Timor-Leste e a amiga Indonésia 

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Timor-Leste teve luz verde da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) para se tornar o 11.º membro da organização, o que poderá acontecer já em 2023. Com 1,3 milhões de habitantes e um território de cerca de 15 mil quilómetros quadrados, a antiga colónia portuguesa será o país menos populoso da ASEAN, mas não o mais pequeno, pois Singapura é uma cidade-Estado. E, como demonstra o sucesso económico desta última, o tamanho não tem de ser decisivo quando se fala de desenvolvimento e a integração num grande bloco regional como a ASEAN, que congrega 3,3 biliões de dólares em PIB (quinta economia mundial, se fosse um país), só joga a favor desse desenvolvimento.

Finda a cimeira em Phnom Penh, será a Indonésia a assumir a presidência, e a adesão plena de Timor-Leste concretizar-se com a ajuda de Jacarta revela a reconciliação que foi sendo feita entre os dois países. Desde a independência timorense, em 2002, no seguimento de um referendo da ONU, em 1999, que pôs fim a 24 anos de ocupação pela Indonésia, Jacarta dedicou-se sobretudo a reforçar a sua unidade contra separatistas vários (são 17 mil ilhas), aceitando que o novo país lusófono nunca fez parte do projeto nacional e que a invasão de 1975, durante a presidência de Suharto, esteve relacionada com a Guerra Fria e o receio de os Estados Unidos verem um regime comunista na metade de Timor que historicamente esteve sob controlo português.

Foi o próprio José Ramos-Horta, agora de novo presidente, que numa conversa em Díli, no ano passado, me explicou que nem Sukarno, fundador da Indonésia em 1945 (e que visitou Portugal em 1960), nem Suharto na sua primeira década no poder alguma vez reivindicaram Timor-Leste: "Nunca. Porque os indonésios, para validarem, para credibilizarem o argumento deles de que são apenas o Estado sucessor do império holandês, do império das Índias Orientais Holandesas, não podiam reclamar Timor-Leste. Diziam: nós só reclamamos os territórios que fizeram parte das Índias Orientais Holandesas. E mesmo com Suharto. Nunca, nunca. Mas depois, dada a Guerra Fria, a Guerra do Vietname, a ameaça de efeito dominó do Vietname a favor do comunismo, a crise em Portugal, a radicalização política em Portugal, com a ameaça do Partido Comunista de tomar o poder, o chamado Verão Quente em Portugal, a Indonésia sentiu-se preocupada, preocupada genuinamente. E, por outro lado, os jovens políticos timorenses, imberbes, logo na primeira oportunidade, em que o império português cessa de existir e o patrão colonial, imperial, reconhece o direito à autodeterminação, a primeira coisa que fazem é engendrar uma guerra civil nossa. Foi a primeira guerra civil em Timor. Tudo isso abriu as portas para a invasão indonésia de 1975."

Depois do referendo, com as milícias pró-integração a adotarem a violência como retaliação pela votação esmagadora pela independência timorense, as autoridades de Jacarta mobilizaram-se para impedir uma desestabilização do novo país que ameaçasse a reputação da Indonésia. E apostaram na cooperação com Timor-Leste, bem patente nas trocas comerciais e, politicamente, na boa relação entre líderes, como se viu em julho quando Ramos-Horta foi a Jacarta encontrar-se com o presidente Joko Widodo, com quem debateu o tema da adesão à ASEAN, vista como a forma de diversificar uma economia muito dependente dos recursos petrolíferos.

Ontem, Ramos-Horta, que ganhou o Nobel da Paz em 1996 pelo seu papel na denúncia da ocupação indonésia, sublinhou, imbuído do espírito de reconciliação, como "seria um grande ato mostrar ao mundo que dois países anteriormente em conflito sangrento conseguem ultrapassar o conflito do passado e desenvolver relações de amizade exemplares e ser a própria Indonésia a presidir à cerimónia de adesão de Timor-Leste à ASEAN".

Cá de longe, deste Portugal que esteve ao lado dos timorenses na resistência a tornarem-se uma mera província de uma Indonésia com mais de 270 milhões de habitantes, é importante aplaudir a amizade entre o mais católico país do mundo e o mais populoso dos países de maioria islâmica. Temos de continuar a apoiar os timorenses, nomeadamente no ensino da língua portuguesa, e a consolidar relações com essa Indonésia com a qual temos laços históricos tão fortes, da era dos Descobrimentos, pois até a língua oficial do país, o bahasa, tem inúmeras palavras de origem portuguesa, como meja e bangku (mesa e banco) ou kemeja e sepatu (camisa e sapato).

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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