"Tenho 29 anos e sou português", disse o piloto capturado na Líbia. Será?

Forças que atacam o governo de Tripoli anunciaram que piloto do caça Mirage F-1ED que abateram é português. Mas há reservas quanto à veracidade dessa informação.
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As forças do Exército Nacional Líbio (LNA, sigla em inglês) anunciaram nesta terça-feira ter abatido um caça pilotado por um mercenário português. E isto é certo: num vídeo que o DN se escusa a mostrar pelas imagens chocantes, o piloto de rosto ensanguentado apresenta-se como Jimmy Reis, português de 29 anos.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros está em averiguações e o da Defesa diz não haver qualquer cidadão com este nome ao seu serviço. Em São José, na Costa Rica, o chefe da diplomacia portuguesa disse ao fim da noite de terça-feira (hora de Lisboa) que a informação sobre a nacionalidade do piloto abatido continua por verificar.

"Este facto ainda não está confirmado", respondeu o ministro Augusto Santos Silva, citado pela Lusa, sobre o anúncio da detenção do piloto de um caça Mirage abatido a sul de Tripoli pelas forças do LNA e que declarou ser português.

Sem haver qualquer reação oficial do governo de União Nacional (GNA, sigla em inglês) líbio, internacionalmente reconhecido e baseado em Trípoli, habitantes da cidade de Gharyan - a cerca de 80 quilómetros a sul de Trípoli - disseram ter havido uma explosão quando o Mirage foi atingido pela defesa antiaérea do LNA. "O caça foi abatido na cidade de Al-Hira [a 10 quilómetros de Gharyan] e vi tropas do LNA capturarem o piloto", disse um habitante local ouvido pela Reuters.

A meio da tarde de ontem, o canal de televisão saudita Al Arabiya tinha anunciado que tudo não passava de um erro e o piloto iria ser libertado. Mas as coisas não eram necessariamente assim.

Primeiro a televisão saudita atribuiu uma frase ao porta-voz do LNA: "Vamos entregar o piloto português ao seu país imediatamente depois de ser tratado aos seus ferimentos. Nós apreciamos o trabalho dos irmãos europeus na luta contra a imigração ilegal."

"Preocupamo-nos com a segurança do piloto português e tratamo-lo como um convidado e não como um prisioneiro. O que aconteceu foi um erro em resultado do estado de guerra em que vivemos e vamos entregá-lo à operação europeia Sophia de imediato", teria dito Ahmed Mismari.

Aparentemente, Jimmy Reis era um militar ao serviço da Operação Sophia, montada pela União Europeia para combater a imigração ilegal no Mediterrâneo e evitar a perda de vidas no mar.

Só que não. Na conta de Twitter do porta-voz do LNA apareceria depois uma mensagem a negar qualquer declaração sobre o assunto a qualquer órgão de comunicação social.

Segundo dados do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), Portugal não tem nesta altura qualquer destacamento da Força Aérea a operar no Mediterrâneo. No caso da Operação Sophia, da UE, a próxima participação de uma aeronave de vigilância marítima P-3 está prevista para o período entre 30 de julho e 28 de agosto.

Ao Observador, o porta-voz da Operação Sophia, comandante Antonello de Renzis Sonnino, desmentiu ter sido abatido alguma aeronave europeia em território líbio e que não há quaisquer caças Mirage na região. À Lusa, o militar italiano precisou que, "de acordo com o mandato" atribuído pela UE, as forças afetas a essa missão "apenas operam em águas internacionais, não no território da Líbia".

O porta-voz do EMGFA, questionado sobre a alegada presença de pilotos portugueses ao serviço da força naval da UE para o Mediterrâneo que tem sido referida nas redes sociais, desmentiu ao DN essa possibilidade. Nesta altura não há nenhuma aeronave de vigilância marítima da Força Aérea em missão no Mediterrâneo, acrescentou o comandante Coelho Dias.

Portugal tem atualmente dois navios no Mediterrâneo: o patrulha oceânico Figueira da Foz, que está a participar no exercício militar espanhol SPANISH MINEX 19 e no âmbito da força naval europeia (EUROMARFOR) até dia 13 de maio; o submarino Tridente está ao serviço da Operação Sophia (e também da NATO), cuja missão termina igualmente na próxima semana.

Um segundo português?

Este é o segundo caça ao serviço do GNA que as forças do LNA reivindicaram ter abatido nas últimas duas semanas na Líbia.

O primeiro caso ocorreu a 22 de abril com um caça que tinha partido da cidade de Misrata, segundo informação veiculada pelas forças do marechal Khalifa Haftar.

O piloto cujas imagens foram divulgadas pelo LNA poderia ser, a confirmar-se a sua nacionalidade portuguesa, um antigo oficial da Força Aérea qualificado para operar os caças F-16.

Este seria assim o segundo português ao serviço da Força Aérea do GNA abatido pelas forças do LNA. O primeiro caso foi conhecido em junho de 2016 e envolveu um antigo piloto sem experiência de caças de guerra - pilotava avionetas de pulverização agrícola - que morreu aos comandos de outro Mirage F-1ED.

Instabilidade sem fim à vista

Oito anos depois da morte de Muammar Kadhafi, a Líbia continua a não ter perspetivas de paz e o processo democrático tarda. Ainda há um mês, o diretor das missões civis da UE, Vincenzo Coppola, anunciava ao DN em Jerusalém a retirada da missão da União Europeia no país por falta de condições no terreno - os combates estavam a intensificar-se.

Desde o início do ano, na verdade, que a tensão não para de subir. A partir do leste do país, o autoproclamado Exército Nacional da Líbia lançou em janeiro uma ofensiva sobre a capital, Tripoli. Os combates têm sido constantes deste então. Depois de uma guerra civil há oito anos, recorde-se, o país mergulhou numa segunda guerra civil em maio de 2014.

O governo de União Nacional (GNA, sigla em inglês) líbio, do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, está em Tripoli e é reconhecido pelas Nações Unidas, assim como pelo Reino Unido, o Qatar e a Turquia.

O LNA do marechal Khalifa Haftar - um ex-antigo agente da CIA e ligado ao deposto ditador Muammar Kadhafi - procura há várias semanas entrar na capital líbia e tem o apoio de países como Rússia, EUA, França, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Também a Itália, que apoiava o GNA, está a mudar a sua representação diplomática para Bengazi (sede do poder do LNA).

O LNA é liderado por um antigo apoiante de Kadhafi, Khalifa Haftar, militar com dupla nacionalidade líbia e americana que tem o apoio mais ou menos explícito de países como Egito, Emirados Árabes Unidos, Rússia e França.

Além destas duas forças principais, no terreno existem ainda várias milícias e o Estado Islâmico.

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