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O meu primo quis à viva força acompanhar-me a Guadalajara. Desde que vive a situação de funcionário público aposentado que passa o tempo em busca de afazeres. A primeira coisa que lhe ocorreu foi transformar-se em arauto da indispensável regionalização de Cabo Verde, e para isso bateu -se vigorosamente, quer na rádio e televisão quer nos jornais e até em panfleto os assinados que ele mesmo distribuía na rua.

Tens de arranjar outras pessoas para falarem e escreverem sobre esse assunto, disse-lhe certa vez, assim como fazes o que vão pensar é que és um exército de um homem só e não te levam a sério. Calma, sossegou-me sorrindo, a seu tempo será, não há pressa nenhuma. Não ripostei, mas cheguei à conclusão que ele preferia aquela luta individual e portanto mais demorada, desse modo ficando com uma ocupação firme por longos anos. Porém, o partido no poder pregou-lhe uma partida. Durante a campanha eleitoral tinha prometido regionalizar, e como princípio de pagamento da promessa, fez aprovar no Parlamento uma lei apontando, ainda que a medo, o caminho da regionalização. De modo que o meu primo, ainda sem descobrir as falhas da lei por onde pode atacar, ficou no imediato sem ocupação. E ao saber do convite que eu tinha recebido para estar na feira de Guadalajara, apresentou-se para os devidos efeitos. Será mais prudente ir contigo, começou a justificar, como sabes aquele lugar está perigoso. Eu asseguro a minha passagem e estadia, foi adiantando, não terás qualquer despesa comigo, quando muito uma cerveja ou uma tequila. Muito bem, digo-lhe, mas que irás fazer ali? Servir-te de guarda-costas, ora essa! E preciso de guarda-costas para quê? Não é para quê, é porquê. És um escritor premiado, podes ser uma tentação para alguma pessoa ou grupo mais mal intencionado, por exemplo, podem querer raptar-te.

O meu primo está a falar tão sério que é a custo que contenho uma gargalhada. Rapaz, digo-lhe, a aposentação não está a fazer-te bem, estás a precisar de uma ocupação de homem capaz de refrear-te essa imaginação destemperada, olha, podias perfeitamente dedicar-te à escrita da ficção. Dá muito trabalho! Mas estás enganado, continua convicto, aquilo lá não é a pasmaceira em que vivemos aqui, aquela gente tem sangue nas guelras, parece que não andas a acompanhar a facilidade e a quantidade de gente que eles têm raptado, por dá cá aquela palha capturam uma pessoa e escondem em local seguro, de preferência numa floresta, até o filho do chefe de um cartel de droga foi raptado, ainda há dias apanharam em plena luz do sol uma quantidade de crianças, parece que as usam em cerimónias religiosas, esperemos que vivas.

Estou atarantado com a quantidade de informações que o meu primo está debitando. Mas como sabes tanto sobre isso, questiono. Em vez responder, ele prossegue: Dizem os mídias que com o novo presidente, que ainda nem foi investido, os raptos cresceram quase 500%.

Rio-me porque me apetece perguntar, E as pessoas acham que ele está metido nisso? Em vez disso digo-lhe, Ainda que seja verdade, para quê raptar um homem de 1,95 e 130 kg? Mesmo que fossem canibais a minha carne deve estar imprópria para consumo, lembra-te que tenho já uma idade avançada e com tanta gente jovem que vai estar por aí, mulheres bonitas a dar com pau, homens esbeltos e perfumados, não, eu por mim acho que vou estar mais que seguro. Estás enganado, insiste meu primo, és um prémio Camões. Rio-me com vontade. Isso não, porque vão lá estar muitos e bons premiados, portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, até chegarem a mim terão de andar um longo caminho e entretanto regresso a casa. Mas admitindo que sejas raptado, insiste meu primo, achas que o Governo de Cabo Verde estaria disposto a pagar alguma coisa para te resgatar? Eu no lugar deles não pagaria porra nenhuma, pelo contrário pensaria que ficámos com um chato a menos. Mas a gente nunca sabe o que vai na cabeça dos governos. Lembro-me sempre que o México certa vez quase entrou em guerra com a França por causa de um bandeja de pastéis de bacalhau.

Escritor cabo-verdiano, Prémio Camões 2018.

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