Como o futebol do Luxemburgo mudou e a seleção é tratada com mais respeito
Apenas uma vitória em 15 jogos com Portugal, este é o histórico da seleção do Luxemburgo. Foi a 8 de outubro de 1961, quando um serralheiro de profissão, Ady Schmit, liderou o ataque luxemburguês à baliza na altura defendida por Costa Pereira, com um hat trick que marcaria pela negativa a estreia de Eusébio pela equipa das quinas - Luís Figo, curiosamente, também se estreou frente aos luxemburgueses e com um empate.
Pela primeira vez na história, a seleção do grão-ducado, com pouco mais de 600 mil habitantes, conseguia uma vitória num jogo oficial, depois de terem perdido em Lisboa por 6-0. Numa convocatória feita na altura por Fernando Peyroteo, que substituíra Armando Ferreira no comando da seleção, ganhou destaque o nome de um jovem moçambicano de 19 anos que atuava no Benfica, Eusébio. O ponta-de-lança fazia furor na equipa do Benfica de Béla Guttmann e foi chamado à seleção. Peyroteo surpreendeu ainda na escolha do onze ao deixar de fora nomes consagrados como Santana, Fernando Mendes e José Augusto, fazendo alinhar José Águas, Yaúca e Eusébio no ataque diante de uma seleção de amadores, que nunca tinha vencido um jogo oficial nas qualificações mundiais e europeias.
Foi nesse jogo, com Portugal a perder por 2-0, que o Pantera Negra se estreou também a marcar ao serviço da seleção. Para a história ficou a primeira e única derrota de Portugal com o Luxemburgo (4-2), que comprometeria a presença no Mundial 1962.
Portugal reencontra nesta sexta-feira o Luxemburgo, em jogo do Grupo B de qualificação para o Euro 2020. Longe vão os tempos em que o Luxemburgo era uma equipa de serralheiros que jogavam à bola, embora o futebol no país, onde 49% da população é emigrante - portugueses são 80 mil -, ainda tenha muito caminho pela frente. Apesar de ter apenas três ou quatro equipas semiprofissionais - todas as outras são amadoras e têm jogadores-trabalhadores -, a seleção tem melhorado a olhos vistos nos últimos anos. Com apenas quatro ou cinco atletas a jogar no país, os outros já são profissionais e atuam fora, principalmente na Alemanha, como Alessio Curci, de 17 anos, das escolas de formação do Mainz (Alemanha), que foi chamado pela primeira vez por Luc Holtz - no comando da seleção desde 2010 - e poderá estrear-se em Lisboa, frente a Portugal, no Estádio José Alvalade.
O grão-ducado do Luxemburgo é conhecido por ser um país muito rico e altamente desenvolvido, sendo o segundo maior PIB per capita do mundo. Mas o nível do futebol não tem correspondido e tardou em beber influências dos países vizinhos, como a Alemanha, a Bélgica e a França. A seleção tem apenas oito vitórias, 11 empates e incríveis 95 derrotas em 114 jogos de eliminatórias para Europeus e com o impressionante saldo negativo de 311 golos sofridos e 49 marcados. Se a seleção luxemburguesa ainda procura o primeiro apuramento, a nível de clubes a situação é idêntica. A BGL Ligue, que é a primeira divisão do futebol local, é a 35.ª entre as ligas principais das 55 que compõem a UEFA.
De há uns anos para cá, porém, o cenário começou a alterar-se. "No início do século, a federação (FLF) criou uma escola de futebol internacional, para os jogadores de vários escalões, tiveram um trabalho apurado a contratar jogadores de qualidade e apostaram na observação das camadas jovens, algo que nunca se tinha feito no Luxemburgo até então", contou ao DN Álvaro Cruz. O jornalista português que acompanha a seleção e é também treinador de futebol e amigo de Fernando Santos explicou que foi assim que foi descoberto Miralem Pjanic, o atual jogador da Juventus que tem dupla nacionalidade, bósnia e luxemburguesa. O médio escolheu jogar pela seleção bósnia, mas o primeiro clube dele foi o Schifflange, do Luxemburgo, antes de se mudar para Metz depois de a federação chegar a um acordo com o clube francês.
Essa é outra das mais-valias recentes. Os acordos com clubes das vizinhas Bélgica, Alemanha e França, que ajudou ao desenvolvimento de jovens jogadores que depois são aproveitados pelas seleções: "A federação fez protocolos com os melhores clubes da região, como o Colónia, o Mainz, o Metz, o que acaba por dar oportunidade aos miúdos para se destacarem em campeonatos e equipas que trabalham com os melhores da Europa. Isso melhorou bastante o nível dos jogadores e agora passados dez anos os resultados estão a aparecer."
A estabilidade federativa - o presidente da Federação está no cargo desde 2004 e foi selecionador nacional de 1985 a 2001 - e técnica - Luc Holtz é selecionador desde 2010 - aliada a uma maior aposta na formação e nas infraestruturas, ajudaram assim ao aparecimento de uma "geração dourada", segundo Álvaro Cruz, lembrando que a federação "recorreu a meia dúzia de naturalizações".
A falange portuguesa e cabo-verdiana nas camadas jovens "é considerável", mas são poucos os que chegam à seleção principal. Neste momento só há um português no grupo. Com raízes portuguesas e nascido no Luxemburgo, Daniel da Mota, que venceu por seis vezes o campeonato do país ao serviço do Dudelange, é atualmente jogador do Racing FC. "Em 2012 tínhamos 11 guerreiros em campo. Agora temos jogadores de qualidade, que sabem jogar à bola e sabem trocar e guardar a bola, o que é muito importante. Há uma grande diferença dos jogos de 2012 para agora", contou Daniel da Mota à TSF, ele que já marcou um golo a Portugal.
O lusodescendente atestou ainda a mudança de mentalidade. "Agora, no nosso grupo de 23, temos 17 jogadores profissionais e alguns até jogam no estrangeiro, com boa qualidade. Vamos tentar fazer o melhor jogo possível, temos mostrado bom futebol contra os adversários com quem temos jogado", alertou Da Mota, como é conhecido, lembrando que "Portugal não é só Ronaldo".
O crescimento do futebol no Luxemburgo também é notório para quem lá joga. João Coimbra joga no Luxemburgo, no US Mondorf-les-Bains, prevê dificuldades para a equipa das quinas na partida desta sexta-feira. "O futebol luxemburguês tem vindo a crescer e a seleção tem beneficiado com isso. Isso vê-se neste apuramento, em cinco jogos já igualaram o número de pontos máximo que conseguiram na melhor fase de grupos até hoje. É uma demonstração evidente do crescimento do futebol luxemburguês. É uma seleção que pode provocar alguns problemas a Portugal, principalmente no contra-ataque. É uma equipa com qualidade e jovem", disse ao DN o jogador de 33 anos.
Segundo o ex-defesa do Benfica, "é difícil" avaliar esta seleção do Luxemburgo. "Só quatro convocados jogam no país, os outros jogam todos fora, principalmente na Alemanha. Além do Da Mota destacaria o Danel Sinani, um jogador com muita qualidade", avisou Coimbra, destacando que o dia-a-dia da seleção portuguesa é acompanhado com grande entusiasmo: "Não é todos os dias que se joga contra Portugal, Cristiano Ronaldo, Bernardo Silva..."
Um dos maiores feitos dos luxemburgueses aconteceu há pouco mais de um ano. Em Toulouse, com sete jogadores com descendência cabo-verdiana ou portuguesa, entre os 23 eleitos, a seleção empatou com a França de Paul Pogba, Antoine Griezmann, Kylian Mbappé e companhia (0-0) no apuramento para o Mundial 2018. Christopher Martins Pereira e Daniel da Mota foram titulares, enquanto Emanuel Cabral, Eric Veiga e Marvin Martins não saíram do banco. Dwayn Holter e Gerson Rodrigues, ambos membros da diáspora cabo-verdiana, entraram no decorrer do jogo. Já Ricardo Delgado e Yann Matias não estavam na convocatória desse jogo, mas integraram outras convocatórias em 2017, talvez o melhor ano da seleção do grão-ducado.
Além do heroico empate com os bleus, os Roud Léiwen venceram os particulares com a Albânia (2-1), Bielorrússia (1-0) e Hungria (2-1). Mas também houve sonoras goleadas: Holanda (5-0) e Suécia (8-0). Terminaram o ano na 84.ª posição do ranking FIFA, a melhor classificação de sempre (hoje é 93.ª), quando em 2013 era a 114.ª do mundo.
Um exemplo da evolução do futebol no país é a recente e inédita presença do F91 Dudelange na fase de grupos da Liga Europa 2018-2019, que se tornou o primeiro clube do Luxemburgo a chegar tão longe numa competição da UEFA.
Agora, no apuramento para o Euro 2020, o Luxemburgo é quarto e penúltimo classificado do Grupo B, com quatro pontos, à frente da Lituânia, que é última, apenas com um. Até agora, o Luxemburgo venceu e empatou com a Lituânia e perdeu com a Ucrânia (dois jogos) e a Sérvia. Faltam-lhe dois encontros com Portugal e um com os sérvios no Grupo B de apuramento. Portugal segue no segundo posto, com oito pontos, atrás da Ucrânia, que lidera, com 13 (e mais um jogo disputado), e à frente da Sérvia, que tem sete e também mais um jogo disputado.
Um dos segredos da evolução do futebol luxemburguês assenta na estabilidade técnica. "Quando Luc Holtz assumiu o cargo de selecionador, o primeiro objetivo da seleção era conseguir jogar bom futebol. Construir jogo, saber ter a bola e, numa segunda fase, obter também resultados positivos. Este processo levou algum tempo, sofreu alguns contratempos, mas hoje o Luxemburgo joga muito melhor do que há alguns anos e obteve resultados muito encorajadores. Foram dados passos em frente, disso não tenho qualquer dúvida. Importa lembrar que continuamos a ser um pequeno país, mas a nível internacional conseguimos uma subida significativa no ranking FIFA e já nos olham com mais respeito", explicou o presidente da federação, Paul Philipp, ao jornal português do Luxemburgo, Contacto.
Sem pressa para conseguir uma qualificação para uma grande prova, o presidente espera "confirmar a evolução futebolística" e tentar fazer o máximo de pontos possível para reforçar a posição na hierarquia do futebol mundial: "Nos últimos anos nota-se uma evolução considerável a nível global. Já se trabalha com muito mais qualidade em quase todos os clubes devido à melhor formação que muitos treinadores têm. Existem bons jogadores espalhados pelo país e é necessário aproveitar esses talentos. Os resultados nas seleções também melhoraram substancialmente graças a esse trabalho e também pelo facto de alguns jogadores ingressarem em centros de formação estrangeiros."
Segundo o líder federativo, o país talvez esteja na presença da "melhor geração de jogadores que o Luxemburgo já teve, no que respeita à quantidade de talentos disponíveis". As alternativas "abundam" e "se um ou outro jogador não puder dar o seu contributo à equipa, a ausência poderá ser colmatada por outro sem o rendimento da equipa ser afetado". Apesar disso, ainda falta melhorar muita coisa, ao nível da formação, infraestruturas, qualidade do treino e dos treinadores.
Quanto a infraestruturas, a federação prepara a inauguração do novo estádio, para substituir o velhinho Josy Barthel. E Paul Philipp gostava de o inaugurar com a presença de Portugal. "Além de ser o campeão europeu, também por todas as razões que conhecemos e ligam os povos dos dois países. Falei com o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, no último congresso da FLF no Luxemburgo e ele mostrou-se recetivo, sem no entanto ter confirmado. Creio que antes do Europeu de 2020 poderemos ter um Luxemburgo-Portugal no novo estádio", disse o presidente.