Uma brasileira pode ser a nova reitora em Coimbra
Desde o período colonial que a Universidade de Coimbra (UC) tem um significado especial do outro lado do Atlântico, com nomes como José Bonifácio, um dos heróis da independência do Brasil, a contarem-se entre os antigos alunos. Até à década de 1940 deste século, muitos dos governantes daquele país passaram pelo Pátio das Escolas. E a procura mantém-se em alta, sobretudo nas pós-graduações da área do Direito. Mas nenhum brasileiro teve hipótese de liderá-la. Até agora. Duília Fernandes de Mello, doutorada em Astronomia pela Universidade de São Paulo e professora na Universidade Católica dos Estados Unidos, é candidata a reitora. E caso seja escolhida pelo conselho geral, na segunda-feira à tarde, será não só o primeiro reitor estrangeiro no país como a primeira mulher à frente da UC em 728 anos de história.
Motivos suficientes para fazerem da eleição um momento diferente na história da universidade, ainda que não seja a primeira vez que um estrangeiro tenta liderar Coimbra ou outras instituições do ensino superior do país. Na verdade, já houve cerca de duas dezenas a tentá-lo. Até agora sem sucesso.
Com a candidata a reitora em trânsito entre Portugal e os Estados Unidos, de onde deverá regressar a tempo de conhecer a decisão do conselho geral, o DN não conseguiu falar com Duília de Mello até ao fecho desta edição. No seu plano de ação para a universidade, apresentado no início desta semana, a astrofísica - que se tornou conhecida pela colaboração com a NASA e por utilizar as observações do Hubble nas suas investigações - sublinhou a sua experiência internacional como vantagem na conquista de novos alunos e da melhoria na investigação, propondo-se aumentar as receitas próprias da UC de menos de 24 milhões para os 30 em dois anos. E reconheceu não ter muito conhecimento prévio da realidade da instituição, garantindo que tal não será obstáculo caso seja eleita.
Fora da corrida à liderança está Yang Chen, físico natural de Singapura e professor de Matemática na Universidade de Macau. Apesar de ter sido um dos cinco nomes aprovados pelo conselho geral, no passado dia 14 decidiu retirar a sua candidatura, por não dominar a língua de Camões. Ao DN, por e-mail, assumiu com honestidade que não teria condições para desempenhar o cargo: "Penso que, como reitor de Coimbra, deves ser capaz de ler documentos e fazer apresentações em português. É uma expectativa justa", reconheceu.
Chen, que antes de chegar a Macau, em 2012, passou uma década como leitor e professor de Física Matemática no Imperial College de Londres, contou ter tomado conhecimento da vaga "através de um anúncio no Times Higher Education [o site dedicado ao ensino superior do Times]. E apontou vários motivos para ter decidido tentar a sua sorte: "Nesta fase da minha carreira sinto que seria capaz de contribuir para a gestão a um alto nível e Coimbra é mais próxima de York, no Reino Unido, onde a minha família vive." Além disso, acrescentou, "Coimbra é a universidade mais antiga de Portugal e uma das mais antigas da Europa e, no que toca ao sistema de ensino superior português, sou um grande admirador", acrescentou.
Na corrida à sucessão do reitor João Gabriel Silva estão também três professores da "casa": Amílcar Falcão, de Ciências Farmacêuticas, atual vice-reitor; Ernesto Costa, do departamento de Engenharia Informática; e José Pedro Paiva, da Faculdade de Letras (ver perfis). O DN conseguiu falar com os dois primeiros que consideraram "positiva" a presença de concorrentes estrangeiros, sobretudo quando estes têm um currículo com qualidade, apesar de defenderem que dificilmente serão favoritos.
"Agora que conheço melhor a colega [brasileira], considero que se trata de uma pessoa de muito valor, muito interessante até quem sabe para o futuro da universidade", disse Amílcar Falcão que, no entanto, considerou que esta candidata parte com alguma desvantagem. "Para ocupar o lugar de reitora não me parece que seja fácil, porque cai num local sem conhecer a Universidade de Coimbra, que é uma instituição muito grande e muito complexa, e também não conhece bem o país e as leis", defendeu. "É positivo ter um olhar exterior sobre a nossa universidade e, se calhar, até chama a atenção para pontos que não tínhamos notado", concordou Ernesto Costa. "No entanto, quem vem participar numa eleição deste tipo está sempre em desvantagem, no sentido em que não conhece nem a realidade da instituição nem a legislação que vigora em Portugal relativamente ao superior."
Até 2007, a candidatura de estrangeiros ao cargo de reitor das universidades portuguesas era reservada a professores catedráticos com um longo vínculo à própria instituição, o que na prática resultou em zero candidaturas. Mas, a partir desse ano, com a aprovação do novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), por iniciativa do então ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Mariano Gago, as instituições passaram a ter de abrir concursos internacionais para o cargo.
A Universidade de Lisboa foi a primeira a abrir um concurso internacional para reitor, em 2009, mas foi a Universidade do Porto (UP) que teve o primeiro candidato aprovado pelo conselho geral: o indiano Prabir Bagchi, da Universidade George Washington, que viria a perder para José Marques dos Santos, em 2010. Desde então, a universidade nortenha teve sempre candidatos estrangeiros, sendo que num ano chegaram à dezena. Nenhum ganhou mas a Porto Business School, escola da UP com estatuto próprio, é liderada pelo espanhol Ramon Callaghan. A Universidade do Algarve é outra universidade portuguesa que tem atraído bastantes candidatos estrangeiros, nomeadamente britânicos.