O tema da relação do Reino Unido com a União Europeia, que nesta data inquieta os responsáveis de ambas as entidades, talvez ganhe em clareza, que possa ajudar a encontrar uma solução apaziguadora, se não forem esquecidos os antecedentes. Talvez seja de recordar ainda que Churchill, numa das sempre notáveis entrevistas e comentários, um dia declarou que uma das maiores dificuldades da sua gestão na guerra de 1939-1945 tinha sido lidar com a Cruz de Lorena. As reticências do general De Gaulle quanto às relações institucionais do Reino Unido com os projetos europeus, a começar pela defesa, e a sua preocupação não oculta sobre a debilitação da confiança a ter quanto à prioridade da solidariedade do Reino Unido com os EUA em relação aos interesses europeus, deixou marca nas memórias da primeira-ministra Margaret Thatcher, no ponto em que sublinha a importância da manutenção da solidariedade e da autoridade internacional anglo-saxónica, assente na relação consolidada do Reino Unido com os EUA..Todavia, por outro lado, moderada a recordação de conflitos históricos, as guerras de 1914-1918 e de 1939-1945 não teriam provavelmente levado ao resultado final sem a intervenção e o sacrifício da Inglaterra, cujos cemitérios de jovens soldados seus determinam a vinda da rainha aos antigos campos de batalha para as cerimónias de homenagem que fortalecem a memória nacional e europeia. Também não permitem esquecer que o Brexit se traduz na retirada da maior esquadra e do maior exército da União, que são britânicos, na data em que os gestores da União declaram a necessidade e a urgência de organizar a sua segurança militar, uma situação em que a ambiguidade americana quanto à NATO também não pode deixar de entrar na análise e na avaliação da situação..Se a leitura do passado recente, e dos desafios do presente, mantiver a evidência de que a segurança da Europa não pode dispensar o Reino Unido, e que o atlantismo desejável tem nele um apoio indispensável, talvez este processo do Brexit - que ameaça não ter um resultado útil, e multiplicar os desafios da conjuntura - tenha omitido a primeira pergunta, que não foi feita, a de perguntar à Inglaterra de que obrigações queria sair sem abandonar a Europa unida. O que implicaria certamente rever a estrutura, não apenas jurídica, mas também de facto, da União e dos seus custos. Isto tem que ver com os factos porque, ao mesmo tempo que o respeito jurídico formal dos tratados é invocado sem considerar os novos perigos europeus, o presidente da Comissão defendeu publicamente a reforma da organização definindo pontos cruciais, designadamente quando entre nós publicamente enumerou os seus propostos objetivos, designadamente quanto à eleição pelo povo europeu da presidência e a criação de ministérios indispensáveis..Se a necessidade de reformulação é reconhecida com autenticidade, e pela autoridade do principal responsável pela gestão da União, o processo da saída do Reino Unido em curso, talvez desordenado, não serve o fortalecimento da União, principalmente quando as circunstâncias das eleições europeias deste ano fazem crescer as preocupações. Talvez seja de lembrar que, quando da queda do Muro de Berlim, os países que viviam, havia meio século, em democracia receberam os que tinham vivido o mesmo período em luta pela soberania. Esta será uma das razões para que as eleições europeias deste ano sejam problemáticas..Por outro lado, talvez os difíceis problemas internos que a questão do Brexit está a provocar na Inglaterra façam lembrar que o Reino Unido não é um Estado nacional, e por isso à solidez da sua unidade não faltarão evidentes motivos de preocupações. Por outro lado, talvez o problema importante não seja o da saída do Reino Unido da União Europeia, mas o de saber se entre as manifestadas necessidades da reforma da União poderá estar antes o de manter a Inglaterra na União, um tema tão ou mais importante do que conseguir que o atlantismo não seja enfraquecido, e o outono ocidental agravado..O proclamado valor da Europa unida é secular, mas as dificuldades e os obstáculos para conseguir uma governança articulada têm igualmente séculos. Os custos da dificuldade traduziram-se em conflitos armados, que no século passado pareceram levar a que as épocas de paz devessem ser designadas por armistício..Nesta época de globalismo, o risco está em que a expressão mais apropriada seja declínio, quando se avalia a mudança real da hierarquia teórica com que foi desenhado o Conselho de Segurança da ONU. Os emergentes não são já apenas uma hipótese, as definições de solidariedade dificilmente se ajustam ao imaginado pelos autores da Carta da ONU, as formas de rompimento da paz exploram os avanços da tecnologia. A prudência também é um instrumento de defesa..Professor universitário