Chega vs. Santos Silva. Casos que prejudicam "mais a pessoa do que a AR"

Relação entre André Ventura e os presidentes do Parlamento nunca foi fácil. Mas crispou-se com a entrada de Augusto Santos Silva. Ao DN, Riccardo Marchi vê ataques mais direcionados a pessoas do que propriamente às instituições democráticas.
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A semana política ficou marcada por (mais) um incidente entre André Ventura - e, por arrasto, a bancada do Chega - e Augusto Santos Silva, presidente do Assembleia da República. O motivo: a não condenação direta da segunda figura mais alta do Estado das alegadas agressões de que alguns deputados do partido de André Ventura foram vítimas na manifestação pela habitação, no sábado passado (dia 30 de outubro).

Na segunda-feira, André Ventura chama os jornalistas e, além de anunciar que vai denunciar ao Ministério Público os "crimes graves" que foram cometidos contra os deputados, aproveitou para deixar uma crítica a Augusto Santos Silva: "Uma última palavra para Augusto Santos Silva. Usou as suas redes sociais para criticar e condenar tudo e mais alguma coisa. Quando alguns deputados são agredidos e insultados, os seus deputados, fica em silêncio como um cobarde que é. Se é cobarde, não tem lugar enquanto presidente da Assembleia da República." A resposta não tardou e, no dia seguinte, já no plenário, Augusto Santos Silva - depois de ter sido interpelado por André Ventura - classificou as acusações como um "discurso artificial" e apelou a que os deputados do Chega se abstenham de fazer "provocações" em iniciativas "com motivações muito distantes" das suas. E acusou também Ventura de ser ele o cobarde: "Quanto à expressão com que o Sr. Deputado me mimoseou ontem [segunda-feira] numa conferência de imprensa e não teve a coragem de repetir aqui, quero apenas dizer-lhe que Vossa Excelência deve ter sempre em conta que, quando me vê, não se está a ver ao espelho." Ventura responde, dizendo que não reconhece Santos Silva como seu presidente nem da bancada do Chega, e sai do plenário em protesto.

Em artigo de opinião no jornal Nascer do Sol publicado na sexta-feira, o líder do Chega acusou o presidente do Parlamento e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de ser "o maior patife" daquilo a que chamou "um bordel de patifaria": a III República.

Mas o choque entre Ventura, o Chega e Augusto Santos Silva não é novo. Logo no início da legislatura, em abril de 2022, o líder do Chega intervinha no plenário, com um discurso ofensivo em relação à comunidade cigana devido ao alegado envolvimento de um dos membros na morte do agente da PSP Fábio Guerra. Augusto Santos Silva interrompeu então Ventura, dizendo que "não há atribuições coletivas de culpa em Portugal". Desde então, várias têm sido as trocas de galhardetes entre ambas as partes.

Além de Ventura, também outros deputados, como Diogo Pacheco de Amorim ou Pedro Frazão, tiveram desentendimentos com o presidente (efetivo ou em exercício) do Parlamento.

Olhando para estes casos, Riccardo Marchi, professor e investigador no ISCTE-IUL, não acredita que estes conflitos prejudiquem a imagem das instituições democráticas. "Quanto muito prejudicam a imagem da pessoa que ocupa o cargo e que demonstra não estar à altura de se desmarcar da sua pertença partidária para desempenhar o papel que lhe compete", diz ao DN. Ou seja: não é a figura de presidente da Assembleia que sai afetada, mas sim a pessoa (Santos Silva, neste caso). "Não só dos eleitores do Chega mas também dos de centro-direita, convencidos de que estes confrontos sejam uma estratégia partidária socialista para isolar o Chega, ou seja, uma instrumentalização de um cargo institucional que deve ser independente", analisa.

No entanto, estes ataques de parte a parte não se cingem apenas ao mandato de Augusto Santos Silva. Puxando a fita do tempo atrás, percebe-se que já na presidência de Eduardo Ferro Rodrigues (na anterior legislatura) a convivência com o Chega (na altura apenas com André Ventura como deputado único) era tudo menos pacífica. Logo um mês após a instalação da Assembleia (em dezembro de 2019), Ferro Rodrigues dizia que Ventura utilizava "com demasiada facilidade as palavras vergonha e vergonhoso, o que ofende muitas vezes este Parlamento e ofende-o a si também". Em resposta, Ventura referiu que usava as expressões que entendia em nome "da liberdade de expressão".

Para Riccardo Marchi, este facto mostra que "o Chega conseguiu diferenciar os seus ataques aos ocupantes do cargo, salvaguardando a instituição [Parlamento], que, aliás, nunca contesta. A relação complicada não é com a presidência do Parlamento, mas sim com a política de cordão sanitário erguida pelos socialistas face ao Chega em todos os lugares institucionais que ocupam", considera o professor.

Depois de algumas bicadas aqui e ali, as guerras entre o Chega e Santos Silva subiram de tom no 25 de Abril deste ano. No caso, na sessão solene de boas-vindas a Lula da Silva, em que o Chega protestou veementemente contra a presença do presidente brasileiro no plenário. Irritado com o protesto - que se baseava em bater nas mesas e erguer cartazes em contestação -, Santos Silva usou da palavra, num tom mais ríspido, dizendo: "Os Srs. Deputados que querem permanecer na sessão plenária têm de se portar com a urbanidade, a cortesia e a educação que é exigida a qualquer representante do povo português. Chega! Chega de insultos! Chega de degradarem as instituições! Chega de porem vergonha no nome de Portugal!"

Este episódio, diz Riccardo Marchi, representou mais um "desrespeito àquele político de esquerda do que à instituição Assembleia da República. Houve, aliás, o cuidado de não interromper a cerimónia". Isto, diz, "não é um acaso. É estratégico, mesmo para não passar de subversivos das instituições, mas sim de opositores radicais de certas esquerdas."

Apesar do cargo que desempenha, Santos Silva é encarado como um possível candidato à Presidência nas próximas eleições, em 2026. E, para já, nada exclui que Ventura não entre na corrida também - até porque já o fez em 2021, quando ficou em terceiro.

Mas, segundo Riccardo Marchi, nenhuma das candidaturas poderá sair afetada. Pelo contrário. Segundo o investigador do ISCTE, caso sejam candidatos, isto até "facilita a campanha dos dois face aos demais candidatos". Porquê? "Porque polariza o confronto entre o defensor do sistema contra os "bárbaros" e o salvador do regime democrático contra os donos do sistema que o subtraíram ao povo. A polarização dos dois papéis vai chamar a atenção mediática, retirando-a aos demais, que se apresentarão com o habitual discurso do "presidente de todos os portugueses"."

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