Do conjunto da CPLP, Cabo Verde pode orgulhar-se de ter sido o primeiro país a ter um magistrado fêmea (após a independência a lei portuguesa que proibia mulheres na magistratura ainda continuou em vigor, porém o art.º 22.º da LOPE - Lei da Organização Política do Estado - prescrevia que só quando não contrariasse os princípios e objetivos do PAIGC); e também um deputado fêmea, que aliás chegou a ser eleita vice-presidente da Assembleia Nacional Popular, motivo na época do nosso grande embandeiramento na lista dos mais progressistas..Mas não foi só isso, a nível das leis gerais e comuns, particularmente duas se destacaram pela sua importância na defesa dos direitos da mulher: a lei da união de facto, que, pela via da imposição da divisão de bens, veio acabar com o ancestral abuso masculino de explorar o trabalho das companheiras durante anos e anos e depois simplesmente mandá-las embora, trocando-as por mulheres mais jovens; a lei da interrupção voluntária da gravidez, que permitiu à mulher uma margem de liberdade nunca antes sonhada. Isso tudo completado com o generalizado acesso ao ensino, rondando a nossa atual taxa de alfabetização os 98%..Ora sem dúvida que isso tudo tem implicação direta na qualidade da democracia do país, e o governo está a sentir-se muito orgulhoso da 33.ª posição que foi atribuída a Cabo Verde no Relatório da Democracia de 2018 da responsabilidade do projeto Variedades da Democracia, que tem como um dos seus objetivos avaliar a qualidade da democracia em 201 países. Cabo Verde ficou em 33.º lugar no mundo, em segundo a nível da CPLP e em primeiro em toda a África..Mas não estamos satisfeitos com esse lugar, garantiu um dirigente do partido no poder, o que queremos é "caminhar cada vez mais para frente"..Não será de estranhar esse desejo. Porque se aceitarmos identificar pluripartidarismo com democracia política, até se poderá dizer que somos nados e criados nesse tipo de regime, desde 1990 que vimos praticando a alternância política como a coisa mais normal do mundo, seja a nível municipal seja a nível nacional, e há uns anos, numa eleição presidencial, um candidato venceu por 12 votos contados, com plena aceitação não só dos eleitores em geral como também do próprio candidato vencido..De modo que nesse aspeto da democracia institucional não temos razão de queixa, tudo parece correr pelo melhor. Agora, no que se refere à democracia familiar, digamos francamente que estamos bem longe do ideal, no que concerne às mulheres. É verdade que são acarinhadas pelos partidos, as chefias intermédias da maior parte das instituições e serviços, sejam públicos sejam privados, se encontram chefiadas por mulheres, e o anterior governo, num rasgo de ostentação pública, constitui-se com 11 mulheres e apenas oito homens. O atual, não obstante no seu programa referir expressamente a vontade de desenvolver "uma nação exemplo no mundo em matéria de igualdade de género e de inclusão social" com vista ao "empoderamento" (que palavra mais feia!) da mulher, não terá tido essa preocupação de número e continua com apenas três mulheres num total de 12 homens..De modo que as mulheres cabo-verdianas não teriam nenhuma razão de queixa dos regimes políticos saídos da independência, não fossem ainda as principais vítimas da violência baseada no género, um drama de não poucas tragédias ainda existente na nossa sociedade, e ainda com respostas mais retóricas do que eficazes. E enquanto tal durar, não creio haver muitas razões para grandes e festivas congratulações..Escritor cabo-verdiano, Prémio Camões 2018