Dinis luta há 15 anos para que a canábis seja uma discussão séria
"Há sempre um risinho", diz Dinis Dias, 41 anos, algarvio de Castro Marim e personagem fundamental para perceber o ativismo português pela legalização da canábis. "Quando contactas um escritório de advogados para ajudar a resolver um processo qualquer, o facto de o assunto ser este dá normalmente origem a uma boca, uma cara engraçada, um risinho." Após 15 anos a tentar tornar a discussão séria, diz-se mais do que habituado ao paternalismo. "O tempo mostrou como este assunto era importante. E agora estamos aqui."
Na próxima quinta-feira, 17 de janeiro, a Assembleia da República discute a legalização do uso recreativo da canábis. "Não é a primeira vez que o tema vai ao Parlamento, mas nunca como agora esteve tão próximo de ser aprovado."
Em cima da mesa estão dois projetos de lei - um do Bloco de Esquerda, outro do PAN. O PSD, que no seu congresso em fevereiro de 2018 aprovou uma moção favorável à mesma ideia, não apresenta documento mas diz-se empenhado na causa - regular a produção, a distribuição, a venda e o consumo é a proposta.
Tal como no caso do uso de canábis para fins terapêuticos, que a Assembleia aprovou no final do ano passado, estes projetos foram escritos com o apoio de Dinis Dias e da sua Cannativa - Associação de Estudos sobre Canábis. É uma organização que reúne médicos, advogados, enfermeiros, cientistas, empresários e luta "pela legalização plena e responsável".
Em 2001, Portugal aprovou a descriminalização do consumo de drogas e reduziu brutalmente o índice de toxicodependência. "Mas ficou sempre uma lacuna na lei: o consumo deixou de ser crime, mas a compra, a venda e o autocultivo continuam a ser. É isso que falta resolver."
Desde então, as plantações para a indústria farmacêutica são legais e o consumo terapêutico também o é desde o ano passado. Agora, Bloco e PAN propõem a venda em coffee shops e farmácias, respetivamente.
Também querem permitir que cada pessoa possa produzir um número limitado de pés da planta - e essa é a medida mais polémica. "É uma questão de direitos individuais. Se um cidadão pode produzir uma quantidade limitada de vinho para consumo próprio, porque não pode fazê-lo quando se fala de canábis?" PCP, PP e PSD têm contestado a ideia, argumentando que pode abastecer o narcotráfico.
Nos 15 anos que leva de ativismo, Dinis sentiu muitas vezes que este era um combate frustrante. "Mas, de há dois anos para cá, o paradigma inverteu-se. Na última década, uma série de investigações tornou inquestionável a utilidade médica da canábis no combate oncológico, da esclerose múltipla e do glaucoma, entre muitas outras doenças. Isso abriu a porta às farmacêuticas e a um novo nicho para uma indústria milionária."
Atrás do uso terapêutico veio o recreativo. Há 30 países no mundo, incluindo Portugal, que permitem o uso para fins médicos. África do Sul, Canadá, Geórgia, Uruguai e vários estados norte-americanos já admitem o uso recreativo. O Luxemburgo anunciou que vai seguir a mesma via ainda neste ano. A própria ONU, que considerava a canábis perigosa desde 1961, admitiu no ano passado, pela boca do secretário-geral António Guterres, poder reverter essa posição a curto prazo.
Dinis acredita que a legalização é o único caminho de combate ao narcotráfico. "Nas últimas décadas, os governos gastaram milhões de euros no combate à dependência e ao narcotráfico. Falharam todas. Os estudos são cada vez mais consensuais na ideia de que, ao transformar o criminoso que consome drogas em paciente, a dependência diminui."
Foi quando fez Erasmus na Catalunha que Dinis Dias abraçou esta causa. "Tirei Antropologia em Coimbra mas na Universidade de Barcelona tive aulas de Etnobotânica e a canábis era uma componente forte do programa. Ao mesmo tempo, envolvi-me com os movimentos ativistas, que ali eram muito fortes. Quando voltei a Portugal, no final de 2002, decidi que o meu caminho era este."
Em 2003, abriu no Bairro Alto a Cogniscitiva, uma loja de cultivo caseiro. "Aquilo que vendia servia obviamente para a plantação de canábis, mas também podia ser usado para cultivar tomates caseiros ou coentros." A lacuna legal permitiu ao negócio crescer: em 2007 tinha nove franchisings espalhados pelo país.
"Entretanto, em 2005, ativistas como eu juntam-se a alguns políticos e membros da comunidade médica para organizar a Marcha Global da Marijuana." Desde os anos 1990 que o PSR - um dos partidos fundadores do Bloco de Esquerda - fazia campanha pela legalização. "Os meios de comunicação social, nessa altura, retratavam as manifestações pelo lado pitoresco, mas não davam voz a sinais científicos cada vez mais evidentes." Nos anos seguintes, a Marcha cresceu e espalhou-se a várias cidades do país.
Em 2008, decidiu fundar um jornal informativo sobre a canábis. A Folha era de distribuição gratuita e tinha uma tiragem de 15 mil exemplares, que segundo ele esgotavam em poucos dias. "Tinha informações sobre estudos recentes, cultivo, consultório médico e jurídico."
Em 2017, mudar-se-ia para o Canadá, onde supervisionou durante um ano uma plantação medicinal de canábis. Regressou para preparar a aprovação no Parlamento da utilização terapêutica e agora está a criar, com mais dois sócios, uma exploração da planta no Algarve. "São cinco hectares de terreno e um investimento de cinco milhões de euros. Num ano, criaremos 50 postos de trabalho. Em dez, 650. Há todas as questões éticas, mas também há isto: o potencial económico é brutal."
O Infarmed tem neste momento 11 pedidos de licenciamento de plantações de canábis para fins medicinais. Como diz o porta-voz do regulador farmacêutico, "é uma explosão". A lei portuguesa permite o cultivo terapêutico desde 2001, mas apenas três empresas conseguiram autorização. A aprovação da canábis para fins medicinais em 2018 e as condições climáticas do país estão a trazer investimento - especialmente no interior. Um dos requisitos do Infarmed é a garantia de venda para a indústria farmacêutica certificada.