinhar. Esse uso é habitacional, logo está incluído no tarifário doméstico da EPAL", defende.

Segundo o PDM de Lisboa que está em vigor, uso habitacional "compreende as áreas afetas à residência unifamiliar e coletiva, incluindo instalações residenciais especiais (estabelecimentos de alojamento local [...] que, em função da dimensão da área e dos serviços prestados, manifestem especial compatibilidade com o uso habitacional)".

Quando a EPAL devolveu o dinheiro a Carla Reis, ainda em 2017, explicou que se encontrava na altura a "aguardar diligências", entendendo "repor a classe de consumo para doméstico até clarificação".

Questionada pelo Dinheiro Vivo sobre as queixas recentes dos proprietários, a empresa remeteu a mudança do tarifário para a nova lei do alojamento local, que entrou em vigor em outubro. "As regras de aplicação e definição da atividade estão definidas no diploma. O tarifário da EPAL compreende uso doméstico e uso não doméstico. Utilizador doméstico é entendido como aquele que use o prédio urbano servido para fins habitacionais do próprio e/ou do seu agregado familiar. Todas as situações restantes são entendidas como uso não doméstico", explicou a EPAL.

A lei define como alojamento local os estabelecimentos que, através de pessoa singular ou coletiva, prestam "serviços de alojamento temporário a turistas mediante remuneração".

"Ninguém vende garrafas de água em casa"

O advogado Miguel Torres Marques, que no ano passado emitiu um parecer jurídico a contestar a ação da EPAL, considera que a lei protege as pessoas singulares. "Há uma tarifa que se aplica às pessoas singulares e outra que se aplica às pessoas coletivas. Uma das modalidades de AL é a figura "quartos", ou seja, pessoas que vivem na sua própria casa e recebem hóspedes. A morada é própria e permanente e mesmo assim está a ser aplicada uma tarifa não doméstica, ao contrário do que diz o regulamento. Os proprietários de AL podem apresentar uma reclamação se forem pessoas singulares. Apesar de ser uma atividade económica, o facto é que é usado para habitação", explica o advogado.

Carla Costa também aconselha os proprietários a reclamar. "Quando arrendamos uma casa, o senhorio faz dinheiro com ela mas não é por ter lucro que as pessoas que usam aquela casa passam a ter um tarifário comercial. Com o alojamento local é a mesma coisa. Neste momento não há argumentação nenhuma que a EPAL possa desenvolver que justifique o tarifário comercial. Ninguém vende garrafas de água em casa", justifica.

A proprietária conta que no ano passado a empresa lisboeta ressarciu algumas dezenas de consumidores, "alguns em milhares de euros". Além do PDM, os proprietários recorrem a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, emitido antes da alteração da lei, segundo o qual o "alojamento local não é um ato de comércio". O acórdão em questão diz respeito a uma disputa judicial num condomínio.

A EPAL não é a única empresa que está a aplicar a tarifa comercial no alojamento local. A Águas do Porto também o faz. "No Porto o PDM não menciona o uso que é dado ao alojamento local, e assim é mais difícil argumentar", explica Carla Reis. O Dinheiro Vivo tentou contactar a empresa, sem sucesso. No Porto, a tarifa doméstica do primeiro escalão é de 0,573 euros por metro cúbico, enquanto a tarifa comercial é de 1,9451 euros. Aqui, só se a morada fiscal do proprietário coincidir com a do AL é que a Águas do Porto aplica a tarifa doméstica.

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