Está agreste o ambiente entre o governo/PS e o Bloco de Esquerda. Os bloquistas abstiveram-se ontem na votação na generalidade do Orçamento do Estado para este ano (OE 2020) mas o tom muito agressivo das críticas que fizeram à proposta - críticas essas diretamente dirigidas a Mário Centeno por causa do excedente orçamental que pela primeira vez está previsto - irritou os socialistas..No discurso com que, ontem, encerrou a intervenção da bancada socialista neste primeiro debate do OE 2020, a respetiva líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, deixou um recado explicitamente dirigido aos deputados do BE (e não fez isso em relação ao PCP): "É por isso, senhoras e senhores deputados do Bloco de Esquerda, que prosseguimos ao mesmo ritmo de avanços nesta legislatura com que andámos na passada. Não, não avançámos dez centímetros, avançámos muito na melhoria da vida dos portugueses. Não queiram os senhores deputados do Bloco de Esquerda gripar o motor do crescimento e da justiça social", advertiu..O aviso surgiu depois de Mariana Mortágua - a principal voz do BE para as questões orçamentais - ter usado uma metáfora métrica para comparar os avanços conseguidos neste Orçamento com os obtidos nos quatro anos da legislatura anterior (2015-2019): "Senhor primeiro-ministro, imagine que cada orçamento é um passo: no primeiro Orçamento avança um metro, no segundo, mais um metro, no terceiro, outro metro e no quarto também. Até que no quinto, finalmente, avança dez centímetros. O quinto Orçamento será o mais avançado de todos mas nem por isso andou mais, andou o suficiente ou andou na direção certa.".Bloco dispensável.A verdade é que a aritmética da aprovação, ontem, na generalidade, do OE 2020 revela que, transpondo-se para a votação final, a abstenção bloquista se torna dispensável. Com a abstenção somada de PCP, PAN, PSD-Madeira, PEV e Livre, e passando o BE para o lado dos votos contra (juntando-se a PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal), o Orçamento do Estado passará com 108 votos a favor (os do PS) e 102 contra..Seja como for, os tabus que, à esquerda, se mantiveram quase até à votação de ontem - o Livre só mostrou a sua escolha no momento da votação - vão agora ser reeditados para a votação final global, marcada para 6 de fevereiro. As únicas garantias são os votos favoráveis do PS (108) e os votos contra de PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal (83, todos somados). Há 39 votos indecisos (BE+PCP+PAN+PEV+PSD-Madeira+Livre), todos tendo-se reservado o direito de no fim não votarem da mesma maneira como votaram ontem..Por negociações entre o governo e os partidos da antiga geringonça, além do PAN e dos três deputados do PSD-Madeira, há já uma série de matérias que têm consagração orçamental garantida na versão fina. Contudo, há também o que falta ainda negociar - e António Costa diz, como sempre, que as negociações são para durar até ao último dia..Salários e pensões.O Bloco de Esquerda, por exemplo, diz que se absteve sobretudo devido ao que acordou nas negociações desta semana em matéria de reforço do Serviço Nacional de Saúde. Mas ao mesmo tempo diz que faltam outras coisas. E o PCP, o mesmo..Os principais dossiês em aberto parecem ser os dos aumentos das pensões e dos salários dos funcionários públicos (a proposta inicial do governo é que sejam de 0,3%, a proposta original do executivo aos sindicatos)..Acontece que, da parte do PS, já surgiram sinais de disponibilidade para abrir um pouco mais os cordões à bolsa nos dois dossiês. Carlos César fê-lo em relação às pensões e o próprio António Costa disse no debate que podia ir-se mais longe na questão dos salários da função pública..Quanto ao IVA da eletricidade, que a esquerda quer reduzir para 6%, o governo parece irredutível: só aceita fazer essa redução para os contratos de potência mais baixa - portanto para os agregados mais desfavorecidos -, argumentando que uma descida generalizada teria dois problemas: por um lado, seria uma medida contrária a todos os princípios de proteção climática; por outro lado, tenderia a beneficiar sobretudo os agregados com maiores consumos (que são por norma os das famílias mais favorecidas)..Os partidos à esquerda insistiram mas o BE já começou a colocar-se numa posição de não rejeição da ideia governamental. Jorge Costa resumiu o principal problema da proposta do governo à ausência de estudos com os seus impactos..Presidente de mãos atadas.O Presidente da República reagiu à aprovação na generalidade do OE 2020 com avisos tanto para a próxima votação final como já em relação à votação do Orçamento do Estado para 2021..Marcelo recordou uma importante limitação a que está sujeito por imposição constitucional: "É óbvio que tem de haver estabilidade e não há sequer condições para estar a pensar em crises políticas e económico-financeiras" neste período, em que "toda a gente sabe o seguinte: que o Presidente da República não tem poder de dissolução do Parlamento até abril, e deixa de ter a partir de setembro, até ao final do mandato"..Dito de outra forma: "Não estou preocupado, porque toda a gente percebe quando eu digo isto, que não é possível haver crise, porque não é possível haver dissolução e eleições, como poderia acontecer noutras circunstâncias, sem aprovação de Orçamento." E "também não é possível para o Orçamento seguinte, pela razão seguinte: coincide esse processo com o fim do mandato presidencial, os seis meses em que não pode haver dissolução, e porque o mundo está como está e a Europa está como está. Parece-me que as pessoas somam dois mais dois mais dois igual a seis"..Em suma: uma crise política resultante de um chumbo orçamental só pode ser rapidamente resolvida com eleições antecipadas na discussão do OE para 2022..O que a esquerda e o PAN já obtiveram.Várias propostas dos partidos à esquerda do PS ou estão j incluídas na proposta do OE 2020 ontem aprovada na generalidade ou virão a ser, na discussão na especialidade..- Recuperação do valor das pensões mais baixas, através de atualização extraordinária semelhante e em linha com as realizadas anualmente na anterior legislatura..- Alargamento do complemento solidário para idosos. Eliminação da ponderação do segundo e do terceiro escalões de rendimento dos filhos na definição da prestação. Valor mínimo acima do limiar da pobreza..- Aumento de prestações sociais como o abono de família ou o subsídio de desemprego..- Aumento do IVA na bilhética da tauromaquia para a taxa máxima..- Eliminação das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários em 2020 e em 2021 nos meios complementares de diagnóstico (análises e exames prescritos nos CSP)..- Reforço de 180 milhões de euros no SNS dirigidos a mais investimento em meios complementares de diagnóstico, visando reduzir a contratação externa..- Em 2020, a regulamentação da Lei de Bases da Saúde cria um regime de exclusividade para os trabalhadores médicos do SNS. A exclusividade obrigatória será progressivamente aplicada aos coordenadores de USF e diretores de centros de responsabilidade integrados (CRI)..- Reforço da saúde mental. Criação de equipas de saúde mental na comunidade. Criação de internamento psiquiátrico nos hospitais que ainda não oferecem esta resposta. Dispensa de fármacos antipsicóticos nas consultas de especialidade hospitalar ou de medicina geral e familiar. Oferta de cuidados continuados e de saúde mental em todas as regiões de saúde. Requalificação da unidade de psiquiatria forense do Hospital Sobral Cid (CHUC)..- Redução do valor das propinas no primeiro ciclo do ensino superior, prosseguindo a redução conseguida pelo Bloco no Orçamento do Estado para 2019. As propinas voltam a descer 20%. A propina máxima desde dos atuais 871 para 697 euros..- Crescimento do programa de creches estatais gratuitas..- Criação do Laboratório Nacional do Medicamento.
Está agreste o ambiente entre o governo/PS e o Bloco de Esquerda. Os bloquistas abstiveram-se ontem na votação na generalidade do Orçamento do Estado para este ano (OE 2020) mas o tom muito agressivo das críticas que fizeram à proposta - críticas essas diretamente dirigidas a Mário Centeno por causa do excedente orçamental que pela primeira vez está previsto - irritou os socialistas..No discurso com que, ontem, encerrou a intervenção da bancada socialista neste primeiro debate do OE 2020, a respetiva líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, deixou um recado explicitamente dirigido aos deputados do BE (e não fez isso em relação ao PCP): "É por isso, senhoras e senhores deputados do Bloco de Esquerda, que prosseguimos ao mesmo ritmo de avanços nesta legislatura com que andámos na passada. Não, não avançámos dez centímetros, avançámos muito na melhoria da vida dos portugueses. Não queiram os senhores deputados do Bloco de Esquerda gripar o motor do crescimento e da justiça social", advertiu..O aviso surgiu depois de Mariana Mortágua - a principal voz do BE para as questões orçamentais - ter usado uma metáfora métrica para comparar os avanços conseguidos neste Orçamento com os obtidos nos quatro anos da legislatura anterior (2015-2019): "Senhor primeiro-ministro, imagine que cada orçamento é um passo: no primeiro Orçamento avança um metro, no segundo, mais um metro, no terceiro, outro metro e no quarto também. Até que no quinto, finalmente, avança dez centímetros. O quinto Orçamento será o mais avançado de todos mas nem por isso andou mais, andou o suficiente ou andou na direção certa.".Bloco dispensável.A verdade é que a aritmética da aprovação, ontem, na generalidade, do OE 2020 revela que, transpondo-se para a votação final, a abstenção bloquista se torna dispensável. Com a abstenção somada de PCP, PAN, PSD-Madeira, PEV e Livre, e passando o BE para o lado dos votos contra (juntando-se a PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal), o Orçamento do Estado passará com 108 votos a favor (os do PS) e 102 contra..Seja como for, os tabus que, à esquerda, se mantiveram quase até à votação de ontem - o Livre só mostrou a sua escolha no momento da votação - vão agora ser reeditados para a votação final global, marcada para 6 de fevereiro. As únicas garantias são os votos favoráveis do PS (108) e os votos contra de PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal (83, todos somados). Há 39 votos indecisos (BE+PCP+PAN+PEV+PSD-Madeira+Livre), todos tendo-se reservado o direito de no fim não votarem da mesma maneira como votaram ontem..Por negociações entre o governo e os partidos da antiga geringonça, além do PAN e dos três deputados do PSD-Madeira, há já uma série de matérias que têm consagração orçamental garantida na versão fina. Contudo, há também o que falta ainda negociar - e António Costa diz, como sempre, que as negociações são para durar até ao último dia..Salários e pensões.O Bloco de Esquerda, por exemplo, diz que se absteve sobretudo devido ao que acordou nas negociações desta semana em matéria de reforço do Serviço Nacional de Saúde. Mas ao mesmo tempo diz que faltam outras coisas. E o PCP, o mesmo..Os principais dossiês em aberto parecem ser os dos aumentos das pensões e dos salários dos funcionários públicos (a proposta inicial do governo é que sejam de 0,3%, a proposta original do executivo aos sindicatos)..Acontece que, da parte do PS, já surgiram sinais de disponibilidade para abrir um pouco mais os cordões à bolsa nos dois dossiês. Carlos César fê-lo em relação às pensões e o próprio António Costa disse no debate que podia ir-se mais longe na questão dos salários da função pública..Quanto ao IVA da eletricidade, que a esquerda quer reduzir para 6%, o governo parece irredutível: só aceita fazer essa redução para os contratos de potência mais baixa - portanto para os agregados mais desfavorecidos -, argumentando que uma descida generalizada teria dois problemas: por um lado, seria uma medida contrária a todos os princípios de proteção climática; por outro lado, tenderia a beneficiar sobretudo os agregados com maiores consumos (que são por norma os das famílias mais favorecidas)..Os partidos à esquerda insistiram mas o BE já começou a colocar-se numa posição de não rejeição da ideia governamental. Jorge Costa resumiu o principal problema da proposta do governo à ausência de estudos com os seus impactos..Presidente de mãos atadas.O Presidente da República reagiu à aprovação na generalidade do OE 2020 com avisos tanto para a próxima votação final como já em relação à votação do Orçamento do Estado para 2021..Marcelo recordou uma importante limitação a que está sujeito por imposição constitucional: "É óbvio que tem de haver estabilidade e não há sequer condições para estar a pensar em crises políticas e económico-financeiras" neste período, em que "toda a gente sabe o seguinte: que o Presidente da República não tem poder de dissolução do Parlamento até abril, e deixa de ter a partir de setembro, até ao final do mandato"..Dito de outra forma: "Não estou preocupado, porque toda a gente percebe quando eu digo isto, que não é possível haver crise, porque não é possível haver dissolução e eleições, como poderia acontecer noutras circunstâncias, sem aprovação de Orçamento." E "também não é possível para o Orçamento seguinte, pela razão seguinte: coincide esse processo com o fim do mandato presidencial, os seis meses em que não pode haver dissolução, e porque o mundo está como está e a Europa está como está. Parece-me que as pessoas somam dois mais dois mais dois igual a seis"..Em suma: uma crise política resultante de um chumbo orçamental só pode ser rapidamente resolvida com eleições antecipadas na discussão do OE para 2022..O que a esquerda e o PAN já obtiveram.Várias propostas dos partidos à esquerda do PS ou estão j incluídas na proposta do OE 2020 ontem aprovada na generalidade ou virão a ser, na discussão na especialidade..- Recuperação do valor das pensões mais baixas, através de atualização extraordinária semelhante e em linha com as realizadas anualmente na anterior legislatura..- Alargamento do complemento solidário para idosos. Eliminação da ponderação do segundo e do terceiro escalões de rendimento dos filhos na definição da prestação. Valor mínimo acima do limiar da pobreza..- Aumento de prestações sociais como o abono de família ou o subsídio de desemprego..- Aumento do IVA na bilhética da tauromaquia para a taxa máxima..- Eliminação das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários em 2020 e em 2021 nos meios complementares de diagnóstico (análises e exames prescritos nos CSP)..- Reforço de 180 milhões de euros no SNS dirigidos a mais investimento em meios complementares de diagnóstico, visando reduzir a contratação externa..- Em 2020, a regulamentação da Lei de Bases da Saúde cria um regime de exclusividade para os trabalhadores médicos do SNS. A exclusividade obrigatória será progressivamente aplicada aos coordenadores de USF e diretores de centros de responsabilidade integrados (CRI)..- Reforço da saúde mental. Criação de equipas de saúde mental na comunidade. Criação de internamento psiquiátrico nos hospitais que ainda não oferecem esta resposta. Dispensa de fármacos antipsicóticos nas consultas de especialidade hospitalar ou de medicina geral e familiar. Oferta de cuidados continuados e de saúde mental em todas as regiões de saúde. Requalificação da unidade de psiquiatria forense do Hospital Sobral Cid (CHUC)..- Redução do valor das propinas no primeiro ciclo do ensino superior, prosseguindo a redução conseguida pelo Bloco no Orçamento do Estado para 2019. As propinas voltam a descer 20%. A propina máxima desde dos atuais 871 para 697 euros..- Crescimento do programa de creches estatais gratuitas..- Criação do Laboratório Nacional do Medicamento.