Há mais famílias sobre-endividadas. A culpa é do consumo a crédito
O desemprego está a baixar e o rendimento disponível das famílias a subir, mas ao Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado (GAS), da Deco, chegaram neste primeiro semestre de 2018 mais pedidos de ajuda de famílias que já não conseguem pagar os seus créditos do que no mesmo período de 2017. E a taxa de esforço também subiu, passando de 70,8% para 73%. O que está a desequilibrar mais os orçamentos das famílias? Os cartões de crédito e os créditos pessoais.
"Devíamos estar melhor porque o rendimento aumentou ligeiramente, mas também estamos a usar mais o cartão de crédito e a recorrer aos créditos pessoais", explica Natália Nunes. E são estes, segundo a coordenadora do GAS, os principais motivos para que o número de pedidos de ajuda tenha aumentado de 17 370 para 17 400 entre janeiro e junho de 2017 e o primeiro semestre de 2018.
Esta subida refletiu-se também no número de processos abertos pelo GAS (que correspondem aos casos que reúnem condições para ser acompanhados por este gabinete) e que passaram de 1237 para 1272.
A experiência mostra que a prestação do empréstimo da casa é das últimas a derrapar e foi, por isso, com surpresa que, entre os pedidos de ajuda que lhe chegaram neste ano, Natália Nunes tenha registado casos de empréstimos à habitação feitos em 2017 que já estão em sérias dificuldades ou mesmo em incumprimento.
Dos 1272 processos em acompanhamento 32% têm o empréstimo da casa em incumprimento e 43% revelam dificuldade em ter as prestações em dia. Destes, 4% foram contraídos no ano passado. O número passa para os 6% se se somarem as situações de 2016.
Há ainda uma parcela (21%) que se refere a créditos contraídos entre 1980 e 1999 e que resultam já de processos de renegociação - só assim se explica, de resto, que ainda estejam "ativos" apesar de terem sido contraídos numa altura em que o prazo máximo dos empréstimos para compra de casa era de 25 anos.
Esta situação é outro sinal de alerta para Natália Nunes: "Estamos a falar de pessoas que fizeram empréstimos há 30, 40 anos e que ainda são um motivo de dificuldades." Avançando para datas mais recentes, os dados mostram que 66% dos sobre-endividados fizeram os seus empréstimos entre 2000 e 2010, tendo quase metade escolhido prazos de amortização entre os 36 e os 50 anos. "Se entretanto tiverem algum problema, não têm margem para renegociar e dilatar os prazos", avisa, acrescentando que muitas pessoas continuam apenas a olhar para o imediato quando fazem créditos, parecendo esquecer-se de que as taxas de juro podem voltar a subir.
Ao aumento do número de situações e da taxa de esforço, Natália Nunes soma outra nova tendência: até aqui o valor pago pelas rendas não entrava nas preocupações que os sobre-endividados lhe reportavam. Mas a situação mudou e, afirma a coordenadora do GAS, é uma nova gama de despesa que "começa a ter expressão" entre os consumidores que recorrem a este gabinete.
Os dados relativos a este primeiro semestre, avançados ao DN/Dinheiro Vivo, mostram que 13% das pessoas que pediram ajuda moram em casa arrendada e suportam valores que oscilam entre os cem e os mil euros mensais.
"A renda acaba por desequilibrar outras despesas", refere, para salientar que este é um tema que começa cada vez mais a preocupar jovens e menos jovens que temem a incerteza (de duração e de preço) dos contratos de renda precários. "Faço atendimentos em duas freguesias à volta de Lisboa, em Santo António dos Cavaleiros e Loures, e deparo-me com cada vez mais pessoas de idade que passaram a partilhar casa porque não têm dinheiro para pagar a renda", conta a coordenadora do GAS. E não estão necessariamente a partilhá-la com a família.
Natália Nunes assinala ainda que entre os sobre-endividados que referem a renda como um dos fatores que pesam nos orçamentos estão exemplos de pessoas que até têm uma casa própria mas que, por motivos profissionais, se viram obrigadas a mudar para outra zona do país.
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