"Em Portugal, a Extrema-Direita diz querer fundar uma nova República, rejeita a autoridade do presidente do Parlamento [Augusto Santos Silva], os seus militantes fazem cercos aos partidos políticos [nomeadamente do PS], os seus parlamentares fazem ações de provocação em manifestações organizadas por partidos de Esquerda [como a da Habitação, de dia 30 de setembro] e, como afirmou o Tribunal Constitucional, os seus estatutos internos são antidemocráticos". A frase é de Paulo Pisco, deputado do PS, dita esta segunda-feira no Conselho da Europa, em Estrasburgo..Desde o início da Legislatura, em 2022, a relação entre Augusto Santos Silva e André Ventura não tem sido um mar de rosas. Por diversas vezes, o presidente do Parlamento advertiu o deputado do Chega (ou outro parlamentar do partido) sobre a conduta no plenário ou em relação ao teor das intervenções. O último caso aconteceu há uma semana, quando Ventura interpelou Santos Silva para pedir ao presidente do Parlamento que condenasse as alegadas agressões a deputados do partido, cometidas durante a manifestação pela Habitação. Não o fazendo, Santos Silva deixou ainda reparos à forma como o partido de Ventura abordou o assunto. Não gostando, o presidente do Chega - e, por arrasto, toda a bancada - abandonou o plenário em protesto..Esta terça-feira, falando em nome dos Socialistas e Democratas (ao qual pertencem os socialistas no Parlamento Europeu) num debate sobre os desafios da Extrema-Direita para a democracia e direitos humanos na Europa, Paulo Pisco visou o Chega (e recordou estes episódios), sem nunca referir o nome do partido de André Ventura. Deixou também o alerta que o impacto de partidos e movimentos de Direita radical "tem crescido a par da influência e sofisticação da internet e das redes sociais", sendo "através destes canais que os cidadãos são inundados com desinformação, fake news, manipulação e radicalização"..Para atacar o problema, o Conselho da Europa aprovou um relatório sobre o tema, com 102 votos a favor, 15 contra e três abstenções. Dividido em cinco secções (e uma conclusão), o documento aprovado, e ao qual o DN teve acesso, aborda vários temas, como por exemplo as respostas legais e as respostas socioculturais que podem ser feitas para combater o aumento destas ideias mais radicais. No resumo introdutório é até defendido que "os políticos e os partidos devem estar na vanguarda das respostas ao extremismo, tanto na defesa pública dos direitos humanos e dos princípios democráticos, como na rejeição inequívoca de todas as formas de racismo, intolerância ou assédio". É, por isso, deixado um apelo - "ao diálogo respeitoso e inclusivo" - e um incentivo - "aos partidos políticos para assinarem a Carta dos Partidos Políticos europeus [criada em 1998] para uma sociedade não-racista e inclusiva"..Ao DN, Paulo Pisco explica que o debate partiu "da contestação crescente sobre a forma como as sociedades têm vindo a sofrer com os partidos de Extrema-Direita e os ataques aos valores democráticos e humanistas". "Querem colocar em causa esses valores fundamentais, e daí a decisão de debater e fazer aprovar um relatório sobre este assunto", acrescenta..Estando aprovado, o relatório não é vinculativo (ou seja, não tem força de lei), servindo como um conjunto de recomendações aos países-membros (46, ao todo, onde se incluem os 27 da União Europeia). "Antes disso, será discutido na reunião de Conselho de Ministros de cada país-membro. A intenção é reforçar e recomendar para fortalecer o Estado de Direito e a democracia dos países", acrescenta Paulo Pisco..Lembrando que "os movimentos extremistas eram, ou ainda são, muitas vezes financiados pela Rússia, responsável pela inaceitável violação da Carta das Nações Unidas e por todos os tipos de crimes de guerra na Ucrânia", o socialista considerou ainda, durante a intervenção, que não é possível "esquecer que a sua inspiração vem das ideologias fascistas e autoritárias"..Com isso, a comunicação de Paulo Pisco não se cingiu apenas ao caso português. Na intervenção - muito crítica das ideologias de Direita mais radical -, o deputado eleito pelo círculo da Europa dedicou vários parágrafos ao contexto internacional. "São uma ameaça para o projeto da União Europeia, construído para rejeitar o confronto de nacionalismos e de identidades, promovendo em vez disso o diálogo e a cooperação. Bloqueiam decisões na União Europeia com consequências dramáticas ao nível das migrações, impedindo que sejam salvas vidas no Mediterrâneo. Estão a matar o significado de humanismo e de solidariedade", disse, fazendo referência às políticas de alguns Estados ("como a Hungria, que já é um problema no contexto europeu")". "Temos de erguer a nossa voz para defender a tolerância, sociedade inclusivas e pluralistas, se preciso com medidas sanitárias. Lutar contra a ideologia de extrema-direita é um dever moral para todos os democratas, se quisermos evitar a degradação das nossas democracias", concluiu..rui.godinho@dn.pt