Coreia faz eleições para mostrar que a democracia é mais forte do que o vírus
Há candidatos nas eleições coreanas que não resistem a tirar a máscara cirúrgica para melhor se fazerem ouvir nos comícios, mas no essencial a campanha para as legislativas têm obedecido às regras estritas de comportamento que minimizaram o impacto do coronavírus no país. E o favoritismo no dia 15 vai todo para o Partido Democrático, a que pertence o presidente Moon Jae-in, em boa parte pela excelente resposta à pandemia, pois a Coreia do Sul chegou a ser o país mais atingido depois da China, mas agora regista bem menos casos e vítimas do que a maioria dos países europeus (ontem mais 27 infetados e quatro mortes num país de 50 milhões de habitantes).
Não gerou grande polémica esta insistência em manter a data das eleições, ao contrário do que acontece na Polónia com as presidenciais de maio, porque a Coreia do Sul nunca aplicou regras estritas de confinamento e, de facto, as medidas de distanciamento social são respeitadas pela generalidade da população sem necessidade de suspender a economia. O uso da mais moderna tecnologia, com recurso ao GPS dos telemóveis, permitiu evitar a contaminação generalizada e dá confiança às autoridades para arriscar. Mesmo assim, haverá controlo da temperatura corporal nas secções de voto e rigorosas regras de desinfeção dos locais.
De tradição confucionista, como os vizinhos chineses, os coreanos não só acatam bem as diretivas das autoridades como têm forte consciência de responsabilidade social. E mostraram que mesmo uma democracia pode ser capaz de lidar com uma pandemia tão ameaçadora como esta covid-19. Aliás, a própria realização das eleições na data prevista, que outros países como o Reino Unido e a Sérvia não arriscaram com receio de impacto negativo na saúde pública, faz parte desse esforço de conciliar combate à pandemia com defesa de uma democracia que foi conquistada no final dos anos 1980 após muita pressão popular sobre o regime militar.
O coronavírus veio reforçar a popularidade do presidente Moon, e por acréscimo do seu campo político, a esquerda progressista. Mas ainda há poucos meses se pensava que estas eleições seriam sobretudo uma avaliação ao processo de normalização com a Coreia do Norte, com Moon a dialogar com Kim Jong-un e depois a promover mesmo conversações diretas entre o líder norte-coreano e os Estados Unidos de Donald Trump. Embora paradas as negociações, e sem haver sinais de que a Coreia do Norte está disposta a abdicar do seu arsenal nuclear, Moon conseguiu acalmar a tensão na península dividida desde 1945, algo que a sua antecessora, Park Geun-hye, não foi capaz. A destituição desta última por corrupção, em finais de 2016, afetou muito o campo da direita, que tarda em recuperar.
Quase uma ilha, dada a fronteira com campos minados que a separa da Coreia do Norte (imune ao vírus?), a Coreia do Sul não dá mesmo assim por garantida a vitória sobre a pandemia e, por exemplo, anulou a isenção de visto para os portugueses e outros estrangeiros, procurando evitar importação de novos casos à custa de perda de receitas no turismo, aposta crescente deste país cheio de história e de tradição. Mas há uma possibilidade de a sua economia ser das primeiras entre as grandes (no início de 2019 era a 12.ª maior) a recuperar da crise e a ganhar pontos, ainda que com uma indústria virada para a exportação precise do resto do mundo são para poder prosperar também. O maior desafio talvez seja para os grandes construtores automóveis, como a Hyundai e a Kia, mais do que para a Samsung, o maior conglomerado do país, que constrói desde telemóveis a petroleiros.
Em 2019, o PIB cresceu 2%, muito pouco para aquilo a que está habituado um país que além de milagre democrático é um caso também de milagre económico (7,3% de crescimento médio anual nas últimas seis décadas, com o pico em 1969 ao atingir os 19%, segundo o Banco Mundial). De facto, apesar da melhoria das relações com o Norte comunista, até pondo fim teórico à guerra de 1950-1953, a economia sofreu recentemente danos colaterais provocados pela guerra comercial entre a China e os Estados Unidos e também por um diferendo com o Japão.
Mas o sucesso da resposta ao covid-19, baseado nos ensinamentos das epidemias SARS e MERS e com testagem em grande número, permite otimismo aos sul-coreanos - com o Estado a injetar milhares de milhões de euros na economia para ajudar a recuperação - e faz do país um exemplo uma vez mais à escala global.