Quatro meses depois de ter ardido durante os mais violentos protestos dos coletes amarelos nos Campos Elísios, o famoso restaurante Fouquet's - onde Nicolas Sarkozy festejou a sua vitória nas presidenciais de 2007 - vai voltar a abrir as portas este domingo. A reabertura coincide com o Dia da Bastilha, quando esta avenida de Paris é palco do tradicional desfile militar, neste ano dedicado à cooperação militar europeia e contando com a presença de Portugal. O presidente Emmanuel Macron vai liderar o desfile, mas os coletes amarelos - que no passado encheram os Campos Elísios mas já não se mobilizam como antes - também prometem estar presentes..Oito meses depois do início dos protestos contra os impostos sobre os combustíveis, que se transformaram num movimento contra Macron, os coletes amarelos preparam-se para o ato 35 da luta. Mas longe vão os dias de novembro ou dezembro em que 250 mil pessoas se manifestaram em Paris, deixando a capital envolta no caos e cenas de destruição - no último fim de semana, em todo o país, foram apenas entre seis mil (segundo o Ministério do Interior) e dez mil (segundo os manifestantes). Nas redes sociais correm várias ideias para o protesto extra de domingo (além do protesto normal, ao sábado), que passam por exemplo por virar as costas a Macron, correndo rumores de que o seu partido, o La République en Marche, está a mobilizar apoiantes para atuarem como contramanifestantes. O evento do Facebook "14 de julho ato especial: coletes amarelos festejam a Revolução" conta com mais de 12 mil participantes e 76 mil interessados. "Os coletes amarelos vão recuperar os símbolos e a data 14 de julho para celebrar de novo a Revolução e a vitória do povo sobre as elites", escrevem os organizadores. Neste ano assinalam-se os 230 anos da tomada da Bastilha, o assalto ao forte que servia então como prisão, num evento que marcou o princípio da Revolução Francesa e o fim da monarquia absoluta em França..Problemas versus reação.Ao contrário do que aconteceu por exemplo com os protestos dos indignados em Espanha em 2011, que inspiraram o nascimento do Podemos, os coletes amarelos não conseguiram transformar o descontentamento em votos - alguns dos rostos juntaram-se a partidos mas nas europeias nem chegaram a 1% dos votos. As divisões internas, sem uma liderança concreta, também não ajudaram. "As velhas tensões entre a direita e a esquerda que as pessoas tinham esquecido quando se juntaram ao movimento reapareceram", disse um dos manifestantes a uma jornalista do The Wall Street Journal. Enquanto isso, Macron, que foi inicialmente criticado por dar uma resposta tardia aos protestos, começou por fazer cedências - deitou fora os impostos sobre combustíveis e aumentou os salários mínimos - e lançou um debate nacional que resultou em mais cortes de impostos e no aumento das pensões para os mais pobres..Criticado também pela pose elitista em relação aos franceses, o presidente que chegou a apresentar-se como uma espécie de Júpiter (rei dos deuses na mitologia romana) recuou na procura de protagonismo. No mês passado deixou para o primeiro-ministro, Édouard Philippe, a apresentação do segundo ato do seu mandato, com o anúncio do fim do imposto sobre a habitação ou a criação de incentivos para trabalhar para lá da reforma aos 62 anos, assim como uma remodelação do sistema de pensões ou do subsídio de desemprego. E não voltou a reunir o Congresso e o Senado em Versalhes. Ao mesmo tempo, as primeiras reformas aprovadas por Macron começam a surtir efeito, com a economia a melhorar e o desemprego a cair em fevereiro para os níveis mais baixos em 10 anos (8,8%). A popularidade do presidente, que atingiu níveis mínimos em dezembro (18%), tem vindo desde então a subir, chegando a 26% neste mês, segundo o barómetro YouGov. A mesma percentagem do que o primeiro-ministro. Entretanto, Macron começa já a pensar nas municipais do próximo ano, com um olho no prémio grande - Paris, mas também noutras grandes cidades, para construir uma base de poder local para o seu partido a pensar numa eventual reeleição em 2022. O candidato de Macron à capital francesa será o antigo porta-voz do governo Benjamin Griveaux. Se a nível nacional Macron procurou dar um passo atrás, a nível europeu saltou para a ribalta. Nas eleições europeias de maio, o La République en Marche ficou em segundo lugar, a menos de um ponto percentual da extrema-direita da União Nacional de Marine Le Pen. Mas a derrota não foi catastrófica, como se chegou a pensar que poderia ser depois de meses de protesto - e depois de Le Pen ter dito que o escrutínio era um referendo ao presidente. No palco europeu, Macron liderou a oposição ao Spitzencandidaten do Partido Popular Europeu, o alemão Manfred Weber, tendo sido ele a sugerir o nome da ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen, para o cargo. Ao mesmo tempo, conseguiu pôr a francesa Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, a liderar o Banco Central Europeu.."Agir em conjunto".No tradicional desfile militar, 4298 homens e mulheres do Exército, da Força Aérea e da Marinha vão percorrer 1,2 quilómetros nos Campos Elísios, entre o Arco do Triunfo e a Praça da Concórdia, num percurso perfeitamente cronometrado e planeado ao milímetro - na esperança de evitar a repetição de acidentes como o do ano passado, quando duas motos chocaram em plena avenida, ou falhas como a que levou um dos aviões a libertar fumo da cor errada na bandeira de França. Participam ainda no desfile, que há dois anos inspirou o presidente norte-americano, Donald Trump, a querer fazer o mesmo em Washington, 196 veículos, 237 cavaleiros da Guarda Republicana, com o sobrevoo de 69 aviões e 39 helicópteros. O tema deste ano é "Agir em conjunto", numa referência à cooperação militar do exército francês com outros países europeus, e à Iniciativa Europeia de Intervenção, uma ideia de Macron que nasceu em junho de 2018 e reúne dez nações europeias - além de França, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, Holanda, Portugal e Reino Unido. O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, será um dos convidados no desfile, juntamente com a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, ou a chefe do governo britânico, Theresa May, entre outros..As Forças Armadas portuguesas vão marcar presença no Dia da Bastilha com 15 fuzileiros da Marinha, sete paraquedistas do Exército e uma aeronave C-295 da Força Aérea. Os fuzileiros presentes em Paris serão alguns dos que participaram na missão Corymbe 2018, integrados na guarnição de um navio que fazia escolta ao porta-aviões francês Charles de Gaulle. Já os sete paraquedistas são do Regimento n.º 10 de Aveiro, que fizeram parte da força que regressou em março da missão na República Centro-Africana. Por seu lado, o C-295, tripulado por quatro militares nacionais, tem tido intervenções nas missões Frontex e tem estado deslocado em Itália e Espanha, cumprindo missões ao abrigo da cooperação dentro da União Europeia. "Nunca, desde o fim da II Guerra Mundial, a Europa foi tão necessária. A construção de uma Europa da defesa, em ligação com a Aliança Atlântica, cujo 70.º aniversário assinalamos, é para a França uma prioridade" e "constitui o fio condutor deste desfile", indica o presidente no dossiê de imprensa sobre os festejos..Nice lembra atentados.O Dia da Bastilha não se assinala só em Paris, mas em todo o país, com desfiles, espetáculos de fogo-de-artifício e concertos. Em Nice, será também o momento para lembrar as vítimas do atentado de há quatro anos. Em 2016, durante a celebração do dia nacional, Nice foi palco de um atentado terrorista que resultou na morte de 86 pessoas, quando um camião arrastou à frente a multidão que passeava na Promenade des Anglais. Este Dia da Bastilha ficará marcado também pelas homenagens às vítimas, incluindo uma cerimónia inter-religiosa, o acender de 86 velas ou o lançamento de balões. O fogo-de-artifício voltará a ser lançado, pela primeira vez desde 2016, mas será neste sábado, por respeito às famílias das vítimas.