Portugal mediador entre Argel e Rabat?

Publicado a
Atualizado a

Sauditas, koweitianos ou mauritanos, não parecem faltar potenciais mediadores para o conflito diplomático entre a Argélia e Marrocos, que se agudizou em agosto quando Argel decidiu cortar relações e atingiu novo patamar quando Argel fechou há dias o gasoduto que abastecia Espanha e Portugal via território marroquino. Além de vários países árabes, a própria Liga Árabe está na primeira linha para essa mediação, e a União Europeia, consciente da gravidade da tensão que se acumula na sua fronteira sul, também se disponibilizou para tentar fazer que o país presidido por Abdelmadjid Tebboune e o reino de Mohammed VI troquem os tambores de guerra pelas conversações de paz. Até a Suíça, consciente de que boa parte do problema entre os dois países magrebinos resulta do Sara Ocidental, se disponibilizou para acolher negociações entre Marrocos e a Frente Polisario, o movimento que reivindica a antiga colónia espanhola e é apoiado por Argel, recusando a soberania de Rabat.

Quem conhece os dois países sabe o quanto em comum têm os povos argelino e marroquino, ambos com uma matriz cultural que mistura elementos árabes e berberes. Mesmo as diferentes experiências coloniais, com a Argélia a passar de província otomana a possessão francesa ainda na primeira metade do século XIX enquanto Marrocos, durante séculos independente, se tornou um protetorado franco-espanhol já tardio, e nem sequer a diferente forma de reconquista da soberania, guerra contra os franceses no caso argelino mas negociações com Paris e Madrid no caso marroquino, explicam quase seis décadas de muita hostilidade e de escassa cooperação. É lugar-comum até referir como este historial de desentendimento prejudica a economia dos dois países, mais não seja porque a fronteira fechada desde 1994 custa alguns pontos percentuais ao PIB de ambos, mas também porque tanto a Argélia como Marrocos estão no topo da lista de compradores de armamentos em África, só atrás do Egito, o que significa que verbas que deviam ser usadas para o desenvolvimento são antes canalizadas para a defesa.

Há muitas explicações possíveis para a dureza das recentes decisões de Argel, desde a consolidação do controlo do Sara (ou províncias do sul) por Rabat, a incapacidade da ONU de organizar o referendo de autodeterminação que Marrocos e Polisario tinham acordado em 1991, as novas relações oficiais entre o reino de Mohammed VI e Israel, o suposto apoio da diplomacia marroquina ao separatismo na Cabília, ou também, noutra dimensão, a necessidade de Tebboune de se impor aos militares e ganhar o apoio da opinião pública argelina.

Já houve uma guerra nos anos 1960 entre a Argélia e Marrocos e o nome desta, Guerra das Areias, não deve desvalorizar aquilo pelo qual os dois exércitos combateram. As areias do Sara são no norte de África território sagrado como qualquer outro e se novo conflito acontecer certamente também haverá areias em disputa. Mas o problema maior é que não seriam só areias o terreno de combate, pois por muito curta que fosse uma nova guerra, é provável que chegasse a instalações estratégicas e mesmo a centros urbanos. Na contagem puramente aritmética de espingardas, a Argélia ganha, mas Marrocos tem as suas próprias capacidades de retaliação e, portanto, ninguém é vencedor certo, embora um, acrescente-se, seja parceiro da Rússia e o outro um aliado da América. Aliás, haveria sim dois derrotados, pois por muito que a Argélia seja a quarta economia de África (graças ao petróleo e ao gás) e Marrocos a quinta (indústria, agricultura e turismo), não são países ricos, mas sim nações que deviam preocupar-se mais com a educação e a saúde do que com jogos de guerra.

Estou a falar, e isso é especialmente importante neste contexto de tensão, de dois vizinhos de Portugal. Marrocos está mais perto e tem uma ligação histórica mais forte, mas a importância da Argélia é hoje bem evidente se pensarmos no gás natural que fornece às nossas casas e empresas. Haverá alguma hipótese de Portugal, com excelentes relações tanto com Argel como com Rabat, ser o mediador que tanta falta faz? Mesmo que tenha de o ser de forma discreta?

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt