Marine Le Pen na Web Summit. Medina e Costa sob pressão

Podem o governo e a Câmara de Lisboa pressionar os organizadores da cimeira para desconvidarem a líder da extrema-direita francesa? O fundador diz que basta pedirem.
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Os socialistas no governo e na Câmara Municipal de Lisboa (CML) estão a ser pressionados para eles próprios pressionarem a organização da Web Summit para retirar o convite feito à líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, para ser uma das oradoras na cimeira deste ano, que decorrerá de 5 a 8 de novembro na Altice Arena, em Lisboa.

Paddy Cosgrave, fundador da cimeira, respondeu nesta terça-feira numa nota. Afirma que este é "espaço aberto ao debate entre vários pontos de vista" e garante que "se os nossos anfitriões, o governo português, nos pedirem para cancelar o convite a Marine Le Pen, nós vamos respeitar esse pedido e vamos fazê-lo imediatamente".

Justifica o convite à líder da extrema-direita União Nacional com a "liberdade de expressão é um direito fundamental na UE e o pilar de qualquer sociedade democrática",

Acrescenta que considera as opiniões de Marine Le Pen "erradas", mas que considera que deixar "ideias extremas" de fora da conferência é o "caminho fácil".

Em Portugal, a direção do Bloco de Esquerda verbalizou ontem oficialmente apelos nesse sentido - mas as pressões junto dos executivos de António Costa e de Fernando Medina vêm de dentro do próprio PS. Governo, câmara e os organizadores da iniciativa mantém-se em silêncio.

No Facebook, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro dificilmente poderia ter sido mais explícito. "Não podemos permitir este branqueamento do fascismo numa Europa onde ele vai ressurgindo com roupagens trendy, como seria o caso de convidar uma dirigente fascista para subir ao palco de um evento financiado com dinheiros públicos portugueses. Não colhe nenhuma tentativa de apelar à "tolerância democrática" para dar voz a quem quer acabar com a tolerância e com a democracia", disse.

Concluindo, categórico: "Ao fascismo não se dá voz: proíbe-se, como na Constituição da República Portuguesa. Mata-se o mal pela raiz, bem cerce, evitando a contaminação da democracia e as tragédias do século XX europeu. É por isso simples até que percebam a mensagem: Le Pen não pode falar na Web Summit."

O PCP também não quer ver a líder da Frente Nacional francesa em Lisboa. "Só pode merecer condenação que, a pretexto da Web Summit - uma cimeira que, promovida a partir de uma dimensão tecnológica, afinal expressa os interesses e objetivos do grande capital -, se promova a ideologia e figuras proeminentes da extrema-direita." E este é um "facto tão mais inaceitável quando se está perante uma iniciativa realizada em Portugal com apoios públicos", disseram os comunistas, numa nota escrita enviada ao DN.

Já para o Bloco de Esquerda, que ontem se pronunciou através de uma conferência de imprensa da deputada e dirigente bloquista Isabel Pires, "tem de haver uma tomada de posição e tem de ficar esclarecido qual é a posição do governo e da Câmara de Lisboa sobre este convite". "Não é aceitável que dinheiros públicos possam ser utilizados para, na verdade, ajudar Marine Le Pen a ter mais uma plataforma para passar mensagens de xenofobia e de racismo, como é a sua linha política", disse ainda, recordando que o investimento público foi de 3,9 milhões de euros, para três anos.

No PS há quem se oponha categoricamente à vinda de Le Pen a Lisboa, mas também há quem desdramatize. "Se Le Pen será ou não oradora na Web Summit, é uma decisão 100% da organização desse evento privado", disse ao DN João Vasconcelos - que em 2016 foi, como secretário de Estado da Indústria, um dos grandes impulsionadores da vinda para Lisboa desta cimeira.

No seu entender, ouvir a líder da Frente Nacional francesa "é a melhor maneira de combater eficazmente as suas ideias", ela "tem mais a perder do que a ganhar com a vinda a Portugal". "Assistir a uma intervenção desta senhora num dos eventos mais tolerantes, sofisticados e cosmopolitas que conheço será um momento único e, mais uma vez, demonstrador de que a Web Summit já não se trata só de tecnologia e startups mas sim de futuro e de debater que sociedade queremos. Para isso temos de ouvir todos, nomeadamente os que pensam diferente", escreveu ainda Vasconcelos no Facebook. Segundo acrescentou, o facto de o evento ter financiamento público em nada diminui o seu carácter privado.

O post de Vasconcelos gerou intensa troca de argumentos na respetiva caixa de comentários, participando inclusivamente camaradas do PS. Pedro Delgado Alves, deputado e ex-líder da JS, rebateu veementemente as ideias do ex-secretário da Indústria: "Parece-me mais importante denunciar e desmontar o perfeito disparate argumentativo que aqui deixaste do que deixar passar em claro um post perigoso como este", escreveu. Acrescentando: "A mim desagrada-me que [Marine Le Pen] venha à minha cidade, nem imagino como se consegue não estar incomodado em partilhar um evento. Ultrapassa-me. Mas não posso deixar de denunciar em todo o lado. Inaceitável, injustificável e insustentável."

Quem radicalmente discorda da posição de Vasconcelos é também o dirigente centrista Nuno Melo. Vice-presidente do CDS-PP e eurodeputado (como aliás Marine Le Pen), Melo considera "no mínimo estranho" que a Web Summit seja "utilizada para agendas políticas" quando se deveria concentrar nos seus temas principais: "A economia, a inovação, o conhecimento e a sua partilha." "Já no ano passado tínhamos visto este evento dedicar muito tempo a criticar Donald Trump", recordou. E deve o Estado - via governou, ou CML, ou ambos - pressionar a organização para retirar o convite? "A relevância está no convite, não está na retirada do convite. O convite foi estranho, mas um desconvite seria deselegante."

O DN tentou, em vão, obter um comentário da direção nacional do PSD.

Internacionalmente já começou a ser divulgada uma petição contra a participação de Marine Le Pen na Web Summit deste ano, dinamizada por uma ex-funcionária da Google.

Há outros políticos convidados, como os comissários europeus Margrethe Vestager (Concorrência), Carlos Moedas (Investigação, Ciência e Inovação) e Mariya Gabriel (Economia e Sociedade Digitais), ou Mounir Mahjoubi (secretário de Estado da França para os Assuntos Digitais).

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