Presidenciais. Socialistas em silêncio, direita à espera de Marcelo

PS não reagiu ao anúncio da candidatura de Ana Gomes. À direita, PSD e CDS só tomam decisões em novembro, depois de Marcelo anunciar a (muito provável) recandidatura.
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Nenhuma reação oficial, nenhum comentário dos principais dirigentes do partido - para já, o PS reagiu com silêncio ao anúncio da candidatura de Ana Gomes, que ontem disse ao jornal Público que vai mesmo avançar para Belém. Ainda sem posição definida oficialmente, o PS mantém no horizonte a hipótese de apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, já defendida por figuras como Ferro Rodrigues ou Fernando Medina. Mas Ana Gomes vem baralhar as contas socialistas.

Uma das incógnitas passa agora por saber com quem alinhará a ala esquerda do partido. Pedro Nuno Santos, atual ministro das Infraestruturas e um anunciado futuro candidato à sucessão no PS, disse em julho que o partido devia ter um candidato próprio e que, se não o tivesse, votaria nas candidaturas do PCP ou do Bloco. Um comentário visado por António Costa na entrevista que deu ao semanário Expresso há duas semanas, ao recomendar um "especial dever de reserva" aos ministros.

À direita, PSD e CDS também não se alongaram a comentar a decisão de Ana Gomes. "Não tenho nenhum comentário a fazer à candidatura da Dra. Ana Gomes. Ela é livre e como qualquer português com mais de 35 anos pode candidatar-se a Presidente da República. Tomou essa decisão, respeitamos", afirmou o líder social-democrata, Rui Rio. Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, Rio diz que se percebe que "quem está no exercício da função queira adiar o mais possível [o anúncio da recandidatura] para não haver confusão entre Presidente e candidato". Recorde-se que o líder social-democrata já disse que o "mais provável" será o PSD apoiar a recandidatura do atual inquilino de Belém.

Já o CDS tem sido mais dúbio quanto a esse apoio e o líder do partido voltou ontem a remeter a questão para depois da decisão de Marcelo. "Percebo esta agitação à esquerda à procura de um candidato", afirmou Francisco Rodrigues dos Santos, lembrando que "a direita não tem um candidato, mas tem um Presidente: Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito com o apoio do CDS e do PSD".

O líder do CDS ​​​​​​ repetiu que o partido aguardará pela "declaração individual" do atual chefe do Estado sobre a sua recandidatura, "se tiver essa intenção" e só depois reunirá para decidir se apoia ou não a candidatura de Marcelo. Mas o timing definido por Marcelo Rebelo de Sousa - que apontou uma decisão para novembro - não deixa muito espaço aos centristas para avançar nessa altura, a dois meses das presidenciais, com uma candidatura própria.

A entrada de Ana Gomes na corrida às presidenciais é uma boa notícia para a democracia em Portugal na medida em que induz uma maior participação numas eleições habitualmente marcadas por uma elevadíssima abstenção, da mesma forma que promove uma maior polarização.

Quem o diz é António Costa Pinto, investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Uma perspetiva que é corroborada pelo politólogo Adelino Maltez: "A existência destas candidaturas enriquece a democracia."

As próximas presidenciais somam agora três nomes à esquerda - além de Ana Gomes, a bloquista Marisa Matias avança oficialmente como candidata nesta quarta-feira, numa altura em que falta conhecer quem protagoniza a candidatura presidencial pelo PCP (o nome será revelado no sábado). À direita, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não confirmou a recandidatura de que ninguém duvida. O Chega avança com André Ventura e o Iniciativa Liberal com Tiago Mayan Gonçalves.

Com um discurso "claramente conotado à esquerda do espectro político", é neste eleitorado que a candidata socialista - que, ao que tudo indica, não terá o apoio do seu partido - terá maior repercussão. Mas António Costa Pinto sublinha que Ana Gomes tem características que lhe dão transversalidade no eleitorado. A candidata "protagoniza aquilo a que pode chamar-se um discurso justicialista de esquerda", que quebra as barreiras da tradicional divisão direita-esquerda. Não por acaso, André Ventura já reagiu à notícia do avanço da candidata afirmando que se demite da direção do Chega se ficar atrás de Ana Gomes nas presidenciais.

Adelino Maltez considera que a ex-eurodeputada "vai ter a tentação enorme de transformar André Ventura no seu adversário principal. Se o fizer, comete um erro", adverte, acrescentando que esta é uma polarização que "interessa a Marcelo Rebelo de Sousa" na medida em que potencia o discurso da figura que une os portugueses e que está acima da contenda eleitoral - "Marcelo Rebelo de Sousa não está nesta corrida. Está a concorrer com Mário Soares, com Jorge Sampaio, com Cavaco Silva."

António Costa Pinto destaca duas dificuldades que se levantam à antiga eurodeputada. Por um lado, o facto de Bloco de Esquerda e PCP avançarem a título próprio - com o que o politólogo designa como "candidatos de manutenção", que visam manter o espaço dos dois partidos. Sem estas candidaturas, Ana Gomes "teria a hipótese de ser a candidata de segmentos importantes daquilo que se designa como geringonça". Por outro lado, avança sem um aparelho partidário que sustente a candidatura, uma questão que "não deve ser subestimada". E um último fator que as sondagens têm revelado: "O eleitorado do PS tem uma grande propensão para votar Marcelo Rebelo de Sousa."

Já Adelino Maltez defende que "muitas bases do PS vão fugir" para Ana Gomes. Para o politólogo, que defende que a candidata deve ter como meta passar a fasquia dos 20% (e ficar à frente de André Ventura), "este é um desafio difícil" - "mas é evidente que Ana Gomes gosta de coisas difíceis".

Olhando para a totalidade do espaço político, António Costa Pinto defende que a candidatura da ex-eurodeputada "reforça a legitimidade" de o PSD e também o CDS apoiarem Marcelo. Embora, no caso dos centristas, seja um problema o facto de o Chega e o Iniciativa Liberal avançarem com candidatos próprios. Mas sublinha que é preciso relativizar: "Não sobrevalorizemos muito a importância destas presidenciais para a sociedade portuguesa. Toda a conjuntura é pouco favorável, a dinâmica da pandemia, a redução da campanha eleitoral."

E pode a candidatura de Ana Gomes ser divisiva dentro do PS? António Costa Pinto lembra que este cenário de um socialista que avança para as presidenciais à margem do partido não é nada a que os socialistas não estejam habituados - Manuel Alegre e Maria de Belém Roseira são dois exemplos recentes. Por outro lado, Ana Gomes "não tem nenhum peso no aparelho" socialista - "vamos ver até que ponto vai recolher apoios entre os notáveis do PS" -, e isto num contexto em que o PS "sabe que estas eleições estão potencialmente ganhas por Marcelo Rebelo de Sousa". Circunstâncias que retiram atrito à relação da candidatura com o partido.

Por definir está ainda a posição que o PS assumirá relativamente às presidenciais. A questão foi lançada por António Costa em maio quando, numa visita à fábrica da Autoeuropa em Palmela, falando na condição de primeiro-ministro e com o Presidente da República a assistir, deu como certa a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa para Belém. Dias depois, na SIC, Ana Gomes não poupou nas palavras, afirmando que "o PS não é o partido de Costa" e que "a democracia não está suspensa" no PS. Foi o ponto de partida para a reflexão da antiga diplomata, entretanto interrompida pela morte do marido, mas que se traduziu agora no anúncio da candidatura, que será oficializada nesta quinta-feira.

Além dos pré-candidatos já citados - que terão de entregar 7500 assinaturas no Tribunal Constitucional para formalizar a candidatura - já manifestaram intenção de avançar Bruno Fialho, presidente do Partido Democrático Republicano (PDR) e o ex-militante do CDS Orlando Cruz, que já fez idêntico anúncio no passado, mas nunca chegou a formalizar a candidatura. E, nesta terça-feira, Vitorino Silva (mais conhecido como Tino de Rans) avançou à agência Lusa que será recandidato às presidenciais - há quatro anos foi o sexto candidato mais votado, com 152 mil votos.

Tino de Rans diz querer "combater os populismos e a abstenção" e pede desde já o adiamento das eleições, argumentando que os idosos não irão votar, dado o contexto de pandemia. "Toda a gente sabe que em janeiro o frio é 'de rachar' e as eleições estão marcadas para essa altura, sendo que nessa altura podemos ter a pandemia da covid-19 e a epidemia da gripe e não podemos permitir que os idosos possam faltar ao voto por estarem enfraquecidos ou com medo", afirmou à Lusa, acrescentando que a opinião pública deve exigir que as eleições "não sejam em janeiro".

"Já participei em muitas mesas eleitorais e nas mesas dos idosos a afluência era de 80% e na dos jovens votam 150 a 200 em cada mil. Se em janeiro continuar a haver pandemia, os filhos não irão levar os pais a votar e corre-se o risco de na eleição presidencial votar apenas 20% ou 25% do eleitorado", afirmou.

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