Transição. Administração Trump em modo de bloqueio

Uma passagem de testemunho suave entre as duas presidências é neste momento uma miragem. Administradora de agência federal não certifica "aparente vitória" de Biden, impedindo a entrada das equipas do democrata.
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O presidente Donald Trump mantém-se na sua torre de marfim, sem reconhecer que Joe Biden venceu quer o voto popular quer a maioria dos votos para o Colégio Eleitoral, enquanto o democrata já prepara o dia 20 de janeiro. Uma transição suave entre as duas presidências não está à vista. Por diferentes motivos, esta transição pode ser tão acidentada como a de 1933 ou a de 2000.

Quando o presidente Herbert Hoover perdeu as eleições, em 1932, para Franklin Roosevelt, passou quatro meses - nessa altura a tomada de posse era em março - a tentar demover o sucessor de combater a Grande Depressão com o New Deal. As reuniões entre ambos foram um desastre e a cerimónia de tomada de posse realizou-se em ambiente tenso.

Em 2000, os norte-americanos viveram quase um mês e meio sem saberem quem seria o próximo chefe de Estado. O resultado na Florida foi contestado, alvo de recontagem e posterior análise pelo Supremo Tribunal. O caso foi tão obscuro que até a sentença fez jus: era tão ou pouco atabalhoada que alguns meios de comunicação davam George W. Bush como o novo presidente e outros Al Gore.

Só depois da sentença datada de 12 de dezembro é que Administração de Serviços Gerais (GSA na sigla em inglês), a agência federal que aloca recursos financeiros, espaços físicos e autorizações de segurança às equipas do futuro presidente, deu luz verde ao republicano. Já então Dick Cheney, o todo-poderoso vice-presidente, estava há muito a preparar a transição, a partir da sua casa, enquanto recuperava de um ataque cardíaco, como relembra a Vox.

Se a dupla Bush-Cheney conseguiu em pouco mais de um mês preparar o novo executivo, qual a pressa? A crise de saúde pública e a crise económica originadas pela pandemia, que exigem respostas urgentes. Isso mesmo disse Joe Biden na segunda-feira. "Temos de nos unir para curar a alma deste país, de modo a podermos enfrentar eficazmente esta crise como um só país, onde os trabalhadores americanos se apoiam uns aos outros, e estarmos unidos no nosso objetivo comum: derrotar este vírus."

Espera-se que quando o Colégio Eleitoral se reunir, no dia 14 de dezembro, depois de esgotadas as recontagens e vias legais pela equipa de Trump, a GSA tenha acedido às aspirações dos democratas, o que até agora não aconteceu.

A administradora da GSA, Emily Murphy, nomeada por Trump em 2017, tem o poder de decidir quando os resultados eleitorais são suficientemente evidentes para desencadear uma transição de poder.

Segundo uma lei de 1963, cabe ao administrador da GSA declarar quando um vencedor é aparentemente "apurado". Nesse momento, abre as portas das agências federais e fornece financiamento operacional ao presidente eleito e à sua equipa, que passam a poder trabalhar nos edifícios, a usar e-mails oficiais e a trabalhar com o Gabinete de Ética do Governo para processar declarações financeiras e formulários de conflito de interesses para os seus nomeados.

De momento, a única coisa que a equipa de Biden pode fazer é informar o FBI de potenciais nomeados que exijam confirmação do Senado para obter autorizações de segurança preliminares e iniciar o processo de investigações de antecedentes criminais.

Segundo a ABC News, entre cerca de 4000 nomeações esperadas pela nova administração, 1200 precisam de aprovação do Senado.

Mas Emily Murphy ainda não decidiu atribuir à equipa de Biden as chaves da transição e os 9,9 milhões de dólares necessários para formar uma nova administração, incluindo o processo de escrutínio de todo um novo governo.

"Ainda não foi feita uma aferição. A GSA e a sua administradora continuarão a respeitar, e a cumprir, todos os requisitos da lei", disse Pamela Pennington, secretária de imprensa da GSA, num comunicado.

"Nenhum chefe de agência vai passar por cima do presidente em questões de transição neste momento", disse um alto funcionário da administração, sob anonimato, ao Washington Post. O funcionário previu que os chefes das agências federais serão aconselhados a não falar com a equipa de Biden.

Outro funcionário afirmou que cada agência elaborou planos de transição pormenorizados, mas que estes não serão divulgados à equipa de Biden até que um vencedor seja formalmente declarado.

Ainda segundo o Post, Mary Gibert, a chefe da equipa de transição presidencial na GSA, disse aos colegas numa chamada que a agência estava em modo de espera e que não receberia pessoas das equipas de Biden até que houvesse uma "aferição" dos resultados, não tendo dado qualquer previsão de quando tal irá acontecer.

"Cada dia conta numa transição, neste ano mais do que qualquer transição desde 1932. O processo de transição formal sob lei deve começar rapidamente", disse David Marchick, diretor do Center for Presidential Transition (Centro de Transição Presidencial) da Partnership for Public Service.

"O processo de transição é fundamental para garantir que a próxima equipa esteja preparada para começar no primeiro dia em segurança", disse Max Stier, presidente da Partnership for Public Service, que criou um centro de transição presidencial e partilha conselhos com as equipas de Biden e de Trump. "É fundamental que se tenha acesso às agências antes de se pôr os seus funcionários no lugar."

Joe Biden anunciou na segunda-feira pormenores sobre a equipa de trabalho que vai criar um plano para tentar controlar a pandemia. Além de ter identificado as pessoas que vai ouvir, comprometeu-se a trabalhar com "governadores e líderes locais de ambos os partidos" para elaborar uma resposta à pandemia do coronavírus e apelou aos americanos a "pôr de lado o partidarismo e a retórica que se pretende demonizar uns aos outros" e a juntarem-se para combater o vírus.

Biden voltou a defender medidas de saúde pública, como o uso de máscaras, ou o distanciamento social, e ao anunciar os nomes do painel, constituído por médicos e cientistas, assegurou que vai ser "informado pela ciência e por peritos".

O antigo vice de Barack Obama também lançou equipas de análise de agências, grupos de pessoal de transição que terão acesso a agências na atual administração. O objetivo é recolher informações relacionadas com o orçamento, o pessoal, regulamentos pendentes e outros trabalhos em curso do atual pessoal da administração Trump nos departamentos para ajudar a equipa de Biden a preparar-se para a transição.

Mas para tal acontecer é preciso que a equipa de Donald Trump esgote primeiro as hipóteses legais de reverter a decisão dos eleitores. Declarações de republicanos como o ex-presidente George W. Bush, do senador e ex-candidato presidencial Mitt Romney ou do senador do Nebraska Ben Sasse, a reconhecerem Joe Biden como o próximo líder dos Estados Unidos, ou um comunicado de mais de 30 antigos representantes republicanos no mesmo sentido caíram para já em saco roto. Até porque do outro lado Trump recebeu nas últimas horas mensagens de apoio dos senadores Lindsay Graham e Mitch McConnell, bem como de Mike Pence.

O vice-presidente, que até agora se tinha remetido a um papel de observador, disse à sua equipa que "isto só acaba quando estiver acabado... e não acabou", escreveu no Twitter.

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"O presidente Donald Trump nunca parou de lutar por nós e vamos continuar a lutar até que cada voto legal seja contado!", tuitou. O campo de Trump repete a ideia de "voto legal" em contraste com um alegado "voto ilegal", algo que até agora todas as autoridades estaduais negam.

Essa luta passa também pela pressão nas ruas. Segundo o Axios, Trump planeia realizar comícios ao estilo de campanha, nos quais vai citar nomes de mortos que alegadamente votaram nas eleições presidenciais de 2020.

Ao New York Post, tabloide de Rupert Murdoch que endossou o seu apoio a Donald Trump, o diretor de comunicação da campanha Trump, Tim Murtaugh, negou que os comícios contassem com a participação do próprio presidente.

Segundo a Associated Press, que falou com dez funcionário de topo da administração Trump, as provas não são a questão. Para Trump e um grupo restrito de aliados, o objetivo é manter a base leal de apoiantes do seu lado, mesmo na derrota.

O curioso é que a própria administração de Trump não alinha com as alegações de fraude eleitoral generalizada e de voto ilegal. A Agência de Segurança Cibernética e de Infraestruturas, que supervisiona a segurança eleitoral nos EUA, observou que os gabinetes eleitorais locais têm medidas de controlo que "tornam altamente difícil cometer fraude através de votos falsificados".

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