Política
09 agosto 2022 às 22h12

Francisco Guerreiro: "Se as pessoas soubessem o que a extrema-direita defende aqui não votavam no Chega"

Eurodeputado Francisco Guerreiro nasceu em Santiago do Cacém, fará em breve 38 anos e lamenta a "pegada ecológica" causada pelo Parlamento Europeu. O ex-PAN acredita que "a extrema-direita quer destruir a União Europeia" e que "usam os fundos e usam as vantagens para minar".

Com o fim da pandemia o que é que mudou no Parlamento?
Diria que se perdeu uma oportunidade. Tínhamos a oportunidade de utilizar um sistema misto em que se conciliasse a parte física com a parte virtual, nomeadamente algum trabalho de comissão que poderia ser feito de modo virtual. Isto poupava custos ao Parlamento Europeu e toda a máquina burocrática ter de se deslocar a Bruxelas, mas também poupando o ambiente. Lá está, com estas deslocações e toda esta dinâmica, há obviamente uma grande pegada ecológica.

E não mudou porquê?
Não foi maioritariamente por causa dos grandes partidos, mas há muitas pessoas que preferem manter a dinâmica de antigamente. Também senti que é a vontade de uma faixa etária mais avançada e que está habituada a esta dinâmica parlamentar.

Está habituada porque é um ritual ou está habituada porque isto acaba por trazer dinheiro ao bolso?
Não posso falar por cada um, mas parece-me que é um misto dos dois. Mas, no fundo, penso que o interesse público de poupar o Parlamento e as finanças públicas, apesar dessa quantia já estar orçamentada no pacote geral, é dinheiro que poderia ser alocado depois. Sempre que há sobras de uma linha orçamental, essa linha pode ser alocada para outras necessidades. Acho que era um exemplo positivo que nós parlamentares poderíamos dar, que era garantir que havia mais folga para usarmos noutras dinâmicas que fossem mais fundamentais do que as viagens dos eurodeputados.

Porque é que o que se passa aqui não consegue transparecer para Portugal?
Há uma multiplicidade de fatores. Há sondagens que indicam que os portugueses são profundamente europeístas, defendem a Europa e as estruturas, mas na hora de votar o fenómeno é o oposto. Acho que não se dá a nível parlamentar e governamental o destaque que se deveria dar a questões europeias. Ou seja, não se explica às pessoas a arquitetura europeia e como é que as pessoas diariamente beneficiam disso. Por exemplo, há questões fáceis de explicar, como o facto de as pessoas irem a outros países e não pagarem taxas adicionais. Isto é fácil de explicar, mas as pessoas muitas vezes não sabem que isto veio de uma diretiva. Utiliza-se aquilo que é menos sabido ou alguma temática mais controversa para explicar que vem da Europa. Ou seja, nacionaliza-se muito o debate, o que é bom é nacional, o que é mau é da Europa. Acho que aí é um grande defeito dos partidos políticos e da estrutura parlamentar.

Dos eurodeputados?
Não, a nível nacional, a meu ver, a responsabilidade é mais nacional. Mas quando chegam as eleições europeias, ouve-se mais os eurodeputados falar de questões internas. Mas a questão é que durante um mandato de cinco anos, não podemos só ouvir os eurodeputados falar no final do mandato, que é quando existe maior contacto com os eurodeputados. Aí acho que há uma responsabilidade mista, um trabalho que tem de ser nosso de tentar fomentar essa informação mais fácil para as populações, mas também dos meios de comunicação social, para que não venham só no final do mandato perguntar o que andamos a fazer. Isso cria a ideia de que andámos cinco anos a fazer algum trabalho secundário e que só no fim estamos preocupados com a reeleição.

E o que é que o Francisco Guerreiro anda a fazer?
Estou a trabalhar no orçamento para 20-23 do Parlamento Europeu que vai depois para negociação com a Comissão e com o Conselho, para alocarmos as verbas que já estavam pré-definidas, mas em que pode haver margens para deslocações. Por exemplo, para ERASMUS, para algumas agências, para garantia de que determinados programas de recuperação ecológica ou para ajuda externa para alguns países possam ter mais ou menos verbas. Estou, como parte dos Verdes, a negociar esse pacote geral.

Essa seria a resposta que daria se fosse interpelado por alguém em Portugal que lhe perguntasse o que anda a fazer aqui?
Sim, diria que não só isso, porque esse é o trabalho mais parlamentar e mais difícil de explicar.

É difícil explicar às pessoas o que se faz aqui?
Acho que é um pouco difícil se não tivermos o tempo. Estive a trabalhar no Fundo Europeu para os Assuntos Marinhos e das Pescas, portanto, tudo o que tem a ver com fundos para os pescadores e para a preservação da biodiversidade marinha. Ainda agora tivemos uma conferência em que se esteve a falar da preservação da biodiversidade e fui um dos relatores a perceber como é que o dinheiro público vai ser alocado para beneficiar as comunidades pesqueiras, a biodiversidade marinha.

E se alguém lhe perguntasse se houve alguma coisa que fez que tenha tido impacto diretamente na vida dos cidadãos, teria resposta para isso?
Sim, a Política Agrícola Comum, a Política Comum de Pescas, isto são tudo políticas que refletem diariamente aquilo que as pessoas vão comprar à prateleira. Por exemplo, os preços dos produtos de origem vegetal, houve uma grande polémica em torno da Política Agrícola Comum porque havia uma emenda que pretendia dificultar a rotulagem de produtos como hambúrgueres vegetais. Havia uma emenda que queria claramente dificultar a nomenclatura desses produtos, dificultando assim que os consumidores soubessem o que estão a comer. Essa foi uma medida muito clara que resultou na eliminação dessa emenda e que faz com que hoje as pessoas possam ir a um supermercado e perceber que é um hambúrguer vegetariano.

Se fazem isso, se isso interfere na vida das pessoas, mas se as pessoas não sabem, a culpa é vossa de não passarem bem a mensagem?
Há uma parte de responsabilidade dos eurodeputados e dos grupos que trabalham as matérias europeias porque têm essa responsabilidade de diariamente falar com os cidadãos, mas depois os canais de comunicação não nos abrem as portas.

E isso sente-se muitas vezes?
Da minha parte, sinto. Basta ver que em questões ligadas à transição climática, muitas vezes não somos chamados para determinados debates. Tudo o que tem a ver com Políticas Agrícolas Comuns, muitas vezes, também não somos chamados a debates.

É o problema de ser um eurodeputado independente?
Não, já sentia isto quando era eurodeputado e estava filiado no PAN. Acho que há esta dificuldade em perceber que há várias posições, todas elas relevantes. Sabemos que há grupos que têm mais eurodeputados e têm mais tempo de antena, mas isso não exclui que o único deputado que está no grupo dos Verdes não tenha algo a dizer sobre as várias matérias.

Como por exemplo?
Se muitas das pessoas soubessem que, por exemplo, o grupo em que o Chega diz que vai entrar se for votado para o Parlamento Europeu, o que a extrema-direita defende nesta casa, muitas vezes alocando dinheiro que em vez de ser para ajudar a criar campos de acolhimento para emigrantes, serve para construir muros. Isto parece-me muito relevante até porque, por exemplo, há muitas matérias que a extrema-direita - que é o caso mais anacrónico -, que é um grupo que claramente quer destruir a União Europeia no seu todo, mas estão aqui a viver desta pequena bolha, usa os fundos e usa as vantagens para minar a própria União Europeia. Se as pessoas soubessem o que a extrema-direita defende aqui não votavam no Chega.

Mas o Chega não está aqui.
Mas, se a maior parte das pessoas soubesse o que é que este grupo defende e depois ligassem isto ao grupo nacional, que é o Chega, se calhar pensavam duas vezes antes de votar neles. Porque muitas vezes o que impera é o soundbyte, é a retórica e o populismo, mas se formos ver os factos e virmos aquilo que se defende aqui e o que se diz no parlamento nacional, talvez as pessoas pensassem duas vezes.

Quem pensa uma vez e vota, pensa mal?
Não é dizer que as pessoas votam mal, porque as pessoas têm direito ao voto, mas se soubessem o que isso implica na Europa e o que muitos desses grupos defendem para modelo da Europa, pensavam duas vezes.

E 2024?
Não sei, não vou fazer um segundo mandato, vou dedicar-me à minha família, vou dedicar-me às coisas com que me preocupo.

É o regresso à vida civil?
Sempre estive na vida civil, acho que vou ser sempre político, não vou é ser um político partidário. Vou é tirar algum tempo para dedicar à minha família, porque durante cinco anos não pude acompanhar boa parte do crescimento das minhas filhas e agora vamos adotar uma terceira. Portanto, isso também terá impacto, o poder acompanhar a nossa terceira filha. Essa vai ser a minha prioridade, pelo menos um ano irei dedicar-me a estar com a minha família.

Nem que um convite viesse de um grupo parlamentar?
Não, não me parece. Não tenho mesmo vontade, pelo menos o primeiro ano vai ser mesmo para regressar às bases, priorizar a família e depois logo se vê. Não almejo ser Presidente da República ou chefe de qualquer coisa, não tenho esse tipo de vertente.

Se tivesse de pôr um título aos cinco anos que aqui esteve, qual seria?
Diria que fui um deputado que priorizou as questões ambientais, sem dúvida. Tudo o que tem a ver com políticas agrícolas, políticas de pesca, políticas energéticas, políticas sociais de habitação e políticas económicas, o princípio da ecologia e da boa gestão dos recursos comuns sempre foi um princípio basilar. E depois, obviamente, que a questão dos direitos dos animais não deixa de ser fundamental porque claramente se vê que é um tema terciário e que nós trouxemos para Portugal, mas para o mundo dos Verdes como prioridade.

Seria...
O ecologista. Muitos dos temas que estamos hoje a debater, a independência energética da Europa, a crise alimentar, a crise da habitação, são temas sobre os quais já vimos a alertar há quase duas décadas. E sempre dissemos que se tivéssemos um determinado tipo de acordos comerciais com alguns blocos geopolíticos iríamos ter problemas.

Ou seja?
Se não primássemos pela soberania alimentar, iríamos ter problemas; se não fizéssemos acordos multilaterais com determinados princípios baseados na lei e em garantias de reciprocidade, iríamos ter estes problemas que estamos a enfrentar na democracia interna da União. Portanto, se não lutássemos contra os populismos, iríamos ter esta franja a liderar a agenda com temas secundários.

artur.cassiano@dn.pt