CDS quer PR a nomear governador do Banco de Portugal. Problema: é inconstitucional

O CDS quer que seja o Presidente da República a nomear os presidentes das entidades reguladoras como o Banco de Portugal, a ERSE ou a CMVM, entre outras. Poderes presidenciais estão definidos na Constituição e não podem ser alterados por uma lei ordinária, conclui parecer técnico do Parlamento.

O Parlamento debate nesta quinta-feira um projeto de lei do CDS que defende alterações à forma de nomeação dos membros das entidades administrativas independentes - que passariam a ser nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do governo e após audição pública pelos deputados -, mas a proposta chega a plenário com o carimbo de "inconstitucional".

A conclusão é dos serviços técnicos da Assembleia da República (AR) que, no habitual parecer aos projetos legislativos, refere que o texto do CDS não está conforme à Lei Fundamental, ao atribuir poderes ao Presidente da República que não estão previstos na Constituição - e que não podem ser acrescentados através de uma lei "normal".

"O artigo 110, número dois, da Constituição da República Portuguesa determina que a formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição e não outros, ao contrário do pretendido pelos proponentes", refere o relatório dos serviços da AR, que não deixa margem para dúvidas: "Deve ser assinalada a inconstitucionalidade do projeto de lei, decorrente da solução proposta com incidência nas competências do Presidente da República."

A afirmação da inconstitucionalidade do texto consta, aliás, do parecer votado na manhã de ontem pelos deputados, tendo recolhido o voto favorável de todos os partidos, com a exceção do CDS, que se absteve. Os próprios centristas apontam, no texto do projeto de lei, o que apelidam de "desafio constitucional" das medidas propostas.

O projeto do CDS - que já foi levado a votos em 2010, sendo então chumbado pelas bancadas da esquerda - aplica-se a dez entidades administrativas independentes, com a novidade de incluir agora o Banco de Portugal, que não constava da versão anterior: Banco de Portugal, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, Autoridade da Concorrência, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, Autoridade Nacional de Comunicações, Autoridade Nacional da Aviação Civil, Instituto da Mobilidade e dos Transportes, Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e Entidade Reguladora da Saúde.

O objetivo dos centristas é que os membros dos órgãos de direção das entidades administrativas independentes sejam nomeados pelo Presidente da República, "sob proposta do governo e após audição pública na Assembleia da República". O documento estabelece também que os membros destes organismos não podem ser nomeados "depois de fixada a data das eleições presidenciais e até à posse do novo Presidente", o mesmo acontecendo com a convocação de eleições legislativas e até à tomada de posse dos novos membros do Parlamento. O projeto estabelece ainda a interdição de nomeação de quem tenha sido membro de órgãos executivos de empresas, sindicatos, confederações ou associações empresariais do setor regulado pela entidade administrativa independente, nos dois anos precedentes.

"O mais importante é perceber se há uma maioria parlamentar"

Cecília Meireles, vice-presidente da bancada do CDS, admite a particular preocupação com o Banco de Portugal, que agora surge incluído no rol de entidades abrangidas. "A regulação e a supervisão financeira em particular têm tido os problemas graves que conhecemos", sublinha a deputada, defendendo que uma responsabilidade de nomeação tripartida entre três órgãos de soberania permitirá um "fortalecimento da regulação", mas também "um reforço da independência e uma maior responsabilização destas entidades".

A parlamentar centrista desvaloriza a questão constitucional. "Não é a primeira vez que discutimos este problema. Do nosso ponto de vista não é necessária uma revisão constitucional" para aplicar esta medida, diz Cecília Meireles, defendendo que o mais importante "é perceber se há uma maioria parlamentar que esteja de acordo com esta ideia". Se essa maioria existir, o CDS diz-se disponível para, posteriormente, estudar formas de tornar juridicamente possível a sua aplicação.

Mas as bancadas da esquerda tendem a não concordar. Fernando Anastácio, do PS, antecipa que os socialistas vão ter uma "posição contrária" ao texto do CDS. "Os poderes do Presidente da República são os que estão na Constituição. Não é possível alterar a Constituição por uma lei ordinária", diz o deputado, defendendo que toda a proposta fica "inquinada com a solução de fundo". "É uma não questão", a proposta "não tem o objetivo de ser levada a sério", critica Fernando Anastácio.

Também o PCP argumenta que a nomeação dos membros das entidades reguladoras pelo Presidente da República é inconstitucional, mas a bancada comunista não quis adiantar o sentido de voto. O Bloco de Esquerda antecipou que deverá votar contra o projeto.

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