Guerra, impasse, guerra...
Numa das minhas reportagens em Israel e nos territórios palestinianos, em 2003, cheguei a Telavive dias depois de um duplo atentado junto à estação de autocarros. No local das explosões, um memorial com velas e algumas fotografias lembrava os 23 mortos. Fui depois até Belém, na Cisjordânia, cidade cujo acesso estava bloqueado exceto a jornalistas e poucos outros e por isso vazia dos turistas que alimentam a economia local, e a Praça da Manjedoura, com a Igreja da Natividade, era um deserto, com restaurantes e lojas de artesanato de portas fechadas. Ao contrário de outros momentos, não se viviam combates na cidade onde Jesus nasceu, mas o presidente da câmara, um cristão, contou-me do desemprego, da falta de perspetivas dos jovens, da frustração dos palestinianos que acreditaram que os Acordos de Oslo assinados pela OLP e Israel uma década antes trariam a paz. No regresso, junto a um check-point a caminho de Jerusalém, vieram vender-me um keffiah. Não me senti confortável com a atenção dos soldados israelitas de metralhadora, os mesmos que minutos depois olharam para o passaporte e me deixaram passar.
Isto foi há quase 20 anos e entretanto voltei. Num jantar com um dos filhos de Shimon Peres, um dos fundadores de Israel e junto com Yitzhak Rabin e Yasser Arafat Nobel da Paz em 1994, este explicou-me que os israelitas tinham aprendido a viver quase sem ter de pensar nos palestinianos. O muro e reforçadas técnicas de segurança tinham conseguido travar os atentados e assim, sem o terror permanente de antes, a vida seguia na nação startup. Também com um eleitorado mais à direita desde a chegada maciça dos judeus da ex-URSS, quase desapareceram os políticos israelitas com motivação para negociar uma solução para o conflito com a Fatah, principal partido da OLP, acrescentava Chemi Peres, investidor em startups e presidente da fundação criada pelo pai, um pacifista que chegou a chefe do Estado judaico.
Bem, nem sempre a vida segue assim tão tranquila para os israelitas, pois com alguma regularidade os rockets disparados pelo Hamas a partir da Faixa de Gaza matam e sobretudo aterrorizam, pois a eficácia do sistema israelita antimíssil é enorme mas não de 100%. A retaliação israelita costuma ser mais mortífera, pois Gaza tem uma densidade populacional tremenda e o Hamas pouco cuida de afastar as instalações militares dos prédios com civis. Tenta proteger-se assim, e além disso, no final, a contabilidade de mortos joga a favor na estratégia de vitimização aos olhos do mundo.
Na vaga de violência destes últimos dias, que abala Israel e territórios palestinianos, percebe-se o quanto tem faltado a vontade de negociar a paz, uma paz aceitável para ambos os lados, baseada nos Acordos de 1993 ou não. Israel tem feito eleições sobre eleições e sempre com resultados inconclusivos, e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu certamente que não vê no diálogo com os palestinianos uma prioridade, até porque a opinião pública está dividida e os partidos ainda mais. Já no lado palestiniano, eleições são uma miragem e mesmo as previstas para este mês (legislativas) já foram adiadas, tal como as presidenciais de julho. Mahmud Abbas, líder da Fatah e presidente palestiniano, não confia na vontade das urnas, até porque estas, cada vez mais, parecem estar destinadas a dar a vitória ao Hamas, movimento islamita que tenta afirmar-se como o campeão do nacionalismo palestiniano. E ao Hamas interessa muito mais derrotar os rivais palestinianos laicos, nas urnas ou nas ruas agora da Cisjordânia, do que negociar com Israel, o qual nunca desistiram de tentar destruir.
Não são tempos para otimismos. Mesmo com Joe Biden na presidência em vez de Donald Trump, os Estados Unidos, único mediador possível, não estão em condições de impor bom senso. E com tanta violência, perde Israel e perdem os palestinianos.
O primeiro porque mesmo estabelecendo relações com o mundo árabe não terá paz enquanto grupos como o Hamas conseguirem instigar violência em Jerusalém Oriental e até entre a minoria árabe do país, os segundos porque a cada rocket do Hamas menos provável é que surja no outro lado, mesmo no pós-Netanyahu, um governante com mandato para lançar de novo sobre a mesa a solução dos dois Estados.