Espera-se do sistema de educação que cumpra vários propósitos, desde formar indivíduos mais capazes e autónomos até contribuir para a construção de uma sociedade mais próspera e inclusiva. Perceber em que medida um sistema educativo está a atingir os seus objectivos não é, pois, tarefa fácil. Ainda assim, a análise de alguns indicadores-chave permite constatar os enormes avanços que se têm verificado na educação em Portugal - e também muito do que ainda está por fazer..É bem sabido que Portugal apresenta níveis de escolaridade historicamente reduzidos entre as economias avançadas. No início do século passado apenas 10% da população sabia ler e escrever, quando o analfabetismo tinha já sido praticamente erradicado em alguns países europeus. Depois disso, quase meio século de um regime autoritário e conservador acentuou o afastamento de Portugal face às sociedades mais desenvolvidas. Nas vésperas do 25 de Abril cerca de um quinto da população portuguesa (quase dois milhões de pessoas) era ainda analfabeta e apenas 10% tinham concluído o ensino secundário..Desde então foi-se reduzindo o atraso crónico português neste domínio, graças ao alargamento gradual da escolaridade obrigatória, à expansão da rede de escolas públicas (e mais recentemente da rede pré-escolar), ao investimento na formação de professores, à melhoria das condições de vida das populações e também ao investimento e empenho das famílias na educação dos filhos..A evolução foi particularmente evidente nas últimas duas décadas. Desde 1998, a proporção de portugueses com 15 anos ou mais que concluíram o ensino secundário passou de 16% para 39%. Embora este valor continue a colocar Portugal na cauda da Europa (onde a média da população com pelo menos o secundário completo é de 70%), o atraso reflecte um longo lastro de subinvestimento em educação. De facto, se olharmos apenas para a população mais jovem verificamos que a percentagem de indivíduos entre os 18 e os 24 anos que deixaram de estudar sem ter completado o secundário caiu de 47% em 1998 para 13% em 2017. Esta evolução notável quase não tem paralelo na Europa, colocando hoje a taxa de abandono escolar dos jovens portugueses próxima da média da UE e abaixo da verificada em Itália ou Espanha..A evolução positiva da educação em Portugal não é visível apenas na proporção de pessoas que concluíram a escolaridade obrigatória de 12 anos, mas também na qualidade das aprendizagens. Desde 2000 que a OCDE avalia em vários países os níveis de literacia em matemática, leitura e ciências entre os jovens de 15 anos (o conhecido estudo PISA), visando perceber se os alunos adquirem as competências esperadas. Em 2015, Portugal atingiu desempenhos semelhantes à média dos países da OCDE em todos os domínios analisados, sendo um dos poucos membros deste clube de países ricos onde os resultados têm melhorado de forma contínua desde 2000..Também no que respeita ao combate às desigualdades Portugal apresenta alguns resultados assinaláveis. Segundo um relatório recentemente publicado pela UNICEF ("An Unfair Start: Inequality in Children's Education in Rich Countries"), o nosso país encontra-se na 12.ª posição, num total de 38 países ricos no que respeita a um indicador compósito que procura aferir a capacidade de combater as desigualdades em diferentes estágios educativos. Aquela medida é construída a partir de três indicadores-base: a percentagem de crianças envolvidas em educação formal um ano antes do início da escolaridade obrigatória; a diferença entre os melhores e os piores desempenhos na literacia de leitura no 4.º ano de escolaridade; e o mesmo indicador medido entre os alunos de 15 anos. Portugal encontra-se na 8.ª posição nos dois primeiros e na 12.ª posição no terceiro..É, porém, neste domínio - o das desigualdades - que a situação do sistema educativo em Portugal apresenta resultados mais inquietantes. O estudo da UNICEF parece indicar que a capacidade do sistema de ensino português para combater as discrepâncias de desempenho dos alunos vai diminuindo à medida que se avança no nível de escolaridade. E embora em Portugal o nível de desigualdade entre alunos de 15 anos não seja muito elevado no que respeita à literacia na leitura (por comparação com outros países ricos), a diferença entre os melhores e os piores alunos é maior no que respeita à literacia em matemática..Ainda mais preocupante, os dados disponíveis sugerem que o sistema de ensino português tem pouca capacidade de contrariar as grandes desigualdades que os alunos trazem de casa. Portugal é um dos países onde as diferenças de desempenho aos 15 anos são mais acentuadas entre alunos cujos pais têm empregos de estatuto elevado (gestores privados, dirigentes públicos de topo, professores, médicos, engenheiros, etc.) e alunos provenientes de famílias com estatuto socioprofissional menos favorecido. Os dados do estudo PISA mostram que 23% dos alunos portugueses não passam do nível mais básico de literacia e que esses casos extremos de mau desempenho estão fortemente associados ao nível socioeconómico das famílias..O impacto da origem familiar observa-se não apenas no desempenho dos alunos mas também nas suas expectativas: em Portugal, mais do que na generalidade dos países da OCDE, dois jovens de 15 que tenham desempenhos escolares semelhantes têm expectativas muito diferentes quanto a prosseguir estudos universitários e a concluí-los. Por outras palavras, é a origem socioprofissional dos pais, tanto ou mais do que o desempenho escolar, que determina a expectativa de um jovem em Portugal de vir a obter um diploma do ensino superior..Em resumo, os dados indicam que o sistema educativo português tem sido capaz de recuperar muito do atraso histórico de níveis escolaridade para as gerações mais jovens, combatendo razoavelmente as grandes disparidades de desempenho entre alunos. No entanto, há uma proporção significativa de jovens provenientes de famílias com estatuto económico e socioprofissional menos favorecido que ficam sistematicamente para trás e/ou que não aspiram a chegar tão longe quanto as suas competências permitiriam..A sociedade portuguesa continua a ser fortemente dualizada e combater essa dualização deve continuar a ser uma prioridade. Esta tarefa não cabe apenas às escolas, certamente, exigindo antes a mobilização de vários outros domínios de política pública. Não deixa, ainda assim, de ser um dos grandes desafios que a educação em Portugal tem de assumir..Economista e professor do ISCTE-IUL. O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
Espera-se do sistema de educação que cumpra vários propósitos, desde formar indivíduos mais capazes e autónomos até contribuir para a construção de uma sociedade mais próspera e inclusiva. Perceber em que medida um sistema educativo está a atingir os seus objectivos não é, pois, tarefa fácil. Ainda assim, a análise de alguns indicadores-chave permite constatar os enormes avanços que se têm verificado na educação em Portugal - e também muito do que ainda está por fazer..É bem sabido que Portugal apresenta níveis de escolaridade historicamente reduzidos entre as economias avançadas. No início do século passado apenas 10% da população sabia ler e escrever, quando o analfabetismo tinha já sido praticamente erradicado em alguns países europeus. Depois disso, quase meio século de um regime autoritário e conservador acentuou o afastamento de Portugal face às sociedades mais desenvolvidas. Nas vésperas do 25 de Abril cerca de um quinto da população portuguesa (quase dois milhões de pessoas) era ainda analfabeta e apenas 10% tinham concluído o ensino secundário..Desde então foi-se reduzindo o atraso crónico português neste domínio, graças ao alargamento gradual da escolaridade obrigatória, à expansão da rede de escolas públicas (e mais recentemente da rede pré-escolar), ao investimento na formação de professores, à melhoria das condições de vida das populações e também ao investimento e empenho das famílias na educação dos filhos..A evolução foi particularmente evidente nas últimas duas décadas. Desde 1998, a proporção de portugueses com 15 anos ou mais que concluíram o ensino secundário passou de 16% para 39%. Embora este valor continue a colocar Portugal na cauda da Europa (onde a média da população com pelo menos o secundário completo é de 70%), o atraso reflecte um longo lastro de subinvestimento em educação. De facto, se olharmos apenas para a população mais jovem verificamos que a percentagem de indivíduos entre os 18 e os 24 anos que deixaram de estudar sem ter completado o secundário caiu de 47% em 1998 para 13% em 2017. Esta evolução notável quase não tem paralelo na Europa, colocando hoje a taxa de abandono escolar dos jovens portugueses próxima da média da UE e abaixo da verificada em Itália ou Espanha..A evolução positiva da educação em Portugal não é visível apenas na proporção de pessoas que concluíram a escolaridade obrigatória de 12 anos, mas também na qualidade das aprendizagens. Desde 2000 que a OCDE avalia em vários países os níveis de literacia em matemática, leitura e ciências entre os jovens de 15 anos (o conhecido estudo PISA), visando perceber se os alunos adquirem as competências esperadas. Em 2015, Portugal atingiu desempenhos semelhantes à média dos países da OCDE em todos os domínios analisados, sendo um dos poucos membros deste clube de países ricos onde os resultados têm melhorado de forma contínua desde 2000..Também no que respeita ao combate às desigualdades Portugal apresenta alguns resultados assinaláveis. Segundo um relatório recentemente publicado pela UNICEF ("An Unfair Start: Inequality in Children's Education in Rich Countries"), o nosso país encontra-se na 12.ª posição, num total de 38 países ricos no que respeita a um indicador compósito que procura aferir a capacidade de combater as desigualdades em diferentes estágios educativos. Aquela medida é construída a partir de três indicadores-base: a percentagem de crianças envolvidas em educação formal um ano antes do início da escolaridade obrigatória; a diferença entre os melhores e os piores desempenhos na literacia de leitura no 4.º ano de escolaridade; e o mesmo indicador medido entre os alunos de 15 anos. Portugal encontra-se na 8.ª posição nos dois primeiros e na 12.ª posição no terceiro..É, porém, neste domínio - o das desigualdades - que a situação do sistema educativo em Portugal apresenta resultados mais inquietantes. O estudo da UNICEF parece indicar que a capacidade do sistema de ensino português para combater as discrepâncias de desempenho dos alunos vai diminuindo à medida que se avança no nível de escolaridade. E embora em Portugal o nível de desigualdade entre alunos de 15 anos não seja muito elevado no que respeita à literacia na leitura (por comparação com outros países ricos), a diferença entre os melhores e os piores alunos é maior no que respeita à literacia em matemática..Ainda mais preocupante, os dados disponíveis sugerem que o sistema de ensino português tem pouca capacidade de contrariar as grandes desigualdades que os alunos trazem de casa. Portugal é um dos países onde as diferenças de desempenho aos 15 anos são mais acentuadas entre alunos cujos pais têm empregos de estatuto elevado (gestores privados, dirigentes públicos de topo, professores, médicos, engenheiros, etc.) e alunos provenientes de famílias com estatuto socioprofissional menos favorecido. Os dados do estudo PISA mostram que 23% dos alunos portugueses não passam do nível mais básico de literacia e que esses casos extremos de mau desempenho estão fortemente associados ao nível socioeconómico das famílias..O impacto da origem familiar observa-se não apenas no desempenho dos alunos mas também nas suas expectativas: em Portugal, mais do que na generalidade dos países da OCDE, dois jovens de 15 que tenham desempenhos escolares semelhantes têm expectativas muito diferentes quanto a prosseguir estudos universitários e a concluí-los. Por outras palavras, é a origem socioprofissional dos pais, tanto ou mais do que o desempenho escolar, que determina a expectativa de um jovem em Portugal de vir a obter um diploma do ensino superior..Em resumo, os dados indicam que o sistema educativo português tem sido capaz de recuperar muito do atraso histórico de níveis escolaridade para as gerações mais jovens, combatendo razoavelmente as grandes disparidades de desempenho entre alunos. No entanto, há uma proporção significativa de jovens provenientes de famílias com estatuto económico e socioprofissional menos favorecido que ficam sistematicamente para trás e/ou que não aspiram a chegar tão longe quanto as suas competências permitiriam..A sociedade portuguesa continua a ser fortemente dualizada e combater essa dualização deve continuar a ser uma prioridade. Esta tarefa não cabe apenas às escolas, certamente, exigindo antes a mobilização de vários outros domínios de política pública. Não deixa, ainda assim, de ser um dos grandes desafios que a educação em Portugal tem de assumir..Economista e professor do ISCTE-IUL. O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.