Irão abandona limites do acordo nuclear de 2015
O Irão deixará de cumprir o acordo nuclear de 2015, informou a televisão estatal do país neste domingo, citando uma declaração do presidente iraniano Hassan Rouhani dizendo que o país não irá observar os limites acordados relativamente ao enriquecimento de urânio, bem como à quantidade de urânio enriquecido armazenado ou no que toca à pesquisa e ao desenvolvimento das suas atividades nucleares.
Apesar disso, o Irão assegura que irá continuar a cooperar com a Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA), das Nações Unidas, e admite a possibilidade de voltar a cumprir as normas do acordo nuclear, caso os interesses do país sejam garantidos e as sanções existentes retiradas. A AIEA tem como missão verificar o cumprimento do acordo nuclear e a implementação do Tratado de não Proliferação e dos acordos de controlo do programa atómico do Irão.
Segundo o comunicado oficial do governo de Teerão, o quinto e definitivo passo de redução de compromissos nucleares "elimina a última restrição técnica que restava, que era o limite do número de centrifugadoras (para enriquecimento de urânio)", que era de cerca de 6100. O programa nuclear do Irão deixa, desta forma, de ter restrições operacionais à capacidade e percentagem de enriquecimento de urânio, quantidade de material enriquecido armazenado e atividades de investigação. De acordo com o texto, divulgado no final de uma reunião do executivo iraniano, presidida pelo chefe do Estado, Hassan Rouhani, a partir de agora o programa nuclear do Irão desenvolver-se-á unicamente em função das suas "necessidades técnicas".
Apesar de ter anunciado o fim do cumprimento das limitações do tratado, o governo iraniano não anunciou, contudo, a retirada do histórico acordo, que limitava o programa nuclear iraniano. O Plano Conjunto de Ação (ou Joint Comprehensive Plan of Action - JCPOA -, em inglês) é um acordo firmado a 14 de julho de 2015 em Viena pelo Irão e pelos países com assento no Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, França, Reino Unido, China e Rússia), mais a Alemanha, e que visa restringir a capacidade do Irão de desenvolver armas nucleares.
Em maio de 2018, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar-se unilateralmente do acordo e restabelecer sanções ao Irão, incluindo no setor petrolífero. Trump justificou a saída deste pacto ao acusar o Irão de nunca ter renunciado a dotar-se de uma arma atómica (enquanto Teerão sempre desmentiu esta acusação) e de ser a origem de todos os problemas no Médio Oriente. As novas sanções dos EUA provocaram uma fuga das empresas estrangeiras do Irão, que tinham regressado após o acordo, fazendo cair a economia iraniana numa grave recessão.
Um ano depois, o Irão, considerando que tinha sido muito paciente, mas que os restantes signatários não tinham tomado qualquer medida face à decisão dos EUA, resolveu quebrar o compromisso e anunciou que iria voltar a investir no enriquecimento de urânio. Em julho do ano passado, os outros países que estavam no acordo manifestaram a sua preocupação relativamente ao facto de o Irão estar a ultrapassar os limites acordados. Nessa altura, as autoridades iranianas tinham já ultrapassado o limite de 300 quilos de reservas de urânio, bem como o nível de enriquecimento de 3,67%, conseguindo urânio enriquecido com uma pureza de 4,5%, valores que poderão ser ainda aumentados.
Teerão assegura que tem capacidade para voltar rapidamente a enriquecer urânio a 20%, percentagem já alcançada antes da assinatura do acordo, mas que é, no entanto, muito inferior à necessária para desenvolver a bomba atómica. O limite de armazenamento de água pesada foi já também excedido, foram colocadas em operação as centrifugadoras avançadas IR-4 e IR-6, quando o JCPOA só permite o uso das de primeira geração, e o enriquecimento de urânio começou na instalação nuclear de Fordo.
No entanto, e apesar de deixarem de cumprir os compromissos do acordo, as autoridades iranianas reiteraram em numerosas ocasiões que o seu objetivo não passa por fabricar armas nucleares.
Este anúncio do governo iraniano surgiu após a morte do comandante da força de elite iraniana Al-Quds, Qassem Soleimani, na sexta-feira, num ataque aéreo no aeroporto internacional de Bagdad que o Pentágono declarou ter sido ordenado pelo presidente dos Estados Unidos. O ataque ocorreu três dias depois de um assalto inédito à embaixada norte-americana que durou dois dias e apenas terminou quando Trump anunciou o envio de mais 750 soldados para o Médio Oriente.
O ataque provocou uma escalada de tensão na região, com o Irão a garantir que o país e "outras nações livres da região" vão vingar-se dos Estados Unidos.
No início de domingo, o Parlamento iraquiano votou favoravelmente para pedir ao governo que expulse os milhares de soldados norte-americanos. O primeiro-ministro interino Adel Abdel Mahdi assistiu a uma sessão parlamentar extraordinária que definiu o ataque norte-americano como um "assassínio político".
"O Parlamento votou para que o governo se comprometa a cancelar o seu pedido de ajuda à coligação internacional para combater o Estado Islâmico", anunciou o presidente da assembleia, Mohammed Halbusi. O executivo iraquiano terá ainda de aprovar qualquer decisão, mas o primeiro-ministro havia indicado anteriormente que apoiava a expulsão ou a revisão do mandato das tropas estrangeiras através de um processo parlamentar.
Cerca de 5200 soldados americanos estão estacionados em bases iraquianas para apoiar as tropas locais, com o objetivo de erradicar o Estado Islâmico. Os soldados fazem parte da coligação internacional, presente no território a convite do governo iraquiano, em 2014, para ajudar a combater o grupo terrorista.
Entretanto, a coligação liderada pelos EUA anunciou que estava a suspender as operações no Iraque devido aos ataques com rockets às suas bases. "Isso limitou a nossa capacidade de realizar treinos com parceiros e de apoiar as suas operações contra o Estado Islâmico e, portanto, fizemos uma pausa nessas atividades, sujeita a uma revisão contínua", anunciou em comunicado a coligação.
Ao mesmo tempo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Iraque convocou o embaixador dos EUA, Matthew Tueller, para condenar o ataque americano em solo iraquiano. "Foi uma violação flagrante da soberania iraquiana", e "contradiz as missões acordadas pela coligação internacional", disse o ministério numa declaração, informando ainda que apresentou uma queixa ao Conselho de Segurança das Nações Unidas
No Líbano, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, prometeu acabar com a presença de militares americanos no Médio Oriente. "O Exército dos EUA matou aquelas pessoas", disse Nasrallah, referindo-se também a Abu Mahdi al-Muhandis, um aliado de Soleimani que também foi atingido no ataque aéreo em Bagdad. "Cabe a qualquer um do 'eixo da resistência' aplicar uma punição justa após o assassínio de Soleimani."
No entanto, Nasrallah também deixou claro que se referia aos militares americanos, não aos civis, o que tranquilizou um pouco o meio diplomático quanto ao risco que os ocidentais correm naquela região.
O grupo extremista Al-Shabab, que opera sob instruções do movimento terrorista Al-Qaeda, reivindicou o ataque, ocorrido neste domingo, numa base militar no Quénia usada pelas forças norte-americanas, destruindo aviões e veículos. O grupo reclama ainda ter provocado 17 baixas nas forças norte-americanas - número que não foi confirmado pelos EUA.
O Comando dos Estados Unidos da América na África limitou-se a dizer que foram provocados "danos em infraestruturas e equipamentos" e que a pista de aterragem do aeródromo foi fechada. Uma força conjunta, dos EUA e do Quénia, terá matado quatro dos atacantes e prendeu outros cinco, segundo as agências de informação.
Depois das ameaças de Trump no sábado, o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou que, se interesses dos EUA forem atacados, o Irão e os seus líderes militares serão alvo de novos ataques. Pompeo disse ainda que os EUA atingirão o Irão, mesmo que as retaliações aconteçam a partir dos seus aliados, como a Síria, Iémen, Líbano ou outros. "Os custos serão imputados ao Irão e à sua liderança. (...) Esses são dados que os líderes iranianos devem ter em conta", afirmou o chefe da diplomacia norte-americana. Mike Pompeo diz que, nesse cenário, qualquer ataque militar dos EUA em território iraniano terá cobertura legal.
"Vamos comportar-nos dentro do sistema. (...) Sempre o fizemos e sempre o faremos", assegurou o secretário de Estado, contornando as questões colocadas pelos jornalistas sobre a mensagem enviada na rede social Twitter pelo presidente Donald Trump, que ameaçou atacar "locais da cultura iraniana", se os interesses norte-americanos forem visados.
Notícia atualizada às 21.45 com os detalhes do comunicado do governo iraniano.
Com Lusa