Lesão de Gabriel. O que é a paresia do VI par craniano esquerdo e como se trata?

Benfica anunciou lesão ocular que afasta o jogador dos relvados por tempo indeterminado. Antigo médico da seleção nacional explica mais ao detalhe o que implica uma lesão desta natureza.
Publicado a
Atualizado a

Gabriel (Benfica) tem uma lesão ocular e não se sabe quando voltará a jogar. É um problema raro no mundo do futebol, mais habituado a fraturas nos tornozelos e mialgias nos joelhos, mas incapacitante ao ponto de ninguém apontar um tempo para resolução do problema. Ou seja, pode demorar meses. Num dos poucos casos conhecidos no futebol, Gennaro Gattuso, ex-jogador do AC Milan e da seleção italiana, a ausência foi de seis meses (ver abaixo). O clube da Luz garante que a prioridade é evitar riscos adicionais, mas a atividade quotidiana "não está em causa". Para já, o médio de 26 anos vai continuar a deslocar-se ao centro de treinos e "fazer o trabalho físico que se entender por adequado".

Segundo um boletim médico do Benfica, o jogador sofreu uma lesão ocular - "paresia do VI par craniano esquerdo, com limitação da abdução, que condiciona diplopia". Mas afinal o que significam estes termos? "Os nossos olhos mexem-se comandados por nervos pares cranianos. O que se passa é que um deles sofreu um traumatismo ou infeção que afetou o sexto par, que é o nervo que regula o movimento dos músculos. No caso do Gabriel, segundo o comunicado do Benfica, um olho mexe e o outro não, o que faz que ele veja uma sobreposição de imagens, a chamada dupla imagem, que é extremamente incapacitante. O cérebro diz para o olho se mover para a esquerda e ele não mexe, fica parado. Desta forma não é possível haver fusão no cérebro das imagens dos dois olhos numa só imagem", explicou ao DN Henrique Jones, antigo responsável médico da seleção nacional de futebol.

O problema é incapacitante para a prática do futebol? Porquê? "Pode afetar a leitura de jogo e a capacidade de medir a distância de um passe, por exemplo. O jogador pode deixar de ter uma noção clara dos perigos que o rodeiam e pode inclusive ser um perigo para os outros no sentido em que pode perder a noção das distâncias, ainda mais num desporto de contacto e movimento como é o futebol", acrescentou Henrique Jones.

Embora ressalve que não é oftalmologista, o antigo médico da seleção salienta que se trata de um problema que "não tem propriamente um tempo de cura" e, por isso, não é possível "estipular um regresso aos relvados". Quanto ao tratamento, depende muito da origem do problema. Algo que o Benfica não revelou, apesar de ter adiantado que "depois de ter feito todos os exames recomendáveis" estavam "afastados os cenários de maior gravidade". Ou seja, a existência de um tumor ou uma situação decorrente de um cenário de hipertensão ou diabetes.

Restam assim duas situações. "Se for uma infeção trata-se com antibióticos, se for uma compressão tem de ter tratamento oftalmológico, como por exemplo fazer exercícios de oculomotricidade, treinar outra vez o olhar para a esquerda e para a direita, para o centro... ", explicou o médico.

O médio brasileiro falhou os últimos dois jogos do Benfica, depois de ser o herói na partida com o Famalicão, da primeira mão da meia-final da Taça de Portugal (3-2) ao marcar o golo da vitória aos 90'+5' minutos. Muitos questionaram o porquê da ausência no Dragão nos dias a seguir (não foi convocado), numa altura em que o Benfica apenas falou num problema na vista do jogador.

Especulações que levaram a mulher de Gabriel a sair em defesa do marido, com uma mensagem colocada nesta quinta-feira nas redes sociais. "Nunca se esqueçam que atrás de um jogador existe um pai, um marido, um filho, um ser humano... Neste caso, um ser humano que está sempre disposto a ajudar toda a gente à sua volta e do qual tenho muito orgulho por dividir a vida! Você é enorme, amor, e Deus é maior ainda! Eu e Luca somos apaixonados por você!", escreveu Camilla, na rede social Instagram, partilhando ainda uma imagem de Gabriel com o filho de ambos, Luca.

Também o colega de equipa Ferro reagiu. "Muita força, companheiro", publicou o central no Twitter, numa mensagem acompanhada de uma fotografia de ambos. De resto, todo o grupo de trabalho está solidário com o momento do camisola 8, que esta época dificilmente voltará a jogar.

Gattuso via quatro Ibrahimovics

Gennaro Gattuso, atual treinador do Nápoles e ex-jogador do AC Milan e da seleção italiana, passou pelo mesmo problema de saúde agora diagnosticado a Gabriel - paresia do VI par craniano esquerdo. O jogador começou a ter sintomas durante um jogo entre o AC Milan e a Lazio, em setembro de 2011. "Os 20 minutos que joguei frente à Lazio foram um autêntico pesadelo. Sentia como se estivesse bêbado e via quatro Ibrahimovics. Até que choquei com o Nesta e percebi que não aguentava mais. Algo estava errado", contou na altura.

Foi-lhe então diagnosticado uma paresia do VI par craniano esquerdo. O médico do AC Milan estimou que a recuperação pudesse demorar seis meses. Gattuso voltou a treinar com a equipa um mês e meio depois, mas só regressou à competição cerca de seis meses depois, em março de 2012, num jogo diante do Parma.

A fase de recuperação não foi fácil e Gattuso chegou a pensar em deixar de jogar. "É preciso mais para me abater, mas cheguei a pensar em acabar a carreira. Estou a lutar como o homem invisível, com visão dupla, mas o importante é não desistir. Agora não penso no futebol. É triste não poder levar os meus filhos à escola, porque não posso conduzir. Tento levantar um copo e vejo dois. O que me dá força é continuar a trabalhar fisicamente, mas sem bola. Isso dá-me força para não desistir", confessou naquela altura o italiano.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt