Motoristas. Requisição civil partiu a geringonça

Ao segundo dia de greve dos motoristas, o BE e o PCP foram para um lado e o governo para o outro. Bloquistas e comunistas dizem que está em causa o direito à greve.
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Primeiro foi o PCP, ao fim da noite de segunda-feira, horas depois de o governo ter decretado oficialmente requisição civil para a greve dos motoristas de matérias perigosas.

Os comunistas reagiram, em comunicado, dizendo que esta medida do governo introduzia "limitações ao direito à greve".

"Independentemente da evolução verificada, o PCP salienta que a resposta aos problemas, que se mantêm, exige o desenvolvimento da luta consequente, acompanhada de uma negociação coletiva que resolva os problemas e reafirma a defesa do efetivo exercício do direito à greve", comentavam os comunistas.

E isto ao mesmo tempo que voltavam a insistir na ideia de que os grevistas têm recorrido a uma "argumentação que, instrumentalizando reais problemas e descontentamento dos motoristas, é impulsionada por exercícios de protagonismo e por obscuros objetivos políticos e procura atingir mais a população do que o patronato".

Falando da Fectrans - a estrutura sindical, próxima do PCP, que não se associou à greve -, O PCP refere que negociou com os patrões (Antram) um contrato coletivo de trabalho vertical, que "deu resposta a algumas das justas aspirações dos trabalhadores", mas "a violação dos seus termos por parte de entidades patronais gerou um legítimo descontentamento dos trabalhadores".

Ontem ao fim da manhã, na Tocha, em Coimbra, foi a vez de o Bloco de Esquerda reagir. "Decretar a requisição civil a pedido das entidades empregadoras é um erro e é uma limitação do direito à greve", disse a líder do partido, Catarina Martins, falando com jornalistas à margem de uma visita ao centro de reabilitação Rovisco Pais.

Para o BE, o governo deveria "exigir que todas as partes se sentem em negociações sem pré-condições".

Catarina Martins exigiu que a negociação "respeite o direito dos trabalhadores" e frisou ter ficado "já determinado" que existem "horários de trabalho absolutamente selvagens" no setor dos transportes de mercadorias e "uma fuga generalizada às contribuições à Segurança Social".

"O governo já tinha conhecimento desta situação e devia ter agido para travar esta escalada. Neste momento, sendo esta uma greve que mobiliza tantos recursos públicos, o governo não deve apenas apelar ao entendimento, deve exigir que todas as partes se sentem em negociações sem pré-condições", disse a líder bloquista.

Enquanto isto, a Associação dos Profissionais da GNR voltou a criticar o governo por utilizar militares da corporação para substituir motoristas em greve. Segundo denunciou, houve agentes obrigados a trabalhar "27 horas ininterruptas, oito das quais adstritos ao transporte de matérias perigosas".

A Antram, associação dos patrões do setor, voltou, por outro lado, a insistir em revelar informações, dramatizando os efeitos da paralisação. Os abastecimentos a hospitais das zonas de Lisboa, Leiria e Coimbra "ficam, nas próximas 24 horas, seriamente comprometidos", dizia à Lusa o advogado da associação, André Martins de Almeida, ao final da manhã.

O governo, horas depois, recusou confirmar: "O Ministério da Saúde não tem conhecimento, até ao momento, de constrangimentos no fornecimento de quaisquer bens essenciais, designadamente gases medicinais, aos hospitais/centros de saúde, estando todas as unidades a funcionar normalmente", lia-se numa nota do gabinete da ministra enviada à Lusa.

De resto, nos aeroportos parecia não haver problemas, segundo a ANA.

Pouco antes da hora de jantar, o governo dizia, através do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que a requisição civil decretada na segunda-feira estava a ser "cumprida com rigor".

"Com a perturbação natural que uma greve com esta dimensão causa às pessoas e às famílias, estando de férias ou a trabalhar, e à economia em geral, o dia de hoje correu sem sobressaltos, com os serviços mínimos genericamente cumpridos e a requisição civil cumprida com rigor", disse o ministro.

Segundo o governante, foram apenas detetados 14 trabalhadores que não cumpriram as obrigações da requisição civil, pelo que foram notificados de estarem a cometer um crime de desobediência (passível de pena de prisão até dois anos). "Todos alegaram baixa médica", revelou ainda.

Nessa conferência de imprensa, o ministro lembrou que a requisição civil se destina a quatro serviços: o abastecimento da Rede de Emergência de Postos de Abastecimento (REPA), do sul do país, a partir do centro de distribuição de Sines, tendo em conta que, na segunda-feira, Beja e Faro registaram "níveis de combustível armazenado com expressão abaixo da média nacional", bem como ao abastecimento dos aeroportos de Lisboa e de Faro e das unidades autónomas de gás, sobretudo nas regiões do norte e interior.

Segundo os últimos dados, na REPA, na segunda-feira, 38% tinham gasolina e 46% gasóleo, enquanto hoje estas percentagens ascenderam, respetivamente, a 51% e 49%.

No Algarve, registava-se uma "melhoria", porém "ainda não suficiente", passando-se de 22% para 27% no que se refere ao abastecimento de gasolina, e de 23% para 29% no gasóleo.

Já no que se refere ao aeroporto de Lisboa, o nível de abastecimento situava-se ontem, pelas 18.00, em 54,5%, enquanto o aeroporto de Faro estava nos 94%.

De tronco nu, entrevistado numa praia algarvia, onde está de férias, o Presidente da República informava que na sexta-feira voltará a encontrar-se com o primeiro-ministro. Os portugueses ficaram então a saber que o Chefe do Estado tenciona "encher o que falta" do depósito do seu carro.

Os sindicatos em greve - Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas e o SIMM (Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias) - pretendem um acordo para aumentos graduais no salário-base até 2022: 700 euros em janeiro de 2020, 800 euros em janeiro de 2021 e 900 euros em janeiro de 2022, o que, com os prémios suplementares que estão indexados ao salário-base, daria 1400 euros em janeiro de 2020, 1550 euros em janeiro de 2021 e 1715 euros em janeiro de 2022. No entanto, num plenário com associados, no sábado, em Aveiras de Cima, o presidente do SNMMP, Francisco São Bento, disse que os sindicatos já exigem 900 euros de salário-base já em janeiro de 2020.

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