Da Ilha de Páscoa à Gâmbia. Os rostos da luta contra as alterações climáticas
Um computador, um gerador de energia e 15 alunas. Foi assim que Malang Sambou, 44 anos, começou a ajudar as suas conterrâneas a estudar instalações tecnológicas de energias renováveis, na cidade de Tujereng, na costa oeste da Gâmbia. Tinha acabado de voltar de Barcelona (Espanha), onde se formou em Engenharia Tecnológica, e trazia uma missão: "Usar tecnologia inteligente para tornar mais fácil a caminhada das mulheres."
Mesmo noutro continente nunca conseguiu esquecer a imagem da vida que a mãe levava, dona de casa, esposa e cuidadora dos filhos. "Todos os meus tios tinham ido à escola e a minha mãe não. Não tinha uma profissão e levava uma vida de sofrimento. Andava longas distâncias para ir buscar água ou pão, às vezes levava um dia a caminhar", recorda Malang, em entrevista ao DN, à margem da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP25), em Madrid, que acontece até dia 13.
Ainda hoje a água na cidade continua a estar longe para muitos e Malang "queria trazer soluções" para o seu país. "Em África, temos muito sol, temos todos os recursos, mas não somos capazes de rentabilizá-los e, enquanto isso, há pessoas a viver na miséria." Este é o contexto do nascimento, em 2009, do centro de Fandema, uma escola para mulheres com idades entre os 18 e os 65 anos. Aqui têm direito à educação básica, abordam o desenvolvimento sexual, "para não ficarem grávidas tão cedo", e depois aprendem um ofício (enfermagem, jornalismo, informática, fotografia, costura, cozinha), sempre ligado ao aproveitamento dos recursos renováveis. No final, estão aptas para ter uma profissão. "É ajudá-las a superarem-se." Há raparigas que, graças ao Fandema, seguiram para o ensino superior na área da instalação elétrica no Instituto Técnico da Gâmbia; a jovem Janker Jassey é uma delas, e volta ao centro, pontualmente, para dar o exemplo e ajudar outras raparigas. Colabora com Malang, que é professor apenas nos tempos livres, quando não está a mostrar o seu país aos turistas.
As instalações da organização têm agora 80 painéis solares e uma turbina eólica, tudo instalado pelas mulheres que ali vivem e estudam, também responsáveis por montar painéis noutros edifícios públicos, como escolas ou hospitais. Estão a quebrar estereótipos e a criar uma vida melhor para si. "A energia renovável está a desbloquear oportunidades profissionais para estas mulheres", diz Malang, que está ainda a contribuir para aumentar o acesso à eletricidade, num país em que apenas 13% da população rural pode acender e apagar a luz em casa, segundo as Nações Unidas. Passam a poder usar eletrodomésticos, aparelhos digitais e conservar alimentos, trazendo isto benefícios para a saúde.
A luz é uma fonte de poder para um género que tem estado na sombra. E que nesta comunidade está a sair de uma forma sustentável, não virando as costas à realidade cientifica das alterações climáticas. "Vivemos da agricultura e da natureza e ela está a virar-se contra nós. Tínhamos quatro a cinco meses de chuva e agora só temos dois e, quando chove, é com muita força, muitas casas são destruídas. Por outro lado, o interior [do país] está a ficar mesmo muito seco, o que obriga as pessoas a mudar-se para a costa oeste, sem documentos, trabalho ou sítio para viver."
São refugiados ambientais, obrigados a deixar a sua vida para trás e recomeçar noutro sítio para fugir à guerra do clima. "É preciso trabalhar nas políticas destes migrantes para dar mais dignidade a quem chega de novo a um país, porque os refugiados climáticos também não saíram do seu território por vontade própria. Tiveram de o fazer. Estas vítimas não têm uma vida mais fácil do que os refugiados de um conflito bélico", explica o advogado ambientalista Ibrahim Mbamoko, num painel da Cimeira do Clima, dedicado aos que deixam as suas casas por falta de água potável, fugidos de uma tempestade ou de um incêndio que lhes arruinou tudo o que a terra dava.
Os desastres climáticos são a principal causa da deslocação de pessoas em todo o mundo na última década. Todos os anos, mais de 20 milhões de cidadãos deixam as suas casas por causa de uma crise ambiental, sendo os mais pobres também os mais desprotegidos, apesar de contribuírem menos para a emissão de gases com efeito estufa, aponta um estudo da ONG Oxfarm, divulgado nesta semana. "Ainda bem que esta cimeira existe. É uma boa oportunidade para dar voz aos mais vulneráveis e a gente de todas as partes do mundo, da Índia, do Peru, do Chile", aponta Malang.
Nicole Muñoz tem 27 anos e veio do Chile para Madrid há três meses. Emigrou com o marido à procura de uma oportunidade de carreira que não encontrou no seu país. Tem um mestrado em Astrofísica, mas não conseguiu encontrar um emprego na área científica; na capital espanhola já tem trabalho numa empresa de desenvolvimento de software e está a tirar um curso de programação. "No Chile, não se respeita a ciência, quero ter uma oportunidade e não há", diz, sem esconder a desilusão.
As saudades do país, da família e dos amigos apertam e, por isso, assim que soube que a 25.ª Cimeira das Alterações Climáticas seria em Madrid, e não no Chile, como inicialmente estava previsto, por causa de uma onda de protestos que tem estado a assolar o país, quis fazer parte do evento. Inscreveu-se como voluntária. É uma das poucas pessoas a ajudarem na realização do evento que não têm nacionalidade espanhola (apesar da organização ser conjunta entre o Chile e a Espanha) e quer deixar claro: "Estou a fazer isto pelo Chile. Amo o meu país. Não sou ativista, mas quero ajudar e assim aproveito e aprendo alguma coisa, fico a saber o que está a ser decidido."
Foi destacada para a "zona verde" da cimeira - dedicada a atividades abertas à sociedade civil - e explica a quem por ali passa tudo o que acontece no recinto. É uma espécie de polícia sinaleiro da defesa do ambiente. E ela própria diz estar a mudar com a experiência. "No Chile não reciclava. Em casa metia as garrafas de vidro e de plástico e o cartão no mesmo contentor. Em Madrid, toda a gente recicla, portanto eu também. Separo o meu lixo todo e uso a rede de transportes públicos, porque funciona muito bem."
"O nosso amor pela natureza é muito profundo", anuncia Haumakanni Riroroko, 30 anos. É o porta-voz do duo musical que forma com o irmão, Richard Rua Riroroko, 33 anos (ambos na foto principal). O primeiro canta e toca viola, o segundo belisca o ukulele. Fizeram uma viagem de 13 horas de avião para chegar a Madrid. Vêm da ilha da Páscoa, no Chile, e estão na COP25 para representar os povos indígenas e "para deixar uma mensagem ligada à natureza, a conexão com o mar, com as plantas. Somos uma cultura de sobreviventes", continua o mais novo.
Vivem daquilo que a natureza lhes dá, recebendo com evidente alarme as crises climáticas. "Nós vivemos da Terra, todo o mal que fazemos à terra cai na nossa ilha. Quando contaminamos a natureza, contaminamo-nos a nós. Estamos a comer plástico." Apesar de já estarem a tomar medidas para evitar isto. Organizam-se da forma mais primitiva: batem às portas, explicam a problemática para recolherem braços para limpar a orla costeira. "Agarramos nas vassouras e reciclamos todo o lixo que encontramos."
Outro motivo de preocupação da comunidade é a subida do nível dos oceanos, que está a impor-se a um bom bocado de terra até então habitado, obrigando os locais a deixar as suas plantações e mover-se em direção ao centro da ilha. Na última década, o mar avançou 3,6 milímetros, por ano, devido ao aumento das temperaturas e da acidez das águas, com menos oxigénio, segundo a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU). E, se as metas do Acordo de Paris (2015) para a redução das emissões de gases na atmosfera não se tornarem mais ambiciosas em breve, o volume dos oceanos continuará a aumentar e pode retirar das suas casas cerca de 300 milhões de pessoas, estima a ONU. Este é um dos principais desafios que os mais de 190 representantes dos países presentes na Cimeira do Clima enfrentam. E que os milhares de manifestantes nas ruas de Madrid prometem não fazer esquecer.
Jesus Idens (38 anos), Fernando Blasco (34 anos) e Luis Jiménez (33 anos) também caminham pela defesa do clima. Mas não nas ruas da capital espanhola, por enquanto. Há quatro meses criaram uma organização (A Rota do Clima), que prepara caminhadas ou percursos de bicicleta, onde, em simultâneo, se debatem assuntos relacionados com as alterações climáticas. São os três de Málaga, uma cidade portuária muito visitada pelos turistas no sul de Espanha, e foi lá que organizaram os primeiros percursos, que entretanto vão alagar-se a cidades maiores, como Barcelona.
São visitas de duas horas e meia pelo campo ou pela cidade, onde analisam no terreno o impacto das ações diárias. "É um miradouro para ver o que estamos a fazer bem e o que estamos a fazer mal", explica Luis Jiménez. "Falamos sobre a subida do nível do mar, das chuvas torrenciais, do tempo tropical, da espécies em vias de extinção. Sem esquecer o que está a causar tudo isto e as desigualdades, a pobreza e os migrantes climáticos." Espanha, o centro da "luta contra as alterações climáticas" por estes dias, é o terceiro país da União Europeia com mais migrantes climáticos, estando só atrás da República Checa e da Grécia.
No final da caminhada, traçam um plano adaptado a cada um dos participantes com sugestões para tornar as suas vidas mais verdes. Alguns são comuns a todos, como a sugestão de apoio ao comércio local, a promoção de hortas, espaços verdes, a utilização de transportes públicos e de adesão a movimentos sociais ambientalistas. "A ação individual é importante, mas acredito mais nas iniciativas coletivas", confessa Jesus Idens, que, além de estar envolvido na Rota do Clima, criou outros movimentos sociais. Costuma sair à rua às sextas-feiras, no âmbito do movimento global Fridays for Future (Sextas-Feiras pelo Futuro, criado pela ativista sueca de 16 anos Greta Thunberg, com o objetivo de denunciar a inércia dos políticos perante as alterações climáticas), e uniu-se a outros cidadãos de Málaga para pressionar os políticos regionais a declarar o estado de emergência climática. Conseguiu. E promete continuar: "A mudança social está a acontecer a partir da pressão que vem das ruas." E Fernando Blasco conclui: "Todos os dias ouvimos muitos números sobre o clima e sobre o que se está a passar na China e, por isso, podemos pensar que isto está longe. Mas não está. Está aqui e agora."