"Todos os voos foram cancelados. É favor sair do aeroporto o mais rápido possível", foi a mensagem ouvida na segunda-feira no aeroporto de Hong Kong na sequência de cinco mil manifestantes terem utilizado aquele local, pelo quarto dia consecutivo, para se fazerem ouvir. Desta vez, os protestos pró-democracia incluíram como acessório palas ou pensos num olho em homenagem a uma médica que no dia anterior foi atingida no olho. "Olho por olho" foi a nova mensagem espalhada em inglês e mandarim nas paredes e barreiras do edifício, o oitavo aeroporto com mais passageiros no mundo..Uma das últimas pessoas a chegar por via aérea a Hong Kong, Rhiannon Coulton, mostrou-se solidária com o protesto. "Penso que têm todo o direito a fazê-lo. Não sei se vão alcançar alguma coisa", disse a viajante australiana à AFP. Mas nem todos demonstram a mesma paciência e serenidade perante os protestos iniciados em junho devido à proposta de lei, entretanto suspensa, que permitiria a extradição de suspeitos de crimes daquela região administrativa especial para a China.."Queremos deixar bem claro para o pequeno grupo de criminosos violentos e sem escrúpulos e às forças obscuras por trás deles: quem brinca com o fogo morre pelo fogo", advertiu, na semana passada, um funcionário do governo de Hong Kong. Face aos protestos do fim de semana, as autoridades começaram a falar em "sinais de terrorismo" por parte dos manifestantes, o que pode abrir a porta a uma intervenção do Exército ou de unidades especiais da polícia chinesa. "Os manifestantes radicais em Hong Kong usaram repetidamente objetos extremamente perigosos para atacar os polícias, o que constitui um crime sério e revela os primeiros sinais de terrorismo", disse o porta-voz chinês do Gabinete de Assuntos de Hong Kong e Macau, Yang Guang..Pelo seu lado, Pequim tem difundido vídeos e notícias de exercícios militares, como o que o Global Times mostrou em Shenzhen, cidade vizinha de Hong Kong..Desde a repressão de Tiananmen, em junho de 1989, aos protestos por reformas democráticas que o Exército chinês não mais foi utilizado contra os manifestantes. A repressão resultou em centenas ou milhares de mortos, e o país foi alvo de ampla condenação internacional. Um dos líderes do movimento, Wu'er Kaixi, duvida de que Pequim corra o risco de, 30 anos depois, enviar as tropas para as ruas. "Não se deve esquecer que o governo chinês é movido pelos seus próprios interesses e que os interesses pessoais dos líderes chineses estão ligados à manutenção da estabilidade económica em Hong Kong", diz este homem exilado em Taiwan. "Acho que aprenderam a lição de que o preço de usar o Exército é muito alto", disse à AFP.."Condenamos a violência e instamos todas as partes a usarem de contenção, mas continuamos firmes no nosso apoio à liberdade de expressão e à liberdade de reunião pacífica em Hong Kong", afirmou uma porta-voz do Departamento de Estado dos EUA. "As manifestações em curso em Hong Kong refletem o sentimento e as grandes preocupações quanto à erosão da autonomia de Hong Kong", continuou, tendo de seguida afirmado que as liberdades de expressão e de reunião pacífica "devem ser vigorosamente protegidas"..No mesmo dia, o líder republicano do Senado, Mitch McConnell, pressionou a China ao escrever no Twitter que a repressão violenta aos protestos em Hong Kong seria "completamente inaceitável". "O povo de Hong Kong está a enfrentar corajosamente o Partido Comunista Chinês enquanto Pequim tenta invadir a sua autonomia e liberdade", escreveu McConnell. "Qualquer repressão violenta seria completamente inaceitável. O mundo está atento.".Não faltou quem tenha acusado o presidente Donald Trump de ter dado luz verde a Xi Jinping para reprimir os manifestantes. Pequim, no entanto, acusou os Estados Unidos de encorajar os protestos e denunciou os encontros entre o secretário de Estado Mike Pompeo e o vice-presidente Mike Pence com o ativista Jimmy Lai..As consequências económicas.A contestada líder de Hong Kong, Carrie Lam, já avisou que, para lá da crise política, as consequências económicas estão aí. "Desta vez a situação é mais grave", disse, em comparação com as crises de 2003 (devido ao coronavírus SARS) e de 2008 (crise financeira mundial). "Por outras palavras, a recuperação económica vai demorar muito tempo.".O turismo tem um peso de 5% no PIB de Hong Kong. Devido aos protestos, que já levam mais de dois meses, os agentes de viagens estão a planear colocar os funcionários em licença sem vencimento, disse o presidente do Conselho da Indústria do Turismo de Hong Kong, Jason Wong. As reservas de grupos dos mercados próximos caíram 50%. A China tem a fatia de leão de visitantes: de janeiro a junho, a região recebeu mais de 30,5 milhões de visitantes, dos quais 27,5 milhões oriundos da China continental..A taxa de ocupação dos hotéis também caiu, embora num número pouco preciso, na casa dos "dois dígitos". Também a Disneyland de Hong Kong, que recebe anualmente entre seis e sete milhões de pessoas, admite uma quebra nos números. "Nós temos testemunhado o impacto dos manifestantes. Decididamente houve perturbação. Isso afetou as nossas visitas", disse o administrador Bob Iger..A transportadora aérea Cathay Pacific viu as suas ações caírem para mínimos de dez anos. A queda do valor da empresa acontece na sequência da controvérsia das medidas tomadas pela administração, que despediu dois funcionários sem qualquer justificação e suspendeu um piloto por ter alegadamente participado em manifestações. A Cathay cumpriu as exigências da administração da Aviação Civil da China. O regulador diz que os manifestantes são uma ameaça à segurança da aviação e exige que os funcionários da Cathay que tenham participado em "protestos ilegais" sejam suspensos. A empresa tem ainda de fornecer antecipadamente informação sobre o pessoal escalado para a China e receber o aval do regulador relativo aos funcionários..No que respeita ao retalho, a associação que representa oito mil lojas confirmou ao South China Morning Post que a maior parte dos associados registou uma queda nas receitas. E se os protestos continuarem prevê-se uma "queda de dois dígitos". À Reuters, a economista Angela Cheng disse que as vendas do retalho em 2019 devem sofrer uma quebra de até 10%. "A indústria do retalho de Hong Kong vai ser afetada quer interna quer externamente", disse..As perspetivas económicas deste centro financeiro já não eram positivas antes dos protestos. O crescimento económico foi de 0,6% no primeiro trimestre, quando no período homólogo do ano passado foi de 4,6%. Este crescimento anémico é efeito da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Hong Kong, como plataforma logística, ressente-se da queda nas trocas comerciais entre as duas potências.