Itália e a sabedoria dos octogenários

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A cada golo de Itália frente à Alemanha, Sandro Pertini saltava da cadeira no Santiago Bernabéu e festejava, com o rei Juan Carlos de Espanha a tentar manter-se um anfitrião neutral e o chanceler Helmut Schmidt disfarçando mal a desilusão. Eu tinha 11 anos, e naquele verão de 1982 não devo ter perdido na RTP nenhum dos jogos do Mundial de Futebol, torcendo, na ausência de Portugal, pelo Brasil de Sócrates e Falcão e depois pela Itália de Paolo Rossi, que na final, em Madrid, marcou um dos golos do 3-1.

E se recordo pormenores desse Mundial de Espanha, como os empates italianos na fase de grupos ou os três golos de Rossi ao Brasil, ficou-me na memória muito, mas mesmo muito, a alegria daquele octogenário presidente. Estávamos em 1982 e Pertini nascera no século XIX. Com 85 anos, celebrava o terceiro título mundial de Itália, os dois primeiros conquistados ainda na era de Mussolini, ditador que ele tanto combateu, sofrendo por isso prisão, tortura, exílio e até uma condenação à morte pelos nazis, aliados dos fascistas italianos. Os partigiani, gente corajosa como o advogado e jornalista Pertini, salvaram a honra de Itália na Segunda Guerra Mundial.

Se Pertini era socialista, presidente da república numa Itália complicadíssima, onde os grandes partidos eram a Democracia Cristã e o PCI (às turras, mas entendendo-se como Don Camilo e Peppone, as personagens de Giovanni Guareschi), outro presidente que deixou boa memória foi Giorgio Napolitano. Muito jovem, enfrentou também o fascismo e, já como pós-comunista, foi eleito com 81 anos, mostrando-se providencial durante a crise financeira de 2011 ao promover um consenso para pôr Mario Monti a chefiar o governo italiano.

Idade e sabedoria sempre estiveram associadas ao longo dos tempos, mas na política houve uma época em que se promoveu o culto da juventude, talvez porque houve demasiados governantes a perpetuarem-se mesmo quando a saúde recomendava a reforma. Ora, em Itália ser-se octogenário quando se é presidente tem dado bons resultados, e fica provado com este novo mandato de Sergio Mattarella, que vai a caminho dos 81 anos. Só o facto de não desejar um segundo mandato, mas acabar por aceitá-lo para evitar uma crise política, dando assim tempo a que o seu provável sucessor, Mario Draghi, deixe o governo em boas mãos, diz muito deste homem. E que tenha recebido uma votação esmagadora também abona em favor da credibilidade e competência deste advogado, que foi juiz do Tribunal Constitucional, além de várias vezes ministro. Siciliano, oriundo de uma família antifascista que ajudou a criar a Democracia Cristã, decidiu-se pela política quando o seu irmão foi morto pela máfia, ato de coragem por todos reconhecido. E até hoje essa coragem continua a vir ao de cima, como quando fez questão de ser o defensor do europeísmo italiano em hora de protagonismo dos partidos populistas. Na realidade, quando se trata de princípios, ter 75 anos ou 80, ou até 20, tanto faz.

Sublinho, pois, ter Itália duas figuras de grande categoria à frente dos destinos do país. E Draghi, que como presidente do BCE foi decisivo contra as ortodoxias financeiras que chegaram a ameaçar a União Europeia, dará certamente um grande presidente, ele que vai a caminho de ser octogenário, valha isso o que valha, a não ser no tal aprimoramento da sabedoria. Terá em Pertini, Napolitano e Mattarella exemplos.

Deste último só posso testemunhar a elegância com que num discurso, em 2017, durante um jantar no Palácio da Ajuda a que tive a honra de assistir, lembrou ao país dos navegadores, com Marcelo Rebelo de Sousa ao lado, que o genovês Manuel Pessanha (em italiano, Pessagno) esteve, a pedido de D. Dinis, na fundação da Marinha portuguesa. Bela forma de lembrar laços antigos.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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